O PENSAMENTO PACÓVIO

O pensamento pacóvio, ao contrário do pensamento acadêmico, expressa impressões, opiniões, sentimentos, sensações as mais diversas; tudo muito vagamente. O pensamento acadêmico se expressa pelo conhecimento sistematizado e organizado por princípios e regras, muitas delas bem rígidas, e também segue metodologia cuidadosa. Com isso, o pensamento acadêmico compreende, explica. O que chamo de pensamento pacóvio, portanto, nada tem de cartesiano; tem como base de informação o que se ouviu dizer e o que a imprensa e as outras mídias divulgam.Deve-se entender por outras mídias, todos os meios de comunicação disponíveis que não sejam essencialmente jornalísticos. Inclui-se, portanto, toda a programação da televisão, do rádio e as infindáveis possibilidades de informação espalhadas por todos os sites da internete. E também o telefone, que já não serve mais apenas para que seus interlocutores falem e ouçam, alternadamente, num procedimento verdadeiramente de diálogo. Os que não são fixos, além de andarem junto às pessoas, como apêndices ansiosos, ainda gravam imagens e sons, transmitem e recebem textos e, em alguns países, tem-se com eles acesso as mídias abertas. Além disso, o telefone dá interatividade à televisão e ao rádio. Outros meios, ou programas, que proporcionam interação instantânea, como os sites de relacionamento, são as modernas Torres de Babel. Todos falam todas as línguas e as linguagens cifradas são apenas decodificadas por iniciados.

É dessas intermináveis, e muitas vezes confusas fontes de informação, que emerge o pensamento pacóvio. Todo tipo de informação, disponível a qualquer hora, chega aos indivíduos em todas as partes do planeta instantaneamente. Porém, em dose de conta-gotas; superficiais e, em sua maioria, irrelevantes.Salvo o que se salva; e há muita coisa relevante e de importância.

O pensamento pacóvio caracteriza-se pela irrelevância.E a irrelevância banaliza todas as coisas; e a banalização é a lente que distorce tudo. Não há mais por que chocar-se com o assassinato de policiais por bandidos insatisfeitos com a ação do Estado se as ações do Estado são irrelevantes. Não há mais por que indignar-se com a imprevisibilidade de horários de vôos em aeroportos se pode-se esperar, esperar e esperar quando o que é relevante é a insegurança de um sistema que está no mais alto nível crítico; há uma tragédia anunciada. Não há nada a fazer contra a violência selvagem, banal, corriqueira a não ser vestir e passear com camisetas enfeitadas com fotos e frases que clamam pela abstrata paz. Não há nada a fazer se a bala é perdida, anônima, misteriosa, sem dono. Não há nada a fazer senão correr de cabeça abaixada (para se proteger!) entre soldados atirando no que não vêem com armas de guerra nas ruas das cidades; nas janelas, portas e encostados as paredes centenas de pessoas assistem o espetáculo banal. Relevante, para a imensa maioria é saber o que se passa na vida de desconhecidos confinados numa casa cenário, num jogo roteirizado, em busca de exposição pública, fama relativa e meteórica, glória, notoriedade, enfim, coisas irrelevantes e banais. Interferir na vida das pessoas com apenas uma ligação telefônica para “eliminá-las”, seja lá do que for, é relevante. É mais do que isso; é também uma metáfora. O que significam alguns centavos de uma ligação telefônica para expressar o pensamento pacóvio? Para cada indivíduo pacóvio, nada; é irrelevante. Multiplicado por dezenas de milhões de ligações, é relevante; é uma arrecadação relevante, faça as contas. Há quem acredite livrar-se de sua vida banal assistindo a banalidade da vida dos outros. E ainda tornam-se íntimos; desconhecidos anônimos de personagens irrelevantes e banais.

Mata-se e morre-se por coisas banais, vive-se e luta-se por coisas banais desde que o homem abandonou as savanas africanas e povoou o planeta. Salvo o que se salva.

