A invenção do futuro
De encontros entre juristas, psicanalistas, jornalistas e filósofos numa praia de Ilha Bela surgiu “A Invenção do Futuro”, livro que levanta problemáticas da sociedade pós-moderna ou hiper-moderna. Realizada na última quinta-feira, a conferência de lançamento do livro reuniu alguns dos autores: os juristas Miguel Reale Jr. e Tércio Sampaio Ferraz Jr., o psicanalista Jorge Forbes e o filósofo francês Gilles Lipovetsky. De suas falas e escrita já foi possível ter algumas impressões.
Miguel Reale Jr. se preocupa com o consumismo, que ele considera como uma histeria coletiva. Acredita também que a efemeridade, os encontros e desencontros amorosos e o império da criança são realidades que se coadunam, gerando a insatisfação coletiva.
Já Tércio Sampaio Ferraz Jr. afirma que as questões da pós-modernidade/hiper-modernidade giram em torno de dúvidas, que geram muitas angústias. Segundo ele, a globalização transforma a sociedade em algo bem maior do que conseguimos medi-la, o que faz nos sentirmos expulsos dela. Com isso, a sociedade globalizada transformou-se em conjuntos de comunicação e não de pessoas que se comunicam. Vivemos a utopia de que nos comunicamos mais e melhor, mas o que temos é uma pluralidade de meios em que só conseguimos chegar ao outro por meio de meio (de comunicação).
Gilles Lipovetsky constata que na sociedade hiper-moderna tudo se transformou em pergunta; convertemo-nos em filósofos, mas não em sábios, e sim em angustiados. Isso porque sofremos com a pluralidade de respostas, vivemos um individualismo reflexivo, construímos uma sociedade em que nos preocupamos apenas com a felicidade individual, cada um pensa em si e nada mais há além dos interesses privados. Tudo isso cria na sociedade civil sentimento de ceticismo, desconfiança, vazio e niilismo.
O psicanalista, Jorge Forbes, discorre sobre os novos laços sociais amarrados pela globalização. Acredita que a globalização ajudou a quebrar a verticalidade patriarcal de outrora. Hoje temos uma horizontalidade que substitui a hierarquia por talento e o pátrio poder pelo poder da família, resultando na dessacralização de grandes símbolos. Por isso, estamos desbussolados.
Com esse panorama sobre a contemporaneidade, os autores apontam a falta de ética, de responsabilidade e de respeito. Crêem que o excesso de mídia, de respostas, de perguntas e de individualismo convergem à incerteza quanto ao amanhã, o que não ocorria no início do século passado. Por não haver mais certezas, essa situação faz com que, no presente, inventemos o futuro.
Embora tenham demonstrado o quão crítica é a situação, esses intelectuais não se silenciam. Cada um apresenta um caminho para que retornemos ao eixo da existência. Reale Jr. crê que devemos enfrentar o problema da falta de solução para a morte e assumir responsabilidade individual. Ferraz Jr. chama-nos à solidariedade, à percepção do outro detrás da máquina. Lipovetsky, mesmo acreditando que ainda estamos muito perdidos, diz que temos que sustentar nossa capacidade de reação porque quando nos escandalizamos com a realidade estamos provando que os ideais de justiça não morreram. Forbes alerta que não adianta sermos pensadores a quatro paredes fechadas; as discussões têm que ser trazidas ao público.
Quanto a mim, a não-intelectual, considero que a sociedade, desde seus primórdios, necessita de fases como a que estamos enfrentando. É por meio de graves crises que são dados saltos qualitativos. Se tudo corre mais ou menos ninguém muda coisa alguma, apenas deixa o barco correr. Obviamente, as mudanças não são auto-executáveis, há necessidade de reflexão que oriente a uma ação. É isso que estamos tentando fazer.
Parece-me claro que a consideração de Miguel Reale Jr. acerca do consumismo guarda referência à observação de Freud sobre a influência da religião na sociedade (o psiquiatra considerava a religião uma neurose coletiva). E ambas preocupações giram em torno do mal-estar da civilização. O mal-estar de nossa sociedade está no complexo capitalismo-consumismo-individualismo. A evolução – não progressista, e sim humanista - dessa situação é a descoberta que a busca humana nada tem a ver com objetos, mas com estados emocionais.
Realmente, a pós-modernidade é marcada pelo vazio, pelo questionamento, pelo excesso entorpecedor, pela insatisfação e pela angústia. Isso torna a realidade dura, mas não vejo nada de errado em criar o amanhã em nosso imaginário. Se perdermos até a capacidade de inventar o futuro, anularemos parte do que nos faz humanos.