Estágios da inteligência
Os estágios do desenvolvimento mental são quatro, segundo a teoria de Piaget:
1º: Estágio sensório-motor (de zero a dois anos)
A maneira pela qual o bebê conhece o mundo é sobretudo sensório-motora, ou seja, nesse estágio predomina o desenvolvimento das percepções sensoriais e dos movimentos.
– A inteligência do bebê evolui à medida que aprende a coordenar as sensações e os movimentos, mas não se pode ainda dizer que a criança pensa.
– Quanto à afetividade, na relação do bebê com as pessoas prevalece a indiferenciação, ou seja, a separação entre ele e o mundo não é percebida muito nitidamente. É como se ele fizesse parte de uma totalidade da qual não se distingue como sujeito individual. Podemos ver como o bebê descobre gradativamente o seu corpo quando, por volta dos três meses, o encontramos, fascinado, olhando a própria mão. O psicanalista francês Jacques Lacan refere-se à “expressão do espelho”, pela qual, por volta dos 18 meses, a criança reconhece a dualidade, descobrindo-se como um ser separado da mãe e de todo o restante.
– A vida do bebê é pré-moral e, portanto, nele predomina a anomia.
2º: Estágio intuitivo ou simbólico (dos 2 aos 7 anos)
Quando a lógica infantil realiza um salto começa o segundo momento, com a descoberta do símbolo e a aprendizagem da fala.
– A inteligência é intuitiva nesse estágio porque não se separa da experiência vivida, isto é, a criança não transpõe abstratamente o que foi vivenciado pela percepção. Por exemplo: mesmo sabendo ir até a casa da avó, a criança ainda é incapaz de representar o caminho com um conjunto de objetos tridimensionais que simbolizam casas, ruas, igrejas etc. Isso acontece porque suas lembranças motoras, e a representação implica a descentralização da experiência, ainda centrada no próprio corpo da criança quando ela caminha de fato à casa da avó.
Trata-se de uma forma de inteligência egocêntrica, entendida não como um defeito, mas decorrente da própria condição humana nesse estágio. Egocentrismo significa estar centrado m si mesmo: a criança é seu próprio ponto de referência; ela pensa, sente e age a partir de si mesma e não se pensa, sente coloca no lugar do outro.
– Afetivamente a criança é também egocêntrica, percebe o mundo girando em torno dela, exige atenção, não reparte brinquedos, quer a satisfação de todos os desejos; nas conversas, não interage propriamente, tem dificuldade de discutir e de ouvir o outro. Essa é a tendência natural humana, mas a pessoa influenciada pela família, pela mídia, amigos etc, pode ser estimulada para agir diferente.
– Não se pode dizer que exista introjeção das regras de convívio social de início, do ponto de vista moral, as quais a criança reluta em aceitar. É interessante observar como ela ainda não está pronta para os jogos com regras.
Após os três ou quatro anos, a criança começa propriamente a fase heteronômica, de aceitação da norma, tornando-se mais sociável. Mesmo quando desobedece, sabe que transgride as normas, e por isso tem receio de ser descoberta e sofrer punição. Embora a heteronomia seja típica do mundo infantil, ela persiste em muitos adultos, quando se submetem aos valores da tradição e obedecem passivamente aos costumes por conformismo ou por temos à reprovação da sociedade.
(capacidade de reversibilidade)
3º: Estágio das operações concretas (de 7 a 12 anos)
Representa o grande salto da ação às operações mentais concretas, o terceiro estágio é mais longo. Elas são concretas porque se baseiam diretamente nos objetos e não em hipóteses, habilidade quem será conquistada no estágio final.
– A lógica deixa de ser puramente intuitiva e passa a operatória. A criança interioriza a ação – o que não ocorria no exemplo da visita na casa da avó. Desse modo, aprende as operações matemáticas, percebe a relação lógica do sistema de parentesco, classifica, torna as intuições reversíveis.
