Dois textos sobre o envelhecimento: Um, recente, do médico neurocirurgião Rafael Holanda, e outro, escrito há 4.500 anos pelo filósofo e poeta egípcio Ptah-Hotep: Uma visão nada idílica
Dois textos sobre o envelhecimento: Um, recente, do médico neurocirurgião Rafael Holanda, e outro, escrito há 4.500 anos pelo filósofo e poeta egípcio Ptah-Hotep: Uma visão nada idílica
Há escritos sobre o envelhecimento que enfatizam os aspectos positivos deste, como a experiência e a sabedoria. Essa, grosso modo, é a visão da Civilização Oriental, uma tradição que começou com os ensinamentos dos filósofos chineses Lao-Tzy e Confúcio. Outros há, menos fantasiosos, ou realistas mesmo, que mostram o processo amargo do envelhecer. Aqui está, também grosso modo, a tradição da Civilização Ocidental. Ocorre que, tanto no Egito quanto na Grécia antigos, o esplendor da juventude, seu vigor e beleza, eram enaltecidos ao extremo. Afinal de contas, as proezas dos heróis (semideuses) mitológicos e dos atletas nas olimpíadas eram realizadas sempre por jovens atletas, lépidos, ágeis e fisicamente musculosos e elegantes. Basta olhar as esculturas e as pinturas dos gregos daquela época, para se depreender o quanto os artistas e a sociedade em geral valorizavam as qualidades joviais.
Em 1970, Simone de Beauvoir publicou Velhice (p. 114), que discorre sobre o envelhecimento e faz críticas contudentes sobre a forma como a sociedade trata os idosos. Nele, está o poema do filósofo Ptah-Hotep, o mais antigo texto encontrado que trata da velhice:
“Quão penoso é o fim do ancião! Vai dia a dia enfraquecendo: a visão baixa, seus ouvidos se tornam surdos, o nariz se obstruí e nada mais pode cheirar, a boca se torna silenciosa e já não fala. Suas faculdades intelectuais se reduzem e torna-se impossível recordar o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. A ocupação a que outrora se entregara com prazer, só a realiza agora com dificuldade e desaparece o sentido do gosto. A velhice é a pior desgraça que pode acontecer a um homem”.
Provavelmente, a sociedade egípcia há 4.500 anos tratasse as pessoas envelhecias com desprezo e preconceito, assim como o faz a sociedade brasileira ainda hoje.
Vejamos a opinião agora do médico Rafael Holanda, que entende bem as implicações neurológicas do processo de envelhecimento:
“Quando o tempo para
A vida apesar de suas contradições e percalços, não permite que tentemos desistir da caminhada, não impede que possamos sofrer as nossas quedas e nem que venha posteriormente as nossas dores.
O tempo impede que o relógio pare, não permite que possamos viver o ontem que nos fez tão feliz, mas de certa forma apenas faz com que as nossas lembranças sejam repetidas mesmo em sonhos...
... Com o passar do tempo, a nossa máquina já não produz a substância necessária para que possamos passar pela estrada da vida com ... velocidade...
O grande carro se perde por caminhos desencontrados. O farol já não tem a luminosidade suficiente para que possamos evidenciar as coisas que embelezavam a nossa retina.
Os trituradores que traçavam as mais duras carnes perderam a sua potência, a maioria dos senhores velocistas da degustação, ou se utiliza da corega como reforço da dentadura, ou opta pelo mingau do cotidiano.
O olfato perdeu a sua capacidade de executar a clara definição de um perfume, e como uns bons perdigueiros na juventude nos tornaram de fato um cão cheio de pulgas e com o nariz obstruído.
As mãos lépidas e fagueiras que permitiam com uma rapidez sem igual realizar as ações de cada dia. Começaram as destoar de sua beleza e os dedos entortaram, produzindo muitas das vezes verdadeiras deformidades.
As pernas já não são rápidas como antigamente, e não recebem de forma coordenadas as mensagens advindas de um cérebro que se perdeu no tempo e espaço, e ao invés de transmitir por sinapse, fala grego.
Tudo se torna um horizonte sem perspectivas, o zinco que reinava como o mais importante mineral, e deixava as mulheres loucas, se tornou o mais infame dos elementos, deixando o homem cabisbaixo em todos os sentidos.
O pior de tudo isto é que não podemos resolver problemas, em muitas das vezes dos casos, pois que usa nitrito ou nitrato se acha subjugadas as perturbações da vida, e sem condições de levar o seu orgulho.
Apesar destas distorções, que faz com que o homem venha entrar num verdadeiro caracol de esquecimento e continuar esquecendo o que esqueceu não nos permite o direito de desligar o carro.
O cérebro passa neste instante buscar no passado, momentos que nos foram felizes, coisas que nos alegraram ou deixaram tristes, pois a gaveta do presente já não se abre para comportar tantas emoções.
Devemos lembrar que apesar do tempo ser ingrato e nos levar pelo caminho da velhice, se faz necessário que tenhamos em mente enquanto vida, que o viúvo é o que morre, o que está sobre a terra, muitas vezes não deixa nem estourar o fel”.
Precisa-se de acrescentar mais alguma coisa? Para esses dois sábios, doutor Rafael Holanda e Pth-Hotep, o envelhecimento traz um variegada gama de tormentos, padeceres e amarguras, que bem poderia ser compreendida pelas autoridades e pela sociedade brasileira, para que a esses achaques naturais não lhes acrescentassem o isolamento, o desprezo e preconceito.