VÍDEO: TECNOLOGIA, LINGUAGEM OU AMBIENTE?

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

“Você deve ser a mudança que você deseja ver no mundo”.

Mahatma Gandhi

Dizer que se insere uma tecnologia quando se instala fisicamente o televisor e o gravador reprodutor de videocassete na escola seria reduzir um processo a um ato simbólico. Esse ato simbólico é representativo de um processo sem prazo de validade. Muito antes de se instalar fisicamente na escola, o vídeo, já produzia seus efeitos na sociedade, já que ele foi assumido como um dispositivo familiar agregado à televisão e quase tão popular como ela, gerando comportamentos semelhantes no modo de ser e de operar com a realidade. No entanto, para este trabalho, o vídeo é o centro da atenção, porque introduz um elemento novo: possibilita o controle do tempo de exibição. Podemos dizer que o vídeo é a tecnologia que coloca em nossas mãos algum controle sobre a televisão. Também trouxe para dentro de casa o cinema, de uma forma alterada, é claro, contribuindo, assim, para uma consolidação da cultura audiovisual. Ao possibilitar a produção própria, doméstica, tornou-se também um dispositivo de memória audiovisual da sociedade. Ao se instalar na escola, o vídeo vai dando continuidade ao processo de se instalar na vida das pessoas, e, como tecnologia, vai criando novas formas de relacionamentos consigo e com o mundo, dentro e fora da sala de aula, transformando-o e transformando-se, simultaneamente.

Por isso, nesta pesquisa, o vídeo é visto como tecnologia, sim, mas uma tecnologia que trás consigo uma linguagem que altera a comunicação pedagógica. Ele traz e produz uma bagagem cultural, interferindo em modos de ser e de fazer que são diferentes dos da escola, e, por isso, precisam ser negociados, adaptados, questionados, modificados, recriados, enfim, mediados por todos aqueles que fazem o dia-a-dia da sala de aula, em especial, docentes, discentes e pessoal técnico-administrativo, para incorporar-se ao currículo escolar.

O vídeo, ao se inserir no contexto de sala de aula, altera o equilíbrio das linguagens. O simples fato de ser predominantemente uma tecnologia de linguagem audiovisual já o torna estranho ao mundo da sala de aula, onde predominam as linguagens oral e escrita. Importa ressaltar aqui que a educação para essas linguagens vem sendo desenvolvida pelos meios de comunicação eletrônicos, principalmente a televisão.

A televisão no Brasil teve sua pré-estréia no dia 03 de abril de 1950 com a apresentação de Frei José Mojica, padre cantor mexicano. As imagens não passaram do saguão dos Diários Associados, onde havia alguns aparelhos de TV instalados. A inauguração foi em 18 de setembro de 1950, em São Paulo (SP), através da TV Tupi canal 3, a televisão teve seus primeiros anos marcados pela fase de aprendizagem, tanto técnica quanto artisticamente. Os recursos eram primários, com o equipamento mínimo suficiente para manter a estação no ar e a maior parte dos profissionais trabalhavam dentro dos conhecimentos que haviam adquirido no rádio, no cinema ou no teatro. Em suma, com poucas horas diárias de permanência no ar, em geral das 18:00h às 22:00h (horário nobre), a programação era bastante variada veiculando dramaturgia, musical, humorismo, jornalismo, programas infantis, esportes e variedades. Por que então o vídeo é diferente? Ele coloca em nossas mãos o controle do tempo da exibição. Como tecnologia, dá acesso ao processo de produção de mensagens audiovisuais, o que é radicalmente diferente do consumo de mensagens como as que o cinema e a televisão possibilitam, e, além disso, exige aprender a interagir com a linguagem audiovisual. Isso porque ela está associada mais ao afetivo do que ao racional, uma vez que: “Expressar-se audiovisualmente significaria, então, comunicar as intenções no mesmo instante em que as emoções são suscitadas” (FERRÉS, 1996b, p. 15).

Essa alteração nos processos de comunicação escolares pode alterar a forma de ver o mundo de uma forma mais analítica e racional para uma forma mais sintética e emocional. Na leitura, emocionamos-nos após um exercício duplamente codificado de ler sinais gráficos que interpretamos como fala e finalmente sintetizamos o todo, enquanto com as imagens apreendemos primeiro o geral para posteriormente prestar atenção ao particular. E até porque,

[...] a linguagem verbal é uma representação de experiência, enquanto que a imagem é uma representação concreta da experiência. Se o livro favorece o conhecer, a imagem favorece o reconhecer. Se o texto oral é especialmente indicado para explicar, o audiovisual é indicado para associar (FERRÉS, 1996a, p. 21).

