O filósofo e historiador escocês David Hume nasceu e faleceu em Edimburgo, respectivamente em 7 de maio de 1711 e 25 de agosto de 1776.

De 1734 a 1737 viveu na França, onde pretendeu recuperar-se de esgotamento mental: em 1734 concluiu o seu Tratado sobre a natureza: Ensaio para introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais – cuja escrita iniciou pouco depois de 1731. A primeira parte do Tratado expõe as suas investigações sobre a inteligência: em 1748 esta primeira parte ganha independência na obra Investigação sobre a inteligência humana; a segunda e a terceira partes discorrem sobre paixões e vontade: posteriormente, ganham independência na obra Investigação sobre os princípios de moral.

Em 1763 tornou-se secretário de embaixada em Paris, aí permanecendo até 1766; em 1767 e 1768 foi subsecretário do Ministério de Estado, em Edimburgo.

Na classificação das concepções filosóficas de mundo, efetuada por Wilhelm Guillermo Dilthey, D. Hume integra os vários (e não confluentes) representantes do Naturalismo.

Todos os que integram a concepção de mundo naturalista tem as seguintes características gerais, discriminadas por Dilthey (2003), e muito embora não formem um todo coeso de concepções ao longo dos séculos:
- conhecimento causalista
- Gnoseologia: fato dominante = sensualismo.
- Metafísica: dirigida pelo materialismo; ao permanecer nos limites da experiência refutando a metafísica, adota a forma de Positivismo.
- Conhecimento da natureza precede o estudo do Homem.
- Auxiliado pela matemática e pelo experimento, investiga o mundo físico e descobre leis regedoras do cosmos.
- A matéria é realidade absoluta. Se a matéria é substância última do real torna-se materialismo; se a matéria possui apenas caráter fenomenal é positivismo.
- Mundo: é totalidade causalmente determinada na qual descartam-se conceitos de liberdade, de valor, de fim.
- O espiritual é explicado pelo físico e a ele se subordina.
- O Homem por suas paixões é escravo da natureza e adquire consciência de sua situação pela força do pensamento.
 
O Materialismo e o Positivismo são desenvolvimentos (= diferenciação e aperfeiçoamento) do Naturalismo, desde Demócrito de Abdera.

 Hume tem o mérito de ser o primeiro a realizar uma história natural de um dos aspectos do Homem: para essa realização centra-se na história da religião. Tal intento encontra-se nas suas obras História natural da religião e em Diálogos sobre a religião natural.

O sistema de pensamento de Hume tem no Sensualismo o seu espírito interno, lembrando-se que a primeira teoria do Sensualismo foi criada por Protágoras.

A doutrina filosófica do Sensualismo significa “redução do processo de conhecimento ou de suas operações à experiência sensível exterior e das determinações de valor e fins ao critério de valor contido no prazer e dor sensíveis.” (Dilthey, 1954, 132-3) Ainda na mesma referência, Dilthey esclarece: “O sensualista não nega o fato da experiência interna nem tampouco [o fato] da conexão mental do dado, mas encontra na ordem física a base de todo conhecimento da conexão legal do real, e as propriedades do pensamento convertem-se, de uma maneira óbvia ou por meio de uma teoria, numa parte da experiência sensível.”

Sobre a doutrina sensualista de Protágoras, posteriormente criou-se o fundamento mecanicista do naturalismo.

Em suas diversas (e nem sempre convergentes) expressões, os principais expoentes da Filosofia Francesa do Sensualismo são Étienne Bonnot de Condillac, Pierre Jean Louis Cabanis, Antoine Louis Claude Destrutt de Tracy, Constantin François de Chassebœuf (conde de Volney), François-Joseph-Victor Broussais, Franz Joseph Gall.

Hume aproveita os esclarecimentos teóricos do inglês John Locke e a “agudeza crítica” do irlandês George Berkeley, tanto superando um quanto opondo-se ao outro. Em sua genialidade, Hume integra frieza e ascetismo às concepções teológicas e místicas.

