APARÊNCIAS

O PERIGO DAS APARÊNCIAS

por Juliana Silva Valis

O que representam, meus prezados amigos e amigas, o espetáculo do mundo e o teatro da vida senão partículas macroscópicas dos reflexos de quem pretendemos ser, enquanto brincamos com as aparências ? Nossos "papéis" sociais serão roteiros de sonhos pré-fabricados ou ilusões digitais vendidas em série ? Nascemos pessoas "racionais", aos montes, mulheres e homens, cidadãos de um mundo que nos vende rótulos e máscaras, hipnotizando-nos, desde a tenra infância, com a ilusão de que temos a "grande liberdade" de escolher, ou comprar, nossas máscaras num contínuo espetáculo encenado há séculos: mas quem somos, de fato, quem fomos ou quem seremos?

Somos quem parecemos ? Somos quem escolhemos? Somos, em termos biológicos, o que regem nossos hormônios, genes, neurônios e órgãos ? Somos uma complexa relação entre genótipo, fenótipo e influências sociais? Somos quem, "realmente", queremos? Ou, como canta a banda "Engenheiros do Hawaii", somos quem podemos ser ? Ou será, tudo isso, uma vã filosofia de nossa mente brincalhona? Ah, meus amigos, não é tão simples essa questão, muito menos para mentes curiosas e insones, pois o cérebro não dorme nem quando está dormindo (daí vêm os sonhos - ou pesadelos).

Nessa sociedade do consumo, em muitas hipóteses, são vendidos papéis que podemos "ter" (podemos ter a profissão x ou y, podemos ter a casa w ou z, podemos ter infinitos objetos de inúmeras marcas, "temos" um abstrato "livre arbítrio" - e reparem: "dependendo" de inúmeros fatores, como circunstâncias de nascimento, gênero, questões biológicas e genéticas, classe social etc). Mas quantos labirintos espelhados do "ter" refletirão nossas imagens até sabermos, de fato, quem somos, por trás de todas as máscaras que nos venderam? Nem nós mesmos nos conhecemos 100%, ouso dizer, que dificilmente chegaremos a "nos" conhecer em percentual acima de 60%. A mente humana (esse fantástico labirinto) é ainda, com toda a tecnologia do mundo, um grande mistério para a Neurociência, a Medicina, em geral, e muitos outros campos de estudo.

E, assim, corremos o risco de passar grande parte do tempo entretidos com os ilusórios prazeres das aparências e do corpo, repetindo padrões que representarão o quê, senão, o "status quo" sem sentido de uma hipnose coletiva ? Ah, vamos procurar algum sentido maior do que seja "a felicidade", amigos (e espero que cada um encontre ou crie o "seu sentido"), antes que as aparências passem a vida toda rindo das nossas ilusões, para que o mundo continue lucrando com as máscaras que usamos, muitas vezes, sem perceber. O perigo de comprarmos sempre essas máscaras sociais, sem refletir, é chegarmos ao fim da vida sem nos realizar, realmente, como "seres humanos".

Mas, nesse mundo, não é moda pensar, não nos estimulam a refletir, mas a comprar sem questionamentos. É tão mais trabalhoso e desconfortável "nadar contra a corrente" e estamos tão hipnotizados pelos padrões coletivos de prazeres efêmeros e consumos imediatos que usamos as máscaras da moda, descartamos e compramos outras, até que elas nos dispam de nós mesmos. E nós passaremos, amigos, mas as aparências, essas brincalhonas, ficarão rindo, eternamente, das ilusões que temos, enquanto compramos máscaras novas nas liquidações das lojas de departamento? Sinceramente, não sei. Nem ao menos sei "por que" estou pensando isso agora. Apenas entendo como muito provável a hipótese de que sejamos infinitos mistérios para nós mesmos, como partículas microscópicas de outro universo, gigante e esplêndido, mas igualmente misterioso, indo sempre muito (e muito mais) além do que ele aparenta ser.

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"A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original." (Albert Einstein)

"A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculista. No espetáculo da imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo (...). Na sociedade do espetáculo, a mercadoria se contempla num mundo que ela mesma criou (...). A história que está presente em toda a profundidade da sociedade tende a perder-se na superfície."

Guy Debord (1931 - 1994) - escritor francês, trecho acima de seu livro "A sociedade do espetáculo".

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