A percepção é reversível quando a criança é capaz de operacioná-la. Por exemplo, se estamos frente a frente à criança e levantamos a mão direita, pedindo que faça o mesmo, se ela já for capaz de reversibilidade, levantará a mão direita, o que significa inverter mentalmente a nossa posição.
A operacionalização no terceiro estágio, porém, ainda é concreta, por depender de certa maneira das percepções intuitivas e, dessa forma, da experiência vivida. Mesmo assim, o pensamento já se organiza de modo mais coerente e permite construções lógicas mais aprimoradas. A força do egocentrismo diminui, porque o discurso lógico tende a ser mais objetivo, por estabelecer o confronto com a realidade e com os outros discursos, além de alicerçar-se em provas que se afastam das explicações mitológicas da fase anterior.
– Os progressos na sociabilidade são percebidos na formação de grupos, do ponto de vista afetivo: ou seja, as crianças apenas encontram-se lado a lado –, agora os laços expressam companheirismo ou antipatias. A nova organização é coesa sob a ação de líderes e em confronto com grupos antagônicos.
– Sob o aspecto moral afirma-se a heteronomia, com a introjeção nas normas da família e da sociedade. Nos jogos essa tendência revela-se na aceitação das regras: por exemplo, nos jogos de botão, bola de gude, damas, as normas são seguidas rigorosamente.
4º: Estágio das operações formais (a partir da adolescência)
O último estágio é o da adolescência, quando amadurecem as características da vida adulta.
– O pensamento lógico atinge o nível das operações formais e abstratas. Além de interiorizar a ação vivida, como ocorria na fase anterior das operações concretas, o adolescente é capaz de distanciar-se da experiência: é o amadurecimento do pensamento formal ou hipotético-dedutivo. A reflexão torna possível o pensamento matemático, científico e filosófico.
Exemplificando: as discussões entabuladas pelos jovens a respeito da família podem surgir das experiências pessoais, mas orientam-se para a generalização e a abstração da família como uma instituição. A teorização leva à crítica da própria vivência e à elaboração de projetos de mudança – o plano de vida. Os debates desenvolvem-se por meio da argumentação apoiada em conceitos. O processo de desprendimento da própria subjetividade é sinal de que o egocentrismo intelectual está em vias de ser superado.
– Afetivamente, a superação do egocentrismo realiza-se pela aprendizagem da cooperação e da reciprocidade. Os grupos do terceiro estágio, que se organizavam por outros baseados na discussão e no consenso.
– A capacidade de reflexão dá condições para o amadurecimento moral, pela organização autônoma das regras e pela livre deliberação. Enquanto no estágio anterior prevalece o respeito unilateral, fundado em uma moral de coação, heteronômica, ao entrar na vida adulta torna-se possível o exercício do respeito mútuo, não hierárquico, típico das relações autônomas.
A autonomia, porém, não nega a influência externa e outros determinados da conduta, mas destaca no indivíduo a capacidade de refletir sobre as limitações que lhe são impostas, a partir das quais reorienta a ação para superar os condicionamentos. Portanto, quando decide cumprir uma norma, o centro da decisão é ele mesmo, a sua própria consciência moral. Autonomia é autodeterminação.
Reflexão, discussão, reciprocidade, autonomia são termos que aqui se acham enlaçados. Refletir é desdobrar o pensamento, pensar duas vezes: ao refletirmos, trazemos o outro para dentro de nós, por isso, refletir é discutir interiormente. Essa atitude é possível porque de fato descobrimos o outro como um alter ego – um outro eu – exterior a nós, capaz de argumentação, que aprendemos a respeitar.
A discussão é a exteriorização da reflexão, do mesmo modo. Se nos dispusemos a discutir conforme o pressuposto de que não mudaremos de ideia, não haverá discussão, mas “diálogo de surdos”. Portanto, a discussão supõe reciprocidade: disponibilidade para ouvir o outro, mas também preservação de nossa individualidade e autonomia.