A concepção básica do Empirismo de Locke defende: o pensamento humano nada cria, apenas relaciona materiais dados na percepção externa e interna. A esta concepção de Locke, Hume acrescenta: para que um conceito tenha sentido, o pensamento humano representa ou simboliza o que foi dado pelas percepções externa e interna; ou seja, ideias, palavras ou conceitos são cópias daquelas percepções. E tais percepções externa e interna são a única e realmente Realidade psíquica e corporal, ou antes, psicocorpórea.

Para Hume, uma percepção (gerada pelos sentidos humanos) dimensiona-se na mente como impressões (mais fortes e vivazes) e ideias (imagens enfraquecidas daquelas impressões). O pensar e o raciocinar procede dessas imagens fracas das impressões decorrentes das percepções (interna ou externa).

Aos conceitos de Berkeley sobre o mero nome coletivo de “coisa”, após a sua destruição do conceito de substância, Hume acrescenta que o Eu, a substância psíquica, a alma, não são mais que a soma das vivências geradas pelas percepções externa e interna.

Quanto a doutrina conceitual de causa e efeito, aplicado sobre tudo e inclusive com relação às conexões psíquicas internas, Hume declara: causa e efeito nada mais são do que uma sucessão temporal de um antes e um depois, sobre a qual nenhuma indução poderá ser logicamente fundada. O único fundamento possível é o psicológico: causa é uma necessidade psicológica, um costume, um instinto e não um fundamento ou algo derivado do conhecimento da lógica.

Para Hume a falta de fundamento lógico não significa maior ou menor segurança com relação à lógica e à razão; ao contrário, o fundamento da ciência é o instinto e o costume. As armas de Hume dirigem-se contra as concepções da Lógica e da Metafísica erguidas sobre supostos fundamentos da razão.

Causa e efeito são um dos três princípios gerais de Hume para a associação de ideias (expressão utilizada por Locke para opor-se à concepção de ideias inatas): os dois outros são a semelhança (gerada por experiências perceptivas prévias ou pela imaginação = capacidade de gerar imagens) e a contiguidade (ou, seja, analogia, similar à semelhança).

Em respeito ao próprio Hume, a sua filosofia foi por ele mesmo batizada com o nome de Ceticismo. E, nesse sentido, não se pode confundir o Ceticismo de Hume com os vários outros tipos de Ceticismo, quais o Ceticismo Clássico, o de Blaise Pascal, o de Rene Descartes.

(A denominada Psicologia Genética de Jean Piaget, a doutrina da Religião Natural são, em grande medida, derivadas do Ceticismo de D. Hume: para ele, religião é o resultado dos sentimentos de medo e de esperança dos povos perante forças incontroláveis da natureza; religião não tem fundamentos de razão).

Os opositores (totais ou parciais) do Ceticismo de Hume procederam da própria Escócia: apoiada na Filosofia Romana, a Escola Escocesa foi erguida para opor-se tanto às concepções de John Locke quanto às de D. Hume. Entre os expoentes da Escola Escocesa estão Francis Hutcheson, Joseph Buttler, Henry Home, Tomás Reid e seu principal discípulo Dugald Stewart, William Hamilton, Royer Collard, Theodore Simon Jouffroy, Tomás Brow, Edmund Burke, Adam Ferguson, James Beattie, James Mackintosh.
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O maior divisor de águas das concepções de Hume (algumas delas desenvolvidas, ou seja, diferenciadas e aperfeiçoadas das concepções de Locke e de Berkeley) é a superação da Metafísica pelo estudo do Homem fundado na experiência: além de propor uma nova Teoria do Conhecimento, fundada na experiência (e não no experimento), Hume coloca na experiência interna todo o fundamento do que até então denominava-se Filosofia. Nesse itinerário, Hume funda a concepção de Filosofia como ciência da experiência interna, ciência da experiência íntima ou ciência do espírito. A Filosofia de Hume é uma Nova Psicologia.

