DAS CORTES ÀS REDES SOCIAIS – A VELOCIDADE DA QUEDA.
Cada vez que um de nós senta-se num bar com o seu melhor amigo e, depois de meia dúzia de chopes, começa a desabafar a reação é sempre a mesma. Ou a pessoa que nos escuta trata de abordar a coisa do ponto de vista “emocional” e solidariza-se com nossa tristeza como se fosse uma espécie de terapeuta, ou analisa nosso problema do “ponto de vista social” e trata de nos ver como vítima numa relação (geralmente de emprego) perversa. Colocando de forma mais acadêmica – são os conceitos do marxismo e da psicanálise que integram em primeiro lugar o discurso de resposta. Não vejo muita novidade em escrever um artigo sobre isso, mas acho que há um ponto a ser ressaltado – ninguém hoje em dia, seja amigo ou inimigo nosso, se dá conta de que faz isso sem planejar.
Meu texto começa exatamente aqui – falando sobre um conceito chamado “cosmovisão”, comum na filosofia mas bastante desconhecido da população em geral.
Cada vez que uma determinada teoria revoluciona uma área do conhecimento humano, um fato singular acontece – ela exerce um impacto profundo em todo resto da cultura. Falar sobre o conceito de tempo nunca mais foi a mesma coisa depois de Einstein, analisar questões relativas ao amor, depois de Freud, tornou-se algo completamente novo e por aí vai...Os exemplos são inúmeros mas o nosso objetivo aqui vai ser o marxismo e seu efeito naquilo que eu vou chamar de “a condição médica” no Brasil.
Começo afirmando o seguinte: eu me nego apresentar o marxismo à vocês como uma simples doutrina política ou econômica. Acho primário, no nível que adoto aqui, falar em partidos políticos e resumo a minha opinião numa frase muito simples – O Marxismo é uma cosmovisão. É uma teoria completa de interpretação da realidade que tem como base histórica a economia política da Inglaterra, o socialismo utópico francês e o materialismo histórico alemão.
Publicado pela primeira vez em 1848, o Manifesto do Partido Comunista que tantas revoluções inspirou é hoje uma peça de museu, mas justamente por isso é capaz de induzir todos nós a cair na tentação de pensar que o marxismo morreu..Garanto a todos vocês, e essa deve ser a mensagem do texto, que ele está mais vivo do que nunca e influencia de maneira silenciosa a maneira de ver o que acontece conosco no dia a dia. O responsável pela sobrevida dessa doutrina caduca, que gosta de se apresentar como falecida e da qual só nos lembramos nas invasões de terra, foi um dos fundadores do partido comunista italiano – seu nome era Antônio Gramsci.
Em certo sentido, Gramsci foi um gênio. Ele foi alguém capaz de entender que é a guerra cultural continua e não a propriedade dos meios de produção o caminho para a implantação do socialismo. À base econômica, que Marx definia como “estrutura da sociedade,” há que se somar uma outra chamada “superestrutura” - um conjunto de valores, crenças, opiniões e verdades “a priori” que, contrariando opinião dos primeiros comunistas, é tão ou mais importante que a primeira. Ponto. Nova linha...rsss
Milton, o que tudo isso que escreveste tem a ver com os médicos brasileiros??
Vamos lá – o modelo de saúde implantado no Brasil, que está fazendo a nossa vida e a dos pacientes ser um inferno, foi “bolado” em 1979. Os mais novos não sabem, mas o pessoal mais velho vai lembrar. Houve uma conferência numa antiga cidade da URSS chamada Alma Ata. Duvido, pessoal, que houvesse no mundo inteiro um médico comunista que não estivesse presente.
Entre essas viúvas de Gramsci estava um colega nosso chamado Sérgio Arouca. E daí, Milton? Daí que foi esse cara o idealizador do SUS no Brasil! O que mudou a partir disso foi muito mais do que o fim do INAMPS! Foi a própria definição da Medicina, meus amigos. Nós deixamos de ser gente que às vezes salva, com alguma frequência alivia e na maioria das vezes consola, para nos transformarmos em agentes involuntários de “transformação social”. Não é preciso, e isso eu vou morrer escrevendo, ser petista para colaborar com o plano de poder do governo federal. Basta ser médico do SUS. Voluntariamente ou não, estamos todos dizendo amém aos políticos que colocaram sob nossos ombros a responsabilidade da “saúde da sociedade”. Isso eu jamais vou admitir! Mas Milton, a sociedade não é feitas de pessoas?? Não é não, meus colegas..ela é feita de CIDADÃOS! Existe uma gigantesca diferença entre tratar um paciente e satisfazer um cidadão! “Mas Milton, saúde não é uma questão de justiça social?? Até certo ponto, gente..até certo ponto..e no Brasil nós já passamos dele faz tempo! Então o que vem antes, Milton? Saúde ou justiça??
Meus caros colegas, aqui outro ponto básico para tirar a dúvida de todo mundo – Em primeiro lugar, antes de tudo, antes de absolutamente qualquer coisa – a JUSTIÇA! Nós vivemos num Estado de Direito, ou pelo menos é nele que deveríamos estar..Não há que se divagar sobre saúde, educação e segurança num país cujo fundamento – a justiça – desmoronou.
Há centenas de anos atrás os médicos sequer tinham salários. Vivíamos nas cortes dos reis! Quem tratou um corrimento de Cleópatra, uma fimose de Luis XVI ou um calculo biliar de Napoleão tinha na maioria das vezes casa, comida, roupa lavada e até (as gurias me perdoem) mulher de graça...
Tá, e daí Milton?? Daí pessoal que esse sentimento de afastamento, essa noção de estar acima de necessidades como pagar contas e criar filhos é algo tão profundo, mas tão profundo no imaginário popular, que não houve exemplo na história, até onde de sei, de partido político que conseguisse acabar com isso..Não conseguindo destruir o inimigo, os idealizadores de uma revolução cultural são capazes de jogar a população contra ele.
Nós, meus colegas, estamos no Brasil! Noventa e nove vírgula nove por cento da população pensa que todo policial é corrupto, que todo professor só pensa em greve, e que todo médico “não gosta de pobre”. O PT sabe perfeitamente disso e vai explorar esse fato – que ele mesmo ajuda a sustentar como verdadeiro – de uma maneira magistral. Sabem como?? Fazendo, nesse movimento grevista que agora queremos iniciar, os médicos discutirem dinheiro !
Dinheiro, Milton?? Isso mesmo, dinheiro! Tá, Milton, mas tu estás ganhando tão bem assim que não precisas de dinheiro?? Pombas! É ÓBVIO que PRECISO! Todos nós precisamos plano de carreira e melhores salários, né?? Só digo a vocês o seguinte – Toquem nesse assunto com o governo NESSE momento e estamos perdidos! A manchete na Folha de São Paulo vai ser - “Médicos querem ganhar mais”...
Meus colegas, nosso movimento deve ser para impedir a vinda dos cubanos sem revalidação de diploma e por melhores condições de trabalho! Lembrem-se: um dia nós já estivemos dentro de cortes....hoje precisamos nos reunir em redes sociais...a queda foi muito grande, em alta velocidade e sinto dizer …. acho que ela ainda não terminou ...
Dedicado ao pai – ATM 68, e a todos os médicos brasileiros
Porto Alegre, 4 de julho de 2013 AVC (antes da vinda dos cubanos)