POIS É, FELIPE ATXA!

Comiseracine – os filmes que o brasileiro paga para não ver

por Felipe Atxa em 21 de março de 2007

Resumo: A única saída digna para resolver as distorções existentes no setor cinematográfico brasileiro seria cortar todo e qualquer subsídio a fundo perdido e criar linhas de crédito como as existentes para outros setores da economia. Quer produzir um filme? Use dinheiro do próprio bolso ou peça empréstimo como em qualquer outro negócio.

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O Cinema Brasileiro é, basicamente, um cinema de chorões. Os cineastas choram antes de fazer os filmes, reclamando que faltam incentivo público, verbas etc.; choram durante a realização, alegando que o orçamento é pequeno para suas pretensões artísticas; e, finalmente, choram com os filmes acabados, protestando contra o mercado dominado por Hollywood ou a insensibilidade da platéia a seu esforço.

Choram, a bem da verdade, de barriga cheia. Desde o advento das leis de incentivo, a produção cinematográfica brasileira foi contemplada com algo próximo a 1 bilhão de reais em incentivos diretos ou indiretos. O valor seria mais do que suficiente para criar e manter ativa uma indústria cinematográfica em um país africano de pequeno porte, por exemplo, priorizando-se infra-estrutura e formação e reciclagem de técnicos. No entanto, apesar de toda essa montanha de dinheiro, o Cinema Brasileiro continua, mais de uma década depois da chamada "retomada", absolutamente dependente das verbas públicas para sobreviver. Se alguém fechar a torneira, nosso cinema (melhor dizendo, o cinema "deles") volta à estaca zero, ao lugar de onde nunca conseguiu sair: é o quinto cinema do continente, atrás do norte-americano, do canadense, do mexicano e do argentino.

Mas esse disparate não é suficiente. Foi preciso que se criasse uma forma de incentivar as produções que não encontra par em qualquer outra parte do mundo: o apoio público aos filmes brasileiros é o único existente que não cobra dos realizadores qualquer demonstração de desempenho, seja ele em bilheteria ou repercussão, digamos, "cultural". Somente no Brasil é possível, por exemplo, se conseguir 5 milhões de dólares em verbas públicas, fracassar retumbantemente com o filme pronto e, imediatamente, já emendar outra produção, novamente com dinheiro público, tão ou mais cara que a anterior. Entre os jornalistas "especializados na área", ninguém escuta nada, ninguém diz nada. Diferentemente do que acontece na França ou na Espanha, por exemplo, onde o desempenho de um filme anterior é critério direto para obtenção de verbas para o próximo, no Brasil basta ter acesso a uma meia dúzia de contatos tradicionais para que se consiga capitalizar suas produções eternidade afora. Muita gente desconhece que, por bem ou por mal, é "sócia" desses filmes, embora só seja chamada a participar dos prejuízos. Para saber quanto cada produção aquinhoou em dinheiro público, bem debaixo de nossos narizes, basta acessar o site da Agência Nacional do Cinema. Clique em Espaço do Usuário e escolha Consulta de Projetos. A partir daí, basta digitar o nome de um filme brasileiro qualquer para descobrir quanto em dinheiro público foi aplicado na produção.

Uma pesquisa rápida permite descobrir, por exemplo, que a superprodução "Gaijin – Ama-me Como Sou" captou através do incentivo fiscal 4.107.177,03 para sua produção, mais 3.575.407,45 para seu lançamento e distribuição. Seu desempenho de bilheteria, contudo, foi pífio: pouco mais de 50 mil bilhetes vendidos. A respeito disso, a Folha de S.Paulo publicou em seu caderno Ilustrada de 29 de agosto de 2006:

"No mercado de cinema, é comum reinvestir a renda obtida na bilheteria em mais publicidade, com a meta de impulsionar o lucro do filme nas etapas seguintes - DVD e televisão. (...) A estratégia vale, é claro, para filmes que tenham feito sucesso nas salas de cinema, a primeira plataforma de lançamento. Não foi esta a experiência de "Gaijin - Ama-me Como Sou" (2005), de Tizuka Yamasaki, que obteve R$ 10 milhões e teve 52 mil espectadores. Yamasaki prepara as filmagens de "Amazônia Caruana", orçado em R$ 10,4 milhões”.

