A comunidade familiar como centro das mazelas sociais na qual não se é cidadão
Vivemos em um país de contradições porque tais contradições começam na própria família. Esta que, unanimemente, é tida como o núcleo da sociedade, ou ao menos o início desta comunidade. Interessantemente as mazelas sociais que hoje existem são resultado da má educação e má formação de filhos por seus pais, e destes por seus pais, como uma reação em cadeia, um ciclo sem fim que apenas se “renova” com novos distúrbios. Os pais, com sua visão deturpada de mundo, do que é bom ou ruim, do que é ou não um ser humano, quem deve ou não ser tratado como ser humano, que direitos e leis devem ou não ser respeitados, educam seus filhos influenciando extraordinariamente a visão destes sobre o mundo e sobre as pessoas, influenciando, consequentemente, o comportamento deles. Impressionantemente, se um terceiro, estranho à família, tenta demonstra o equívoco de um ou de todos os membros familiares, que a percepção de um ou de todos sobre certo e errado está errada, mesmo que este estranho esteja defendendo a integridade ou a vida de um destes membros de outro familiar, este estranho é visto como o vilão, sendo incorporado, transferido a ele o problema em questão, porque, estranhamente, a família persiste “unida” mesmo que um crime esteja sendo cometido por um familiar contra outro quando o estranho procura ajudar essa “vítima”. Acabam os membros familiares, principalmente os pais, sendo permissivos quanto a qualquer conduta que tenha sido e que possa a vir ser cometida por eles, ou algum deles, por viverem sob o princípio da não separação, de terem de ficar sempre juntos, “a família em primeiro lugar”, “nunca agir contra quem é do mesmo sangue”. Descumprem, porém, a regra de ouro: “faze aos outros o que gostaria que a ti fosse feito”; da qual depreende-se a regra: “trate aos outros como gostaria de ser tratado”; sendo que pode-se dizer que a regra de ouro deriva da máxima: ame aos outros como a si mesmo, o que implica reconhecer o outro como igual por deter a mesma condição de pessoa, a mesma humanidade, devendo, esta então, ser respeitada, efetivando-se a sua dignidade. Assim, não só os membros de uma família são tratados como desiguais, já que uns podem atentar contra direitos do outro, como o estranho também é desigualmente tratado, mesmo que esteja agindo para o bem de um ou de todos os membros. E direitos não são respeitados porque no seio familiar nenhum dos membros acaba por ser tido como cidadão já que cidadania significa “status concedidos àqueles que são membros integrais de uma comunidade [política, isto é, a sociedade] em que todos são iguais com respeito a direitos e obrigações”. E, como a família é espécie de comunidade simples, não política, vige as regras particulares daquele que as impõe, geralmente os pais, ou um deles, que age como bem entender por ser a autoridade máxima desprezando a humanidade dos demais membros que ainda se contentam com isso devido ou não a sua condição vulnerável. E, mudar a concepção e forma de vida dessa família, torna-se algo impossível se a própria família assim não o desejar. Aquele que pretende se emancipar dessa esquizofrenia é excluído da família e, para não sofrer o ostracismo, pode preferir aceitar tal condição. Embora existam alguns placebos, como o divórcio, a emancipação, e outros remédios institucionais, o membro familiar que os usa passa por mais problemas ainda como o preconceito, o ostracismo familiar, dificuldades de prover a sua educação e formação profissional, mesmo estando dentre os “estranhos”, podendo estar enraizado problemas psicológicos que futuramente podem afetá-lo quando vir a constituir uma família. Se houver interferência do Estado, da polícia, do juiz, mesmo do advogado contratado, estes serão vistos e tratados pelos membros esquizofrênicos como vilões por serem estranhos à família. Assim, resolver as mazelas sociais e contradições que assolam nosso país torna-se algo difícil, utópico, e assim segue a “humanidade” desprovida de “humanidade”, podendo a sociedade, devido a perpetuação desses problemas, sofrer rupturas, senão a sua desestruturação e desintegração mantendo-se como uma comunidade apenas por encontrar-se em determinado território em que vige a soberania de uma nação, e as pequenas comunidades, as famílias, manterem-se como tal apenas no sentido biológico comum entre seus integrantes.