Sobre a Traição – parte 2
Sobre a Traição – parte 2
É recomendável para acompanhar o que vou escrever que se leia meu artigo anterior. Contudo a abordagem desse é diferente do outro, portanto, pode ser aproveitado separadamente, mas o sentido completo só seria atingido, ou o sentido que eu quero dar a ele, se o outro texto for conhecido.
Na primeira abordagem que fiz me detive na causa que leva alguém a consumar o ato de traição e logicamente que não pretendi abordá-lo de uma maneira específica, dando a entender que o clima que nossa sociedade nos propicia influi mentalmente para que nos apropriemos das coisas e das pessoas como coisas, e esse sentimento de posse é que depõe contra.
Concordo também que podem dizer que generalizo, e concordo também. Não há explanação de tópico que não seja geral, adaptando ou confluindo especificadamente para cada caso. As manifestações do todo no particular são diversas e aleatórias. Não cabendo aqui tentar alcançar tal feito.
Na primeira parte me detive sobre o porque. Tentei levantar um clima que propiciaria as pessoas a tal ato, isso nos dias de hoje, já que a traição é sabida desde que o homem possui história. Mas nos temos de hoje a coisa é muito mais perceptível em relação as suas influencias. E a coisificação do mundo é um atributo por demais violento que nos atinge diariamente e ignorá-lo seria ingenuidade.
Consumado o fato o que fazer? Esse é o mote dessa segunda parte.
Primeiro darei minha opinião.
Acredito que ser fiel é algo que se faz porque se acredita na fidelidade. Um ato que se faz por simples comprometimento com seus próprios valores. Eu não sou fiel a ninguém porque ele é fiel a mim em retorno. Fidelidade co-relacionada não é fidelidade mas acordo. E justamente isso não se passa pela minha cabeça. A fidelidade é um valor que levo comigo, aos meus valores e não a ninguém.
Se não traio um amigo é porque valorizo a amizade, se não traio minha amante é porque valorizo a sua companhia, se não me traio é porque me respeito. Muitos se pautam no outro para balizar sua fidelidade e muitas vezes são fiéis até descobrir a infidelidade do parceiro, então nesse momento também são infiéis por resposta. Nesse ponto perguntaria até que ponto uma pessoa acredita realmente em fidelidade. Como se fosse um pacto. “Não nos trairemos, só porque falamos que não vamos nos trair”. Palavra fraca, determinações ralas.
Se sou fiel e permaneço com alguém é porque acredito na partilha de valores, já que escolhi estar ao lado daquela pessoa, do momento que ela me trai, qualquer pessoa, minha confiança decai e justamente minha vontade de estar ao seu lado. Essa preferência é novamente posta em prova e avaliando o que acho mais certo tomo minha decisão. No fundo ser fiel é ser fiel a si mesmo. Se há um ato de traição só posso considerar que se foi infiel a si mesmo, ao seus valores.
Se traiu-se não traiu-se a outra pessoa. Mas sim desvendou-se o fato de que a pessoa valoriza outras coisas, é fraca no controle de seus impulsos ou simplesmente traiu a outra pessoa. E sim um ato de traição, por esses motivos, é um ato de revelação.
Se pensado por esse ângulo acredito que uma pessoa pode superar o ato de traição, pois ele revela uma faceta da outra pessoa que não se conhecia, ou seus verdadeiros valores ou motivações. Com isso tem-se como trabalhar e pensar se há condições possíveis de se manter ao lado daquela pessoa. Creio que para tal disposição a pessoa há de ser muito centrada e forte em seus sentimentos. Não é uma coisa fácil.
Encarar o parceiro como depositário de todos os valores que consideramos fortes é uma práxis, e quanto mais estamos apaixonados mais é essa ilusão. Logicamente que o parceiro nunca vai ser do jeito que imaginamos que ele seja. Se você é fiel agora ao seu parceiro, é porque concorda com o jeito que ele é, atua e se mostra para você. Encará-lo como uma pessoa que muda, muda tudo, valores, disposições, planos e mentalidade é encará-lo como uma pessoa normal e todas as pessoas normais evoluem, trocam de cascas, se tornam mais cônscias de si e do mundo, cedo ou tarde. E se era-se fiel a uma pessoa há anos atrás, têm-se que se adaptar a ser fiel a essa nova pessoa hoje.
Longe do que escrevi na primeira parte, a traição pode ser ocasionada pela falta de contato entre as duas partes. A carência de qualquer tipo pode seriamente ocasionar um sentimento de falta que a pessoa, por não saber onde procurar ou como resolver esse problema, acabaria cedendo à entrada de outras influências em sua vida. Nessa parte considero que a pessoa traída está a mesmo nível afastada da que traiu e somente por disposições diversas que um agiu de um jeito e o outro de outra maneira. O que incomoda não é a traição em si, mas sim a inabilidade dos dois conjuntamente para resolver seus problemas.
Agora, longe de qualquer abordagem que deixe claro o quanto uma traição pode ser falha de um ou de outro, e se consumado o fato como que podemos tentar enxergar aquilo que aconteceu sobre nosso relacionamento, independentemente disso tudo temos que lembrar sempre que perdoar é possível, esquecer jamais.
Então por acaso esqueceremos os campos de concentração ou o genocídio descarado da revolução russa? São traições ao gênero humano da mais alta gravidade. Esquecer? Jamais. Perdoamos os povos que carregam esse peso sobre suas costas. Mas se não quisermos cometer tais atos ou sequer atos similares, temos que nos lembrar, sempre.
A traição é uma morte. Uma morte da ilusão, um tapa do esclarecimento e nunca poderemos confiar novamente do jeito que confiávamos na pessoa ao nosso lado, talvez poderíamos erigir um outro nível de confiança. Acho que a única maneira de permanecer ao lado de uma pessoa que nos traísse, seria amá-la, em primeiro lugar, depois conviver com ela sem esperar nunca que ela vá ser fiel para sempre. Há pessoas que tem uma estrutura interna mais adequada para agüentar baques desse nível e outras menos estruturadas, essas que se acham atingidas, ofendidas, rebaixadas e determinantemente acham que o parceiro não teve consideração alguma com elas. As nuances da traição envolvem os dois lados de igual medida e por isso rotular um lado de bom e o outro de mal é hipocrisia. Uns são mais fortes outros mais fracos, uns tem valores mais arraigados e uma fidelidade a si que outros não possuem. Consumado o ato os dois lados tem a pensar, um no porque fez isso o outro se prefere continuar com alguém assim ou não. Sabendo que nunca se esquecerá, mas pode-se perdoar, mas será que basta?