DEPILE-SE COM NAVALHA AFIADA

Dizem que quando o homem começa a escrever crônicas biográficas, ou está ficando louco ou preparando o terreno para a morrer! No meu caso acho que há uma pitada, sim, de loucura; mas quanto ao preparo do terreno para a morte, nisso eu não gasto nenhuma energia com este tipo de pensamento!

As balizas que entram na vida de um homem, quando tais aparas são os cálculos amorosos; são como bons e maus livros; os bons livros ficam em nossa memória; raramente conseguimos apagar até os pequenos detalhes. Já os livros que compramos pela dissimulação artística, em geral nos decepcionam. Quando isso ocorre, deixamos muitas vezes no prefácio; e os colocamos num canto qualquer de uma caixa; isso quando não doamos a biblioteca pública ou ao primeiro trouxa que se auto afirma intelectual...

Assim foram os romances que eu já vivi nestas estradas que distam meio século entre a concepção e a atualização! Quem acompanha meus escritos, seja como o Imperador ou mesmo alguns que sabem de meus pseudônimos, sabe bem que jamais fanfarreei de ser, ou de ter sido, um galanteador colecionador. Meus romances começaram tarde, se comparado com as ações atuais; mas na idade certa, se vistos como balizador da época em que fui adolescente!

Minha primeiro xodó, daquelas em que se vai até a porta de casa e depois pede-se a mãe para consentir a corte, eu já tinha 16 anos. Antes disso, eu dava selinhos em amiguinhas do colégio e pensava que estava namorando! A primeira namorada foi apaixonante; e eu lembro de muita coisa daquela moça meiga, engraçada, extrovertida e carinhosa. Não o suficiente para deixá-la numa galeria dos prazeres memoráveis. A menina era uma “gatinha” e fazia bem o tipo que eu sempre idealizei estar ao meu lado, mas éramos muito jovens e não ocorreu aquela explosão comum dos romances delicados.

Depois desta primeira namorada vieram algumas outras sem muita seriedade; até que pintou ela, o meu primeiro amor. Surgiu como paixão e foi tomando rumos de um amor correspondido que durou alguns anos. A vida havia me direcionado a uma estrada diferente, onde o sexo e o beijo se combinavam tanto que passamos a descobrir juntos mundos intermináveis e inesgotáveis do mais puro e romântico prazer. Estávamos na casa dos 20 e ainda não fazíamos planos para os 30. Vivíamos intensamente tudo que cada momento podia nos proporcionar e chegamos a pensar, mesmo que vagamente, numa vida comum a dois. Mas eis que chega o surpreendente trem do destino, carregado de metais lacônicos; vaidades e imperícias; que nos atropelou no meio do trajeto; e nos fez seguir caminhos opostos. Doeu bastante acordar do sonho e observar que o que eu escolhi era um pesadelo. Eu havia abandonado meu primeiro amor por minha primária vaidade; e aquilo não me fez bem; e me marcaria até hoje...

Entre traumatismos e vicissitudes eu segui esta tal de vida amorosa por um rastro suspeito, onde cada dormente parecia frágil demais para sustentar aqueles trilhos pesados com ares que só levavam ferrugem. Alguns caminhos adiante, eis que chega uma estação linda, exuberante e tépida. Um porto que convidou-me, sem ao menos sabermos direito do que se tratava, para mais um tórrido romance; uma novela apaixonada que fez do menino um homem, mas que não lhe trouxe os pilares corretos como esteio de minha história. Este foi meu segundo amor; um anjo avesso; que também chegou como as paixões poéticas, cheia de novidades e emoções nevrálgicas. Um afixo, dois alvitres, uma rescisão e um esquife. Foi tudo muito rápido, muito expresso; e ao final uma descoberta: não era um amor de verdade; era uma farsa onde dois lados queriam escapar de conceitos e juízos; mas havia ficado um rastro forte e conclusivo, que também me marcaria até hoje; e como marcou...

Depois de dois amores, sendo que um não podia ser considerado amor, o homem fica sorumbático. Alguns como eu, mergulham no submundo do prazer; e querer enfim se auto afirmar, esquecendo-se, talvez, daqueles trilhos e daqueles dormentes que escondiam cadafalsos. Mas o risco é sucumbido pela emoção!

No meu caso, antes da derrota, veio o terceiro amor; este verdadeiro, comprazente e, às vezes, macambúzio como todos os grandes amores. Eu estava num lugar qualquer e avistei, não uma pessoa qualquer; eu havia enxergado “a mulher”. – Imaginem uma amalgamação de encanto, jovem, madura, experiente, profissional, pensadora, intelectual, crítica e romântica? Ponha tudo isso numa centrífuga e o que restar de melhor era ela; uma mulher perfeita! Numa canção de Benito di Paula ele exclama: ah! Como eu amei! Com ela eu posso dizer a mesma coisa...

Vivemos momentos delicados de puro romance e planos; sabíamos combinar uma boa mesa de trabalho com uma boa pitada de intimidades; podíamos unir um pesado processo a um caloroso beijo na boca. Foi a primeira e única pessoa que eu já pude desfrutar de carinhos íntimos que tolerava meus vícios; e achava alguns deles excêntricos, mas poéticos; e isso é raro!

