Donzela supimpa

Andando na rua, encontro o Brochado, um velho conhecido, a quem não via há mais de dez anos. Ao imaginar que o tempo decorrido, o transcurso da idade e a crise do Real tivessem arrefecido seu pedantismo, enganei-me. Ao ver-me, ele bradou, fiel a seu estilo, chamando a atenção dos transeuntes: “Ave, preclaro mestre, que imenso gáudio é vê-lo outra vez!”. E puxou-me pelo braço, despejando em meus ouvidos cansados uma série de latinismos, que foram desde o data maxima venia, até o mutatis mutandi. Esse meu conhecido é uma boa pessoa, um profissional exemplar, indivíduo sério e bem intencionado, mas chato, chato, desses capazes de passar por debaixo da porta, de tão chato que é.

Por se tratar de uma pessoa extremamente erudita, ele gosta de despejar nos circunstantes que se atrevem a aproximar-se dele, toda aquela verborragia amealhada por décadas de tresnoites sobre os livros.

Por erudito eu classifico uma pessoa que detém um enorme cabedal de conhecimentos intelectuais. O culto, para mim, é o erudito que coloca seu saber na prática, a serviço de alguma coisa ou causa. O indivíduo erudito é uma biblioteca fechada, cheia de pó; o culto é uma multimídia disponível...

Pois, assim que o assunto amainou, o Brochado veio me contar que estava de mulher nova. “Embora ela seja uma neófita nas atividades genésicas, aos poucos eu vou exercitando com ela um processo docente, capaz de conduzi-la aos píncaros do êxtase”. A gente tem que ouvir e decodificar, com rapidez o que ele diz, sob pena de não entender a metade.

Uma vez, precisavam ver, ele construía uma casa, e eu passei por lá, e assisti-o dando ordens aos pedreiros. Um bolaço! E ele prosseguia na ode à nova namorada: “Pois não imaginas, carus magister, a pulcritude da minha donzela, por ser calipígia e polimaste, ela resume os ideais oníricos dos menestréis românicos, o que a torna fisicamente análoga à ‘Tiazinha do H’”.

Saí dali exausto com aquela verborréia. Para não confessar minha ignorância no ar, em casa fui ver no dicionário o que era calipígia e polimaste. Polimaste, tive que recorrer a um velho “amansa” de etimologia grega. Trata-se de uma mulher com “volumosos seios”. E calipígia? Simplesmente alguém que possui “belas nádegas”, ou, no popular, uma bunda bonita. Aí a semelhança com a “Tiazinha”. De fato, conclui, tratar-se, destarte, de uma donzela supimpa.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 29/03/2007
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