Onde perdemos nossa coragem, nossa humanidade?
Já há muito tempo em nossa história o homem reage frente ao mundo em defesa de sua liberdade. Assim foi pela queda do império Romano, que se expandiu por todo o território, que hoje compreende o continente europeu e parte da Ásia, impondo suas leis e sua cultura. Assim foi contra os senhores feudais, que tornavam seus feudos o império de seus desejos. Assim foi pela derrocada do poder absoluto dos Reis, que, igualmente aos césares romanos e senhores feudais, tinham direito de deixar ou não viver seus súditos. Assim foi pela queda dos estados ditatoriais e totalitários, os quais suprimiam a liberdade individual em nome do fortalecimento do Estado.
Até mesmo os filósofos e cientistas da política urgem em reconhecer a liberdade como princípio fundamental do homem e da sociedade. Já disse MONTESQUIEU, ROUSSEAU...
Por ela, por sua conquista, nem mesmo a vida se sobrepuja. Quantos já não morreram a sua procura? No campo dos direitos humanos ou universais é a liberdade sempre relevada a uma dádiva maior, sendo, de modo geral, levada em conta nas primeiras letras do grandes documentos internacionais, como podemos observar, por exemplo, no art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, logo após a Revolução Francesa: “Art. 1º. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a utilidade comum”. Não por acaso, em tempo mais antigo, as primeiras linhas da Carta Magna, assinada por João sem terra, no dia 15 de junho de 1215, declarava: “A cidade de Londres usufruirá como antes de todas as liberdades e franquias em terra e no mar. Nós concedemos ainda a todas as outras cidades e vilas do nosso reino suas antigas liberdades e seus antigos costumes”. Caso queiramos ainda continuar a pesquisar, veremos que sempre a liberdade é o primeiro bem a ser disciplinado. Também a religião procura reconhecer na divindade o livre arbítrio, por isso se pode ver que o tema liberdade é sempre tratado pelos documentos bíblicos e pelos grandes doutrinadores religiosos.
Além das Instituições, os indivíduos lutam por sua existência. Como já tivemos a oportunidade de assistir, homens enfrentam desarmados tanques de guerra, exércitos, até mesmo um Estado inteiro, e sua bravura parece ainda estar longe de ser limitada. Talvez seja o impulso mais fantástico das ações humanas. Contudo, este mesmo homem que parece imbatível em defender seus ideais convive hodiernamente com uma estratificação social inqualificável, mais do que cruel, e não toma qualquer providência. Se por suposição imaginássemos que no Brasil as forças militares estariam organizando um golpe de Estado, suprimindo liberdades individuais, neste mesmo momento uma gama enorme de intelectuais iriam se manifestar contrariamente, pessoas do povo organizariam movimentos de reação, etc.. Porém, numa realidade que já está posta, crianças passando fome, morando nas ruas, sem educação, higiene, saúde, dignidade, segurança, amor, e tantas outras carências e não há sequer metade do empenho das pessoas em resolver o problema. Será porque todos são livres? Ou melhor, se concordamos que as condições de vida dos relegados sociais são indignas e que as pessoas merecem tratamento mais humano, por que não fazemos nada já que somos livres para fazer? Se não tomamos providência alguma, ou significa que não reconhecemos desumanidade no modo de vida das pessoas marginalizadas pela sociedade, ou teremos de admitir que não somos livres. Admitir que não há crueldade na vida de uma pessoa que não possui perspectiva de bem estar, que vive dos restos deixados por pessoas que tem acesso a todas as facilidades da cultura humana, seria o mesmo que consagrar o adágio latino segundo o qual o homem é o lobo do próprio homem. De outro modo, para quem sofre ao reconhecer o sofrimento de outrem, mas permanece inerte, isto significa impotência. Mas, impotência diante do quê? Qual seria a causa de nossos grilhões? E, por que nossa bravura ainda não se manifestou? Seria a grande quantidade de indigentes que já existem? Seria a complexidade da solução do problema? Contudo, pensando deste modo, o que parece mais fictício para um homem medieval: dizer que o homem voará entre as estrelas num bólido pesando muito mais do que as pedras que edificam a muralha de um castelo, ou dizer que em vista de já existir comida e de o homem já saber produzir seu alimento, os homens repartirão suas colheitas entre todos eles para que se apague o mal da fome? O alimento já existe, é real! Os abrigos são reais! Certamente o homem que acreditasse na humanidade diria que no futuro não haveria fome, porque isso é possível. Agora, uma geringonça de toneladas voar mais alto que o azul do céu, isto seria algo impossível para aquele medieval. Dessa forma, podemos ver como se torna complicado rotular alguma ação humana como impossível. Na verdade parece que nós fazemos melhor o impossível acontecer do que o possível. Voltando ao tema da liberdade, diríamos que somos livres para fazer o que não poderíamos e somos presos para fazer o que de fato poderíamos. Livres para o impossível e agrilhoados ao possível. Mas por quê? Será que em nossa rotina não há lugar para cumprir nosso desejo de um mundo melhor? Ou será que nosso tempo e nossa liberdade estão à disposição de melhorar o que entendemos ser o nosso mundo. Talvez acreditemos que seja necessário, primeiro, ajudar-nos a nós mesmos antes de ajudarmos ao próximo. Porém esquecemos que, quando estamos ajudando ao próximo, estamos ajudando a nós mesmos. Como podemos nos sentir felizes vivendo num mundo triste? Como sorrir ao lado dos que choram ou como encher a barriga quando outros a tem vazia? Onde está o nosso heroísmo? A nossa coragem? Melhor sabermos: onde estão os nossos grilhões? Por que não nos libertamos? Vivemos sob alienação?