O POVO EM POESIA

A Poética enquanto manifestação é a expressão do "sentir", do espiritual de uma pessoa. É a inteira voz da intimidade, aquela que nos ocupa num momento qualquer, no qual o intuitivo surpreende e produz a sua intervenção, o seu recado. Qualquer forma ou formato vale como tal, especialmente nos receptores dotados de baixa escolaridade, porém de sensibilidade aflorada, sem nenhum valor estético afirmado comparativamente através da leitura. Quaisquer palavras valem para expressar este amoroso sentir. Porque Poesia é o amor declarado ao que nos encanta num dado momento. Muitas vezes, por analfabeto ou de poucas letras, o autor fala ou canta o verso, por impossibilitado de escrevê-lo. O melhor exemplo é o cantador nordestino ou o trovador do sul do Brasil, que o faz acompanhado da viola ou do violão. Os seus singelos versos podem ou não conter Poesia enquanto arte capaz de varar os tempos, tal como a concebemos esteticamente dentro dos cânones conceituais da poesia culta, a partir dos gregos – que a cantavam – por reconhecer nela o ritmo e a palavra em seu vestido de festa. No entanto, a genialidade de alguns versejadores populares constrói pérolas de bom gosto, algumas com profundidade e sabedoria. Tal é o caso de Catulo da Paixão Cearense, morto em 1946, mas que, por sua obra singular, ainda está vivo no coração do povo, especialmente o nordestino, quer por onde este esteja vivendo. O caipirismo paulista produziu Cornélio Pires, e por aí vai... No Sul, por exemplo, tivemos Teixeirinha, Gildo de Freitas e Jayme Caetano Braun, expressões regionalistas que encantam cada roda de mate-chimarrão. Entre um e outro sorver do "verde da terra" também se bebe o espiritual ao redor do fogo de chão, no planger de uma guitarra, e entre um naco de carne assada e muita prosa, a presença da alma rude do campeiro se torna açucarada pelos versos durante horas e horas, muitas vezes varando a madrugada. E a vida se torna mais fácil de ser vivida. O verso é música, rosa na boca do cantor que emite o seu canto de esperanças, de condenação ao viver, mesmo que nem tenha o que comer, no dia a dia... Mas naquele momento ele compensa tudo o que lhe é adverso. Canta porque sabe que a vida é dura. Todavia, ninguém é de aço durante todo o tempo...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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