Em vista disso, fica claro que a introdução de uma tecnologia nova que traz consigo uma linguagem não substitui outra, apenas altera a função e induz a readaptação. Os meios audiovisuais não substituem a leitura e a escrita, mas, em alguns campos, estão tirando sua primazia, cabendo ao educador e aos educandos descobrir e redescobrir onde cada linguagem pode ser mais adequada. Dessa forma, a linguagem audiovisual trazida pelo vídeo altera a ecologia das linguagens na sala de aula, enriquecendo a experiência educativa e suscitando novas interações e provocando desafios. Vimos algumas modalidades e funções que se multiplicam ao interagirem entre si, possibilitando formas híbridas praticamente ilimitadas. Ao possibilitar outras formas de comunicar, o vídeo amplia, também, as possibilidades de criar.

Por isso, integrar o vídeo à escola como tecnologia de apoio é uma forma de subjugá-lo à pedagogia dos conteúdos, não aproveitando suas possibilidades como elemento inovador da comunicação na escola. Como tecnologia na sala de aula, pode ser um elemento de inovação da linguagem e da comunicação pedagógica e/ou um recurso a serviço de uma pedagogia ultrapassada, interferindo, inclusive, nas próprias práticas curriculares. Ora em sua dinâmica e inovação, ora em sua prescrição e conservação.

Porém, o vídeo não se limita a ser uma tecnologia e/ou um portador de novas linguagens, ele é uma esfera de produção de significados, uma forma de vida na qual estamos inseridos em gênero, grau e número. Mais do que uma tecnologia e/ou uma nova linguagem, é outro ambiente que se insere no ambiente curricular. Ao pensarmos o vídeo como um elemento que participa na construção do que Sodré (2001, p. 24), chama de bios-mediático, reconhecemos uma forma de vida representada que se torna cada vez mais presente nos nossos dias: aquela oriunda dos meios de comunicação. É importante mencionar que,

Aristóteles fala de três bios, que é forma de vida. A forma de vida do conhecimento, a forma de vida da política e a forma de vida dos prazeres. A esses três bios, três bios que organizam a vida humana na cidade, a vida humana sociabilizada, eu me dei conta de que existe um quarto bios hoje, trazido pelo mercado, pelo capitalismo transnacional, que é o bios-virtual, ou bios-mediático. Isso significa uma outra esfera da existência, uma outra forma de vida (SODRÉ, 2001, p. 24).

Esta forma de viver, representada, onde a experiência é mediada pelas tecnologias de comunicação e informação, produz conhecimentos e uma forma de vida diferente. O conhecimento, a partir dessas experiências também será diferente porque é construído num ambiente diferente. O ambiente dos meios de comunicação proporciona experiências indiretas, simuladas que podem enriquecer os processos de ensino-aprendizagem formal e informal e/ou não.

O currículo escolar se constitui como um ambiente de interação em diferentes dimensões, a partir de diferentes esferas de influência onde docentes e discentes se apropriam também de determinadas linguagens, produzindo sentidos e modos de viver. Por sua vez, o vídeo traz para o currículo o seu ambiente, o da simulação o mundo do faz de conta, uma realidade de representação que procura sempre mais parecer à própria realidade, onde a separação entre a chamada vida real e o mundo das imagens e dos sons, “parece cada vez mais diluir-se, esfumaçar-se.” (FISCHER, 2001, p. 20).

Nesta perspectiva, a relação do vídeo com o currículo escolar se torna o nosso objeto de pesquisa não só por ser uma tecnologia nova que traz para a sala de aula linguagens diferentes, mas por pertencer a outro ambiente, produzindo outras formas de vida. Em função disso se apresentam algumas questões: Que práticas pedagógicas são produzidas a partir da possibilidade de utilizar as linguagens do vídeo em sala de aula e quais suas relações com o currículo escolar? Como docentes e discentes se apropriam dessas linguagens? Que desafios são colocados à escola pelo vídeo?

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 17/03/2013
Reeditado em 17/03/2013
Código do texto: T4193327
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