MADE IN BRAZIL COM MUITA COMPETÊNCIA

Tive meu primeiro contato com a televisão no final dos anos 1960 no auge da telenovela Antônio Maria, na rede tupi. Acredito que a mais longa produzida até aqueles dias. O horário na televisão não era tão rígido e, algumas vezes, compromissos eram adiados por conta do atraso na exibição da novela.

Ainda era menino e lembro-me da torcida das noveleiras de plantão que não raramente deixavam escapar um “bem feito pra ti, safado” ou outras interações mais calorosas. A televisão começava a se popularizar e a mostrar em preto e branco aquilo que antes apenas existia em filmes ou em radionovelas. A ingenuidade do público era bem maior (ou talvez seja apenas minha leitura de menino), tanto que as interrupções na hora de um grande suspense ainda eram vistas como uma fatalidade, não como uma programação dos marqueteiros. O público masculino disfarçava menos seu interesse pelas novelas.

A Rede Globo já produzia novelas, mas estava longe do profissionalismo que exibe nos dias de hoje. Os temas antigos, normalmente baseados em tramas amorosas foram cedendo lugar a temas mais variados sem perder o pano de fundo que continua sendo a trama amorosa. Contudo, assuntos políticos, progressos da ciência, temas policiais fazem parte do roteiro de quase todas as novelas que agradam ao público.

Embora tente representar a vida do brasileiro, a novela acaba influenciando no comportamento deste telespectador. Diálogos essencialmente femininos são representados por personagens masculinos e vice-versa. Discussões abertas entre patrões e subordinados, principalmente as protagonizadas por empregadas domésticas, fazem com que o hierarquicamente inferior sempre leve vantagem para a satisfação do público C e D.

Confesso que não sou fã dessas novelas porque a alteração na história acontece semanas depois do previsto. Assim, a última novela que assisti foi Roque Santeiro na década de 80 que mesclava política, sátira, protesto e humor. Depois, empolgado com a proposta da Terra Nostra assisti a alguns capítulos. Realmente, os temas sobre escravidão, correntes migratórias, choques culturais, diversidade da produção agrícola, má distribuição de terras, questões trabalhistas e outras abordados nos primeiros dias, que poderiam ser o centro e levar a reflexões maiores, acabaram sendo sufocadas pela trama de paixão, ciúme e traição além de outros lugares comuns que são os personagens centrais de qualquer novela seja urbana ou rural.

Apesar de todos os pesares e, considerando-se o peso da influência dos patrocinadores, o mundo noveleiro progrediu. O longo trajeto que foi percorrido pela teledramaturgia brasileira foi deixando frutos e reflexões no meio do caminho. A influência da novela é tão marcante que outros setores da arte se tornam nanicos perto dela. Se ela tem a capacidade de tomar o lugar de temas mais importantes, também serve para frear a vinda de enlatados americanos com suas piadas sem nexo e violência de fazer inveja aos morros cariocas, mas produzidas com grande esmero técnico. Os finais dos contos de fadas “e viveram felizes para sempre” há muito ficaram para trás.

Se o cinema brasileiro tivesse acompanhado os passos da televisão, o Brasil seria uma referência também no campo cinematográfico e estaria fazendo sombra à própria Hollywood.