Origem do carnaval
Origem do Carnaval
Por Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)
Muitas vezes as pessoas já se perguntaram qual é a verdadeira origem do carnaval. Alguns opinaram que provém da imitação de cerimônias religiosas que se realizavam na Antiguidade. Por outro lado, a própria caracterização dos atores que apareciam nos primitivos cenários teatrais, parece induzir a pensar que dali nasce a ideia de tornar geral o ato das caracterizações num determinado dia. Nós conhecemos uma lenda que, por ser sugestiva e oportuna, vamos narrar.
Era uma vez um famoso rei, membro de uma das mais poderosas dinastias do Egito, a quem preocupava de especial modo tudo quanto dizia respeito à psicologia de seus súditos. Cercado por uma corte de sábios, mantinha com eles constantes conversações relacionadas com os problemas de seu povo, que ele ansiava situar acima do comum.
Achavam-se um dia tratando destes temas, quando um dos sábios manifestou que, apesar do empenho em ilustrar o povo sobre a necessidade de aperfeiçoar cada dia seus conhecimentos e sua moral, ainda não tinham encontrado manifestações que, com evidência, indicassem que se estava realizando de verdade um processo de superação nos habitantes daquela terra oriental, e ele inquiriu, então, sobre a forma pela qual se poderia chegar a conhecer o sentir interno de cada um, ou os pensamentos que albergavam em suas mentes.
Após breves momentos de meditação, o rei respondeu:
— Vamos fazer uma experiência: decretaremos uma semana de inteira liberdade, para que todos se fantasiem daquilo que mais anseiam ser. Vamos fornecer-lhes trajes que caracterizem os desejos que em particular possam ter, a fim de que escolham o de sua exclusiva predileção.
Desde os adornos do rei até o mais mísero farrapo foram postos numa exposição, para que cada um escolhesse o seu. Foram expostos até trajes de seres imateriais, aqueles com que se vestiam os anjos, os santos e os semideuses. Foram confeccionadas, enfim, sem faltar nenhuma, todas as vestimentas que pudessem representar um personagem. Depois, no edital, que foi colocado nos lugares mais visíveis, foi anunciado que o rei, acompanhado de sua corte, presenciaria, como ato final, o desfile de todos os fantasiados.
E agora vem o mais curioso e sugestivo da lenda: o rei pôde conhecer, por meio dos trajes que vestiam, as aspirações íntimas de seus súditos, e observar, com grande surpresa, que a maioria tinha escolhido o de diabo.
É interessante notar como em cada uma das épocas que a humanidade atravessa, incluindo-se nelas todos os povos, parece reproduzir-se essa mesma aspiração.
Em épocas passadas, dizia-se que o diabo era o rei do inferno, que tinha poderes sobrenaturais, etc., gozando por essa causa de grande prestígio no seio da enorme massa de seres ignorantes que acreditavam nos artifícios de sua magia ou nos malefícios de seu poder vingador. De um modo geral, ele foi sempre representado como possuidor de extraordinária habilidade para seduzir as almas e submetê-las exclusivamente à sua vontade ou, melhor ainda, a seus sinistros desígnios. Pelo fato de também se dizer que ele comandava legiões de diabinhos e tinha meios para produzir encantamentos e transformar as coisas impossíveis em possíveis, não estranha que tantos aspirassem a ser diabos.
Mas a lenda ainda não terminou. Quando o rei viu todos aqueles diabos armados com seus tridentes, fez preparar uma enorme fogueira e os intimou a que dançassem sobre as brasas, como fazia o próprio diabo. Tal convite produziu uma verdadeira debandada: as capas vermelhas desapareceram como que por encanto.
A conclusão moral que surge do relato é todo um ensinamento. A força de atração que os fatos espetaculares exercem sobre o homem, produto de sonhos quiméricos ou, ainda mais claro, de sonhos que ele acaricia em relação a súbitas transformações de seu ser em protagonista de acontecimentos deslumbrantes, não lhe permite pensar com sensatez que, em cada posição que aspire a conquistar, deve existir uma razão que, por sua vez, lhe permita mantê-la, e essa razão é saber ser o que se quer ser. O que menos ele pensa é que mais lhe valeria ser consciente daquilo que sabe, para deixar de ser um inconsciente instrumento de sua imaginação.
Artigo extraído do livro Intermédio Logosófico, p. 193