A vida era para mim um carrossel cheio de curvas, subidas e descidas; era a melhor hora de minha carreira, até então. Mas numa esquina do destino, bem longe dos trilhos suspeitos da vaidade, alguém havia esquecido um patíbulo num terreno sólido; e eu caí de cabeça; e fui esquecendo daquele presente e de todo meu passado recente. Troquei aquele amor pela desvelo de outra; alguém que precisava de mim como forma segura de se afirmar perante ela mesma. Uma relação à dois onde era mais importante para ela do que para mim. Mesmo sem poder ratificar o ato, coloquei aquele antigo e recente amor, no lugar de destaque em minha estante e não numa caixa esquecida e cheia de tralhas...

Todas as aventuras deste expedicionário romântico terminaram quando num dia de lamúria; um dia cinzento e amargo, surgiu aquela que ficaria comigo por mais tempo; alguém que precisava justamente das mesmas coisas que eu; mudar. Não teve poesias ou histórias de muito romantismo, mas nossa história se consolidou com muita responsabilidade e sem nenhum dolo. Apostamos na sorte e nossa fórmula deu certo. Um ato, um fruto e um livro que ainda precisa ser preenchido com letras desenhadas a dois e observadas por três!

De todas as pessoas que estiveram comigo em momentos de intimidade; e isso não se relaciona somente a sexo; alguns amores e uma verdade se estabilizaram como as coisas mais importantes de minha vida. Uma delas sem ser considerada como um amor; e outra que foi amor e foi apagada. Ádvena? Não! Habitual...

Cada uma destas pessoas contribuíram de certa forma, para isso que eu me considero ser hoje. Para alguns um pervertido, porque escrevo sobre sexo e invento histórias de um mundo pecaminoso, criado pela fé de alguns. Para outros, um sonoplasta que faz ecoar apenas os ruídos daquilo que todos ouvem, mas não admitem ouvir. Para a minoria, e é esta minoria que me atenua a culpa, apenas um homem travestido de escritor, que leva uma palavra de prazer a quem imagina, e pratica o prazer da forma que ele é; sem os retoques de um barco devaneador que navega sempre em águas agitadas!

Nos intervalos de meus amores, dos meus romances; eu sempre me diverti em templos de Baco com odaliscas que me fizeram bem. Estive em lugares onde o silêncio dos monges se rompe com os gemidos das intrépidas acrobatas do encanto. Sorri, chorei, estive livre e enclausurado num exílio de pura compaixão por mim mesmo; mas tudo isso só me proporcionou a experiência que poucos homens possui...

Prometi que jamais escreveria sobre sexo, primeiro porque não sei escrever; e ainda temo minhas imaginações; mas me traí; e daí? Depois prometi que ninguém saberia quem são aqueles pseudônimos, porque não quero ser visto em desordem a minha vida real; mais também, mais uma vez me traí; e hoje algumas honoríficas damas, leitoras e também escritoras; me mostraram outro rumo e outra concepção sobre aquilo que eu rotulo como “desordem a minha vida real”, sabem quem eu sou e se comunicam comigo através do homem e não do personagem.

A vida é assim, cheia de lapsos e estratagemas; da mesma forma que o amor e a aversão, o sorriso e o pranto; alguns amores são bons, outros não. Devemos extrair cada gota de pureza de cada um destes amores para que tenhamos no “hoje” a experiência necessária para podermos fazer felizes aqueles que estão ao nosso lado. O que passou, passou; e o que importa é o que “está”!

Não sei ao certo de quantas vezes dormi com alguém sem ter sentido qualquer prazer, de igual forma que delirei com algumas sem nem mesmo ter tido intimidade. O que determina se o homem é homem de fato é quando ele resolve fazer a barba com aparelho plástico e se corta até sangrar. Muitos do homens mais sensíveis que conheci depilam as faces com navalhas e não extraem uma só gota de sangue. Isso chama-se perícia, resignação, acuidade...

Nenhum homem precisa se mostrar um macho alpha para a fotografia social, muito menos dizer que amou mil mulheres para parecer o sultão. Todo homem tem que amar; e isso, por mais ínfimo que possa parecer, basta. Ame mil vezes a mesma mulher e se este amor for coesivo, você será mil vezes amado. Tem algo melhor? Retarde uma única vez suas emoções mais intrínsecas e faça quem o desfruta se sentir importante. Todo homem de verdade precisa dar um banho tépido com a aspereza de suas papilas em alguém que ame; e todas estas sensações lhe voltarão por recompensa.

Falar, escrever, muito menos fazer, amor não é pecaminoso, muito menos ousado; e menos ainda um tabu. Isso é o que está ocorrendo ao meu lado, no apartamento do vizinho; na sua casa e em todos os lugares do planeta. Entre estar no céu ou no inferno ou prefiro permanecer no purgatório, porque aqui, pelo menos aqui, não me expulsam, caso eu não pague o aluguel por falar aquilo que os pudicos querem!

Escrever sobre sexo ou sobre as coisas da vida é para mim uma válvula de escape; talvez para criar mundos alheios e personagens extravagantes onde qualquer um eu deixo entrar em meu mundo e fazer uso do “eu” que está travestido de personagem. Talvez eu consiga criar um mundo onde eu jamais eu tenha entrado e fazer dele o meu porto seguro para minhas solidões e meus devaneios; talvez eu esteja criando uma lápide onde eu consiga me enxergar morto, mesmo sabendo que estou mais vivo do que ontem! Ao certo eu não sei discernir; e pouco importa tentá-lo, porque o mais importante disso tudo é escrever e externar toda a minha rara capacidade de criar algo e/ou alguém ou de modificar a minha própria história.

Carlos Henrique Mascarenhas Pires é editor do Blog Crônicas do Imperador – www.irregular.com.br

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Enviado por CHaMP Brasil em 28/03/2013
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