APRENDEU A LER ATRÁS DAS GRADES

Carlos Antônio Mendonça é a prova viva de que o crime não compensa. Chegou a possuir quase uma dezena de casas, diversos carros e muito dinheiro, tudo fruto do tráfico de drogas. Hoje, possui uma bicicleta e mora de aluguel, com a esposa. Carlos Antônio Mendonça também é a prova viva de que é possível sair do fundo do poço, se recuperar e ser uma pessoa decente, após muitos anos no crime. Para quem dedicou 40 anos da vida ao tráfico, receptação de veículos roubados, assaltos e outros delitos, a vida, aos 54 anos, passou a fazer sentido.

Carlos vive um paradoxo: quando era um soldado do crime, vivia livre, tinha o direito de ir e vir, não estava confinado às grades de uma cadeia. Em Brasília, em São Paulo, na Bolívia e no Paraguai, sempre circulou sem ser pego. A primeira prisão aconteceu em 2000, na fronteira do Brasil com a Bolívia. Apenas 29 dias detido. Em 2006, foi preso no povoado de Jaranápolis e, após, segundo ele, ser torturado pelos policiais, ficou na cadeia de Pirenópolis. Foi recambiado para Goianésia. "O pior que era inocente do que me acusavam. Era um assalto e um estupro dos quais eu não tinha nada a ver. Minha ficha era suja por outras coisas, mas não neste caso em especial", conta.

As grades da prisão não conseguiram segurá-lo por muito tempo. Em 41 dias, ele liderou uma fuga e ganhou as ruas novamente. Pouco tempo depois foi preso em Goiânia. Guardado no CPP, em Aparecida de Goiânia, começou a mudar de vida. Ele conta que trocou um anel de São Jorge, que trazia em um dos dedos, por uma Bíblia. "O anel era uma espécie de amuleto para mim, era a proteção", disse. Bíblia na mão, mas com um impasse: não sabia ler.

Não largou mais o livro. Alguns amigos liam trechos para ele. O salmo 91 é o preferido. Sozinho, passou a se interessar pelas palavras. Juntava as letras e foi começando a ter algum sucesso na tarefa de desvendar o mundo da leitura.

Em 2008, a Justiça de Goianésia conseguiu sua transferência para o Centro de Inserção Social (CIS) local. De novo preso na cidade, não mais arquitetou planos mirabolantes para fugir. Usava o tempo livre para tentar aprender a ler: queria desvendar a Bíblia. Mesmo evangélico já fervoroso, Carlos não conseguia abandonar o vício do cigarro. "Foi custo para deixar de fumar", lembra.

Como o CIS dispõe de uma escola, Carlos resolveu frequentar as aulas. Com uma condição: se pudesse pregar um pouco para os colegas. Assim fazia: cantava algumas músicas religiosas e falava do amor de Deus para os outros detentos. Entre uma coisa e outra, aprendia a manipular as letras e as palavras e ia aprendendo o mistério da leitura.

UMA CHANCE PARA RECUPERAR A VIDA

Sua vida deu um salto dentro da cadeia quando o diretor da unidade, Márcio Moreira dos Reis, em maio de 2011, o convidou a trabalhar no corredor, ajudando a servir refeições e executar pequenas tarefas. "O Carlos foi o melhor trabalhador de corredor de que já tivemos aqui", considera o diretor, para quem Carlos é "educado, disciplinado e muito esforçado".

Enquanto fazia suas atividades, Carlos aproveitava para pregar a Bíblia, que já manejava bem, aos colegas. "Consegui evangelizar toda a cadeia. E surtiu resultado: 71 presos aceitaram a Jesus graças à minha pregação", conta, orgulhoso.

DE BANDIDO A ESCRITOR

Carlos tem uma grande história de vida. Conheceu o fundo do poço e resolveu seguir a luz no fim do túnel. Chegou a buscar mil quilos de maconha na Bolívia. Conhecia o caminho das pedras. Dominava como poucos a arte de camuflar um carro para guardar drogas. Sabia como iludir e subornar policiais. Foi do ramo.

"Comecei no crime, aos 8 anos de idade, em Brasília, furtando dinheiro de igrejas. As pessoas depositavam ao pé do santo e eu levava", lembra. Natural de Anápolis, ele, a mãe e as duas irmãs rumaram para a capital federal, após a morte do pai, caminhoneiro, em uma das estradas do Piauí. "Foi uma vida muito dura, morávamos em uma casa de papelão, que um dia chegou a pegar fogo", conta.

Enquanto sua mãe trabalhava em um restaurante para colocar comida em casa, Carlos dava os primeiros passos no mundo do crime. Sua escola foi a rua. Iniciou também no mundo do álcool. Fumava maconha e bebia pinga. Foi crescendo de conceito junto à bandidagem. Tinha talento para o que não prestava. Estrategista, passou a trabalhar para si, buscando droga na Bolívia e revendendo em Brasília. Fez relativo sucesso. Ganhou e gastou muito dinheiro. Teve 11 filhos com sete mulheres diferentes. Para algumas deixou casas. "Tive uma vida muito louca. Cheirei cocaína por 30 anos e bebi cachaça por 35", recorda.

Hoje, ele tem um conceito diferente do que é ser bem sucedido. "O crime é o reino de Satanás. Hoje, sou um homem feliz. Antes vivia solto, ia para onde queria, tinha dinheiro, mas não era livre, era escravo do mal. Hoje, cumpro pena, mas encontrei a verdadeira liberdade, que é viver limpo, sem prejudicar ninguém, falando do amor de Deus e ter Jesus no coração", filosofa Carlos, que desde agosto de 2012 está no regime semiaberto.

As agressões sofridas pelos policiais durante sua prisão em Jaranápolis deixaram marcas profundas: graças a elas não consegue trabalhar nem pegar qualquer peso. Tem um filho excepcional. Graças a aposentadoria do filho e de doações de amigos, coloca comida na mesa e paga o aluguel do barraco, onde mora com a mulher e o filho. "Sou um homem realizado", garante.

Essa história está prestes a virar livro. Há algum tempo, Carlos vem enchendo 16 cadernos com anotações minuciosas de suas peripécias criminosas e, principalmente, de sua regeneração. Um fato curioso é que, mesmo lendo fluentemente, Carlos não desenvolveu a habilidade de escrever. Ele dita e amigos copiam. Outros estão digitalizando o acervo, que já está em fase adiantada para virar livro. "É o livro da minha vida, da minha história, de como um homem pode estar perdido e ser encontrado por Deus", explica.

Carlos não tem condições de bancar a publicação. Para isso, apela para ajudas. "Preciso deste livro, será muito útil para muitas pessoas. Tenho certeza que ajudará muita gente a sair do buraco. É a prova de que é possível dar a volta por cima", argumenta o escritor, que espera que empresários e políticos locais possam lhe ajudar a realizar seu sonho.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 26/03/2013
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