A proposição básica de Hume é que sensação e intuição são a base da moral e tanto a moral quanto a cognição constituem a aisthesis (na qual, de acordo com a concepção grega, estão toda percepção e toda sensação humanas): essa concepção de aisthesis (estética) é corpórea, procede do corpo. (EAGLETON, 1993, p.39)

E muitas outras consequências afirmativas (e políticas) são colocadas por Hume. Entre eles, estão alguns dos destacados por Eagleton (1993, 30-42):
-razão provável é uma espécie de sentimento;
-crença é concepção mais vivida e intensa de uma ideia;
-argumentação resulta de efeitos de hábitos;
-hábitos são o guia da vida humana e esta é a frágil base da coesão, do consenso social;
-causalidade é impulso condicionado pelo desejo da imaginação;
-identidade contínua é qualidade por nós atribuída às coisas, ou seja, é um vínculo sentido mais que um vínculo percebido;
-imaginação procede da experiência e do hábito; ela é o juiz último de todas as concepções e sistemas filosóficos;
-tem-se princípios imaginativos permanentes, irresistíveis, universais e princípios imaginativos mutáveis, fracos, irregulares;
-da imaginação ou da intensidade de nossas ideias procedem a memória, os sentidos, o conhecimento, o entendimento;
-imaginação é o fundamento frágil e instável da sociedade civil e a falta de imaginação é a base para o estado político;
- conhecimento, entendimento deve proceder das formas ou das propriedades mais gerais e mais fundamentadas da imaginação e é a própria imaginação o freio e o juiz para que o entendimento não caia no próprio abismo céptico de suas incertezas: a imaginação tornando-se hábito canaliza algumas  concepções e objetos fazendo conexão com as impressões presentes e peculiares, impedindo o autocídio da razão.
- se o mais próximo e o mais seguro é o sentimento (e não a razão) e se o culto à razão leva às cognições autocidas do cepticismo, as únicas opções humanas estão entre uma razão falsa e nenhuma razão. Este dilema não tem solução; aliás, a sua solução pode ser esquecê-lo e isto porque raciocínio e reflexões refinadas tem pouca ou nenhuma influência sobre a vida individual e coletiva. Hume aponta uma solução: cultivar cuidadosamente uma falsa consciência (conhecimento, entendimento) e é por isso que todos os homens se tornam indiferentes às dúvidas ontológicas, abandonam tais questões e vão se divertir, passear, fazer e criar filhos.

Para o filósofo escocês Norman Kemp Smith (1872-1958) a influência marcante das concepções de D. Hume procede de Francis Hutcheson.

O engano de Hume pode ser no campo metodológico: impor sua Filosofia e Nova Psicologia ou ciência da natureza humana (Filosofia Moral) aos preconceitos dos métodos experimentais das ciências naturais, embora nisso esteja coerente com a sua concepção naturalista de mundo.

Finalmente, ainda está vigente no século XXI a parcialidade e a ignorância arrogante de muitas (e grandiosas) autoridades das Universidades: consolem-se ao relembrar que D. Hume foi recusado como professor tanto na Universidade de Edimburgo, em 1745, quanto na Universidade de Glasgow, em 1751.
 
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REFERÊNCIAS
        
Aster, Ernst von. Historia de la Filosofia. 2. ed. Barcelona: Labor. 1945

Dilthey, Wilhelm. Teoria de la concepcion del mundo. 2. ed. em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1954

Dulthey, Wilhelm. Historia de la Filosofia. 2. ed. 9 ed. reimpr. México: Fondo de Cultura Económica. 1996

Dilthey, Wilhelm. La esencia de la Filosofia. Buenos Aires: Losada. 2003

Egleaton, Terry. A Ideologia da Estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1993

Hume, David. The Letters of David Hume. Volumes I e II. Oxford: Clarendon. 1932
_______. Tratado da natureza humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2002
_______. Ensaios morais, políticos e literários. Tradução de João Paulo Monteiro, Sara Albieri e Pedro Galvão. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda. 2002