Como se vê, no Cinema Brasileiro, um fracasso impulsiona outro, visto que a capacidade de produção está relacionada apenas e diretamente com aquela de captar recursos junto, especialmente, às estatais e concessionárias de serviços públicos. Mas ele não vive apenas de fracassos épicos – há também aqueles, digamos, mais "intimistas". Quando uma produção como "Antonia", de pouco mais de 2 milhões de reais, dá com os burros nágua na bilheteria, a grita é geral: culpa do Stallone, da classe média, do preço dos ingressos. Ninguém pára para pensar que o filme talvez tenha fracassado simplesmente porque era ruim, ou ninguém queria vê-lo. Sobre isso, a mesma Folha de S. Paulo publicou em 12 de março de 2007:

"O filme de Tata Amaral estreou nos cinemas há pouco mais de um mês e alcançou, até o último dia 4, 75 mil espectadores. Número abaixo do necessário para cumprir a expectativa de um público de 500 mil pessoas na carreira do filme. "Não é o que a gente esperava", admite Tata. Bruno Wainer, da distribuidora Downtown Filmes, concorda: "Obviamente está muito aquém do que a gente achou que o filme renderia". "Antônia" era a menina-dos-olhos da Downtown para este ano. "A gente fez uma aposta ousada e, nesses casos, ou se ganha ou se perde", diz Wainer. E o que fez a estrela de "Antônia" não brilhar no cinema? "Superestimamos o filme", avalia Tata. O longa foi lançado com 125 cópias. No mesmo fim de semana, "Rocky Balboa" estreou com 160 cópias e, até o último dia 4, tinha sido visto por quase 247 mil espectadores”.

Nesse caso, a surra foi dada por um pugilista de respeito: de fato, não há termo de comparação entre o filme de Rocky (que é muito bom) e o filme brasileiro (que é muito ruim). Uma amostra do desleixo com que o filme foi apresentado ao público pode ser conferido assistindo-se a seu trailer. Como se sabe, o trailer é o maior cartão de visita de um filme, e é piada corrente nos meios cinematográficos de que o trailer costuma ser melhor que o filme inteiro. No caso de "Antonia", chegou-se ao cúmulo de incluir uma cena em que uma das atrizes (Sandra de Sá, que, aliás, não chega a ser exatamente uma atriz) "engasga" ao dar seu texto (minutagem 1:15 do trailer), numa clara demonstração de que culpar a classe média ou Sylvester Stallone pelas mazelas de nosso cinema é, definitivamente, não conseguir "enxergar" a raiz do problema.

Junte-se a tudo isso a insuportável repetição de temas já devidamente explorados no passado ou, diariamente, pela televisão aberta: vida nas "comunidades", repressão militar, corrupção policial, movimentos sociais, e toda sorte de manipulação estética de esquerda – um pacote completo oferecido por esses milionários filmes brasileiros, via de regra pagos por exatamente aqueles que não querem vê-los na frente: no caso, os contribuintes brasileiros. O fracasso é certo.

Um dos supostos argumentos favoráveis ao subsídio aos filmes brasileiros é aquele que leva em conta a audiência das produções nacionais exibidas na televisão aberta, que cai por terra, contudo, ao percebermos que a audiência de outros programas e filmes (jogos de futebol, reality shows, programas humorísticos, novelas medíocres) é ainda maior e mais constante. E não há qualquer movimento no sentido de subsidiar essas atrações com dinheiro público, da mesma forma como se faz com os filmes nacionais.

Hoje, a única saída digna para resolver as distorções existentes no setor cinematográfico seria cortar todo e qualquer subsídio a fundo perdido e criar linhas de crédito como as existentes para outros setores da economia. Quer produzir um filme? Use dinheiro do próprio bolso ou peça empréstimo como em qualquer outro negócio. Pague o empréstimo com a renda obtida com o próprio filme ou fique devendo. A transformação seria sentida imediatamente: muitos filmes ruins de hoje passariam, "magicamente", a custar um quarto do orçamento da noite para o dia; outros filmes ruins restantes deixariam simplesmente de ser feitos; e floresceriam filmes de melhor qualidade, feitos a partir de então se pensando em sua aceitação, nacional e internacional. E todos os brasileiros que pagam pelas produções, mas não as assistem, sentiriam diminuir o peso em suas costas, livrando-se de sustentar uma pequena casta de 100 ou 200 pessoas que, há quase 40 anos, vive de fazer filmes ruins com o dinheiro dos outros.

Fonte: Mídia Sem Máscara.