Aborto: Entre a Liberdade e o Direito à Vida?
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Um dos temas mais polêmicos nas sociedades contemporâneas é o aborto. Isso porque mesmo entre grupos com ideias muito parecidas pode haver divergências – embora seja mais fácil encontrar um abortista entre os comunistas que entre os centristas. O motivo pelo qual esse tema é tão controverso é que ao mesmo tempo em que ele envolve a vida – ou a formação de uma – de um ser, envolve a liberdade e a autonomia de outro – a mulher, no caso.
Dentro do libertarianismo, que prega igualmente o direito negativo* à vida quanto o direito negativo à liberdade, essa questão é especialmente complicada. Ser a favor do aborto seria consentir que um ser indefeso morresse. No entanto, ser contra essa prática seria adotar uma posição antiliberal, na qual uma mulher é obrigada, contra sua vontade, a passar por toda uma gestação.
Para se esquivar desse problema em que dois princípios de igual importância oferecem soluções contraditórias (liberdade x vida), é necessário fazer o seguinte pensamento: nossos direitos podem ser desfeitos pelas nossas ações. No caso, se alguém possui uma casa, o direito sobre uma casa, e decide vendê-la – ou mesmo doá-la -, ele voluntariamente nega sua propriedade legítima em troca de dinheiro – ou sem receber nada em troca. E isso é feito por um contrato.
Quando digo contrato, entretanto, não me refiro somente aos contratos legais, registrados em cartórios e que recebem a proteção, ao menos teórica, do Estado, mas sim a todos os acordos formados por duas – ou mais – partes. E isso engloba os tratados explícitos – como o de trabalho – ou implícitos – como o de que namorados não devem envolver-se amorosamente, sexualmente, com outras pessoas. Nesse ponto deve-se ressaltar que esses pactos mais informais e implícitos são muito mais sujeitos a alterações caso ambas as partes, ou muitas vezes uma delas, sinta necessidade ou desejo.
Dito isso, é possível perceber que quando uma mulher e um homem férteis transam sem a utilização de anticoncepcionais, há um contrato implícito de que caso haja a gravidez, em outras palavras, um indivíduo em formação habite o corpo dessa senhorita, essa pessoa ficará responsável pela gestação do bebê, uma vez que a vida dele depende disso. Esse acordo limita temporariamente a liberdade dessa mãe em prol da formação de um ser dentro dessa, ela concordou implicitamente que gestaria, e isso traz consequências.
Contudo, isso está longe de deixar todos os problemas resolvidos. Primeiramente, porque não é possível fazer contratos com seres sem consciência. Até que seja formado um sistema nervoso minimamente complexo, o feto não possui vontade ou consciência, logo, não há acordo com ele. É como fazer um pacto com uma árvore, é algo sem sentido, essa planta não possui desejos, apenas um funcionamento “automático”, definido por sua genética – não estou dizendo que o ser humano é alheio à genética, mas sim que a árvore é alheia ao pensamento, ao instinto, à vontade e à consciência, assim como um bebê em estágio inicial de formação.
Nesse momento, duas objeções podem ser feitas quanto a minha linha de raciocínio: 1) Abortar um feto, mesmo que sem consciência, é assassinar – interromper uma vida; 2) Acabar com uma gravidez é impedir que uma pessoa tenha a oportunidade de viver. Quanto a isso, deve-se admitir que ambas as considerações são verdadeiras, porém: 1) Matar um ser sem consciência é como matar uma bactéria, fazemos todos os dias, mesmo que inconscientemente; 2) Com base nesse argumento, homens e mulheres deveriam reproduzir-se o máximo que pudessem, uma vez que cada oportunidade perdida seria um humano que deixou de nascer. Meninas deveriam começar a gestar aos 11, 12, anos e parar quando chegassem aos seus 60. No entanto, isso não é preciso, porque não somos obrigados a fazer nada por ninguém, a não ser que consentimos com isso – por meio dos já discutidos contratos.
Logo, se o importante é a consciência, ao invés da vida em si, então até quatro meses – ao menos – pode-se interromper a gravidez, visto que o bebê ainda não tem seu sistema nervoso formado de forma complexa o suficiente para ser considerado consciente. Ainda assim, vale-se ressaltar que falo sobre a questão abortista por um prisma apenas da liberdade da mulher contra o direito à vida do bebê, não entrando na questão de se é bom ou não essa prática para as partes, mas sim se deveria poder ser feito.
No entanto, ainda há o problema do estupro. Uma vez que a mulher não aceita implicitamente a concepção, ela não pode ser obrigada a perder sua liberdade, mesmo que momentaneamente. Ela não concordou com isso. Logo, caso haja uma interrupção da gestação após o desenvolvimento da consciência no bebê, ninguém além do agressor poderá ser responsabilizado. Esse indivíduo, então, poderá ser acusado tanto de abuso sexual quanto de assassinato.
Em suma, com base nesses argumentos, conclui-se que se faz uma discussão errada ao falar sobre o início da vida, porque verdadeiramente isso não é o que interessa, mas sim o começo da consciência, do instinto, do desejo de viver. A vida pela vida não é a questão – ao menos para nossas sociedades contemporâneas, em que comemos carne animal e usamos couro de agasalho -, mas sim a vontade e o pensamento humanos e os acordos que fazemos utilizando essas importantes ferramentas.
*Direito negativo é aquele que impede que os outros retirem algo de você, enquanto direito positivo é o que obriga que algo ou alguém lhe dê algo.