O país dos Gérsons (publicado originalmente em 28/6/2013)
As pessoas vão às ruas protestar contra a tarifa cara dos ônibus, mas têm os famosos R$ 10 para comprar o ‘3 por 10’ de DVDs piratas. Os manifestantes reclamam da corrupção dos governos, mas adulteram carteirinha de estudante para pagar menos nos ingressos nos cinemas. Alguns, aliás, muitos, expõem cartazes com os dizeres ‘Mais saúde e educação’, mas jogam o lixo nas ruas. Aqueles que pintam o rosto de verde e amarelo, de camisas estilizadas com frases de impacto, como ‘desculpe o transtorno, estamos mudando o Brasil’, nada falam quando o caixa da padaria ou do mercado lhes dão o troco a mais na conta ou cobram errado, para menos, diga-se. Os boquirrotos gritadores de ‘o povo unido jamais será vencido’ analisam, ao serem multados pelo guarda, se este é passível ou não de levar um dinheirinho a fim de cancelar a pena. E nem aqui me refiro aos que badernam, quebram, violentam, batem e brigam, estragando patrimônios, pois eles são criminosos e não os manifestantes.
Os ocorridos das ruas nos últimos dias, claro, estão mudando o país. Evidente. Só um tapado não enxerga. No paragrafo anterior apenas quis ser o ‘advogado do diabo’, como se diz. E são mais e mais desses ‘deslizes’ de nosso povo, como desperdiçar água, não parar na faixa de pedestre, não dar lugar aos idosos etc. Somos imperfeitos, como o mundo. Porém, há estes detalhes. Incluo-me nisto e peco pela omissão, confesso. Em nem um dia fui a passeatas e tampouco borrei minha cara. Vi tudo pela TV, li nos jornais, na internet, blogs, depoimentos. Os políticos se assustaram com o tamanho. A tarifa foi diminuída – em Jacareí, de R$ 3,20 foi a R$ 3,15 e depois a R$ 3 – e as pessoas, numa das mais bem sacadas declarações, sugerem: ‘Enfiem os 20 centavos no SUS!’. O movimento, chamado de ‘Revolta do Vinagre’, pelo episódio da prisão do repórter da CartaCapital porque transportava de forma ‘perigosa’ e ‘nociva’ uma garrafa de vinagre na mochila, tem intenções belas. Mas há erros aí.
Um exemplo: eu, particularmente, não engulo pessoas nos estádios terem pagado R$ 250 pra cantar forte o Hino Nacional e torcerem pela seleção pizza que temos: ela é meia Globo e meia CBF. Como é moda, digo: este time canarinho não me representa. O dia em que os torcedores exercerem o seu direito ao contrário, ou seja, quando torcerem contra, protestarem nas ‘arenas’ da Fifa – erguidas com dinheiro nosso – talvez o caso fique melhor. É o que falta para o Brasil varonil avançar. O país é necessitado de derrotas. A gente precisa perder para mudar, transformar o que já está errado antes da perda. A derrota fortalece a crise. Se vencer, maquiagem sobe e então tudo se esvai. Não digo que se caso o time CBF / Globo conquistar a Copa das Confederações os protestos terminarão. Creio até seguirem. A vitória, pensem, dará munição às autoridades. Elas se vangloriarão como Médici em 70, igual a Porfírio Diaz de ‘Terra em Transe’ (1967). Temos de vaiar, dar às costas, desprezar e ignorar.
Neste país de Gérsons, os que querem levar a vantagem em tudo, precisamos aprender a não errar. Pois, se tropeçarmos, como estamos desde 1500, temos o risco de trombarmos com o seguinte diálogo: ‘Você é um deputado ladrão!’ – ‘E você compra DVDs piratas... Quem é o pior?’ Claro, não se adquire DVD pirata com dinheiro público geralmente, entretanto este que berrou e xingou o político vil votou em Tiririca em 2010. E agora? Podem estar certos de que no pleito do ano que vem surgirá o Cacareco da vez, e até mesmo Tiririca pode sê-lo, pois declarou que seguirá como político em 2014.
Aldo Rebelo, ministro do Esporte e ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), filiado ao Partido Comunista do Brasil (!) disse ser contra os protestos (!), pois atrapalham a Copa. E quem liga à Copa? E não se pode, é bom frisar, comparar pessoas de 2013 aos Caras Pintadas de 1992 ou aos populares de 1984, exigindo eleições diretas pra presidente. A deste ano, agora sabemos, não veio só pedir a redução das tarifas de ônibus. Ela quer mudar. Mudar-se. Então, comecemos por nós, não votando em Tiriricas e dando de ombros a Médicis, Porfírios, as ameaças. Não sejamos Gérsons.