O PREÇO DO TALENTO

Realmente, a maioria dos "concursos literários" é uma trampa pra amealhar lucros. Mexem com a autoestima, brios intimistas e a vaidade dos criadores, especialmente nos pretensos poetas. Por isso, é aconselhável que se tenha muito cuidado em aquilatar os pendores intelectuais de boa tradição (ou não) e da seriedade com que se portam os organizadores dos ditos concursos e "seleções de textos" para publicação em coletânea – que é a peça em que se faz a coleta de material literário inédito para editoração. Há poucos certames literários levados a efeito por ativistas efetivamente sérios e honestos com relação às exigências de qualidade estética. Isto normalmente não importa. A regra é: se tens dinheiro para pagar o custo por página, deposita o numerário e faz a remessa dos textos... Sabem os editores avulsos que o papel aceita tudo, não reclama quanto à qualidade... E o "investidor", sem disponibilidade financeira, encontra solução para a sua ânsia pessoal de ser publicado, através da revelação do talento dos midiáticos, os quais pagam a obra... No final do processo editorial, o organizador ganha alguns expressivos trocados e se vai tornando conhecido, num Brasil que lê pouco, mas que tem milhões de escribas/poetas que a cada texto criado, entendem e propalam que escreveram a sua mais recente "obra prima"... Esta é a regra usual: o criador desprovido de recursos, todavia, ousado e inteligente, arranja autores anônimos que acabam pagando as páginas do eventual talento do organizador. E logo o ousado investidor cria a sua editora utilizando o mesmo critério. Bem, há que se tentar ver por outra ótica com alguma benesse: o organizador apresenta ao público um estreante, portanto um anônimo, literariamente. Em verdade, publicar redunda em se expor à crítica do público e este proceder tem custo, especialmente na obra impressa, não tanto na divulgação eletrônica. E como vivemos um mundo globalizado e consumista, onde o que manda é o dinheiro, e, para ganhá-lo com a venda de suas futuras publicações e encontrar espaço na mídia impressa ou eletrônica, é preciso acreditar no talento próprio e pagar o preço que os ditos "investidores" agregam para que a criação pessoal se torne um produto capaz de vir ao mercado. Tenho uma orientação, de há muitos anos: só participo de concursos literários nos quais não há pagamento antecipado de taxa de inscrição em dinheiro, e que, de preferência, a premiação do certame seja a da edição gratuita da obra premiada em coletâneas com boa tiragem... Assim, fujo da mediocridade das costumeiras publicações que funcionam como arapucas aos que tentam alçar voo literariamente. Entendo que o futuro revelará quais os autores que ficarão na memória de seu povo por sua obra. No entanto, não é menos verdade que para ser visto é necessário estar bem apresentado. O livro é que nem uma roupa nova: tem que ter apresentação e qualidade capaz de provocar elogios. Tanto de quem vê o produto materialmente, como de quem o lê. Perdoem a franqueza com que abordo o assunto. Não gosto que os amigos autores, mesmo que estreantes, portanto com talento ainda não revelado, sejam empulhados por trambiqueiros. Por outro lado, em relação ao autor: quem quer coquinho tem que subir no coqueiro...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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