Há os que preferem ouvir profetas para orientar suas vidas, para dar o próximo passo, e há os que preferem ouvir os sábios para tomar suas próprias decisões. O que será mais relevante, ouvir profetas ou ouvir sábios? Ora, alguém dirá, ouvir estrelas, é lógico! As estrelas e os astros; saber da internação de uma estrela cantora careca para livrar-se de drogas é mais relevante do que entender que o país está irremediavelmente atrelado a sua condição de inferioridade econômica, cultural e científica por um processo de perpetuação da irrelevância e da banalização. A primeira Universidade brasileira foi fundada ainda ontem; a USP, em l920. A universidade particular prefere a graduação enquanto a universidade pública toma pra si um papel que não pode desempenhar; falta-lhe dinheiro. Falta uma política pública para sustentar a pesquisa, a produção cientifica de conhecimento relevante; faltam-lhe institutos e centros de busca e experimentação.

De nosso achamento em 1500 até a formação de uma estrutura econômica e social relevante, passaram-se 50 anos. Durante esse tempo não éramos nada relevantes para a Coroa portuguesa; nem para seus nobres nem para seus aventureiros saqueadores. Não digo que nossa origem seja responsável pelo que somos, por nossas mazelas, nem que esse seja nosso destino, menos ainda que isso exista. Porém estão no passado as causas dos efeitos de nosso presente. Se a história não prevê nem preconiza o futuro, conhecê-la nos facilita compreende-la para fazer correções; para realizar com acertos. Ou com novos erros, que seja.

Da condição de Colônia passamos a República com um Império sem raiz, sem nobreza genuína, sem história. E a República ainda hoje não é o que se esperava que fosse. Releva-se o que menos importa, o que é supérfluo, em detrimento do que nos daria feição, identidade. O que deveria ser permanente, relevante, é mutável. Onde deveriam ocorrer mudanças, alterações em razão de seu aprimoramento há a perpetuação dos vícios, das incorreções,das vantagens e benesses corporativas. Em nossas instituições republicanas os desvios de conduta de seus componentes são permitidos e induzidos a serem praticadas por sua própria formatação. Na Câmara dos Deputados, uma dessas instituições, os desvios de conduta são deformações permitidas porque ela está atrelada a um sistema eleitoral que, para seu funcionamento, estimula barganhas, troca de apoios e ocupação de espaços. Nesse sistema, quem quer que seja, qualquer cidadão, pode tornar-se Deputado Federal. Basta que escolha um partido político e a ele se filie. Depois, por sua conta, providencia recursos financeiros, cria um discurso – muitas vezes dissociado da doutrina do partido e da competência do mandato – e sai a pedir votos. Como a candidatura não é partidária, ele é o dono do mandato; portanto não há que ser fiel ao partido mas sim aos financiadores e aos interesses das minorias. Assim, o parlamentar tem que atender as reivindicações corporativas, fragmentando a vontade política nacional em minorias organizadas que, se elegem, também derrotam quem as contrariar. O que se busca então é o consenso daquilo que é irrelevante e a isso chamam democracia. Democracia, porém, não é e não pode jamais ser o regime do consenso. Democracia é o regime da maioria.

Espanta-se, momentaneamente, o público da mídia quando desvios de conduta ocorrem nos parlamentos da nação – municipais, estaduais e federal - todos constituídos e vinculados a uma mesma matriz de desagregação. Mas é irrelevante o desvio de conduta pois o mandato, como sendo cargo, é mais importante, e está acima das sanções e das punições, protegido que está, por barreiras legais, da ação da própria lei. Desvios de conduta são banalizados pois ser ético é irrelevante.

Desvios na condução da maioria das questões em quase todos os setores da sociedade tiram de foco o que é relevante e coisas iguais passam a ser explicadas por meios diferentes. Multiplicam-se hipóteses sem nenhuma necessidade e não se escolhe a explicação mais simples, que é a regra lógica da Navalha de Occan.

Vivemos num tempo onde se busca explicações sobrenaturais para o que não é fenômeno, em pleno século XXI. Rezam 170 milhões de brasileiros todos os dias em todas as igrejas, templos, terreiros, tabas, ilé axés. E quem não pode rezar, por algum motivo desconhecido, pede para que alguém o faça. Disque oração; faça logo seu pedido que sua reza será feita na hora. Deuses estão de plantão para entregar bênçãos em todo o Brasil gratuitamente, também por algum motivo desconhecido, já que isso é irrelevante. Cantemos o “vira do Senhor” ou o sambinha “Derrama Espírito Santo, derrama!” ou a marchinha “Bala perdida do Inferno” que tudo o mais ficará bem e bom. Allow us to be like that. Estamos apenas fingindo.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 28/03/2007
Código do texto: T429417
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