A reencarnação
Como é de conhecimento, a pluralidade das existências, ou reencarnação, é princípio básico da Doutrina Espírita. Em linhas gerais significa autêntica escola, oportunidade de aprendizado, pois que a multiplicidade das experiências em corpos carnais – em diferentes mundos, países, condições sociais, sexos, culturas, profissões, atividades a que podemos nos entregar e circunstâncias localizadas – propiciam o aprendizado necessário à evolução, que levará à sabedoria e às virtudes.
A Codificação Espírita é muito clara na questão. Em O Livro dos Espíritos, o Codificador Allan Kardec, dedicou os capítulos IV – Pluralidade das Existências e V – Considerações sobre a Pluralidade das Existências, especificamente para tratar do assunto – em mais de 50 questões –, sem prejuízo, é óbvio, das abordagens em outros capítulos e em outras obras.
O incorreto entendimento deste princípio fundamental tem gerado confusões do tipo “nascemos para sofrer”, “a reencarnação existe para pagar dívidas” ou “você poderá renascer como um animal”, todos conceitos equivocados e incoerentes com os ensinos do Espiritismo, cuja real compreensão deve ser adquirida no estudo constante e atento de seus fundamentos.
Interessante é tomar conhecimento de que a fundamentação básica da reencarnação baseia-se na Justiça Divina (conforme questão 171 da obra acima citada), uma vez que seu mecanismo oferece igualdade de oportunidades para todos, sendo que as condições em que ocorrem sempre são frutos dos méritos, deméritos e necessidades de cada reencarnante. Na verdade, não há o que reclamar, pois somos os reais construtores das condições que propiciamos a nós mesmos.
Vencer as próprias limitações, pois, é o desafio maior de cada oportunidade reencarnatória, entendendo-se, é óbvio, a extensão da expressão limitações, nesta frase. Nelas se incluem a necessidade do aprimoramento intelecto-moral, o resgate de equívocos anteriores e também as condições físicas – do planeta e do corpo que habitamos (aqui também considerados os aspectos familiares, sociais, etc). Como se pode perceber, trata-se de um processo longo, difícil e muitas vezes penoso, ou suave – a depender da direção que possamos imprimir –, mas com diferencial muito sábio: o mérito e a experiência que adquirimos. Diferencial que nos alçará para planos de mais elevação, continuamente.
Os que não aceitam a reencarnação, normalmente, usam o detalhe do “esquecimento do passado” para justificarem a negação que oferecem. Ocorre que tal esquecimento constitui verdadeira bênção de recomeço em cada existência, para que traumas, equívocos, complexos e relacionamentos difíceis possam ser equacionados com a nova oportunidade que surge como se fosse nova, possibilitando reconstruir o que outrora foi destruído, desprezado ou mal direcionado.
Em Obras Póstumas (textos de Kardec publicados após sua desencarnação), obra publicada em 1890, no capítulo As cinco alternativas da humanidade, Allan Kardec apresenta os fundamentos das Doutrinas materialista, panteísta, deísta, dogmática e espírita, para discorrer com sabedoria sobre a lógica das vidas sucessivas como mecanismo de justiça e sabedoria. O estudo do citado capítulo muito acrescenta ao entendimento da questão reencarnacionista, para o qual sugerimos consulta integral. Igualmente o clássico da literatura espírita, A Reencarnação, de Gabriel Dellane (edição da Federação Espírita Brasileira), oferece substancioso material para estudos e reflexões.
Tudo se resume na análise das desigualdades (que são morais, intelectuais, emocionais, etc.), do esquecimento do passado, nos casos de recordações de experiências anteriores, nas crianças-prodígio, entre outros temas, explicáveis tão-somente pela multiplicidade das existências.
Na Revista Espírita*, exemplar de outubro de 1860, Kardec publicou mensagem de autoria do Espírito Zénon, com o mesmo título que utilizamos na presente abordagem. Transcrevemos parcialmente:
“Há, na doutrina da reencarnação, uma economia moral que não escapa à tua inteligência. Só a corporeidade sendo compatível com os atos de virtude, e estes atos sendo necessários ao adiantamento do Espírito, este deve raramente encontrar, numa só existência, as circunstâncias necessárias à sua melhoria acima da Humanidade. Estando admitido que a justiça de Deus não pode se misturar com as penas eternas, a razão deve concluir pela necessidade: 1a - de um período de tempo durante o qual o Espírito examina o seu passado, e forma as suas resoluções para o futuro; 2a - de uma existência nova em harmonia com o adiantamento desse Espírito. Não falo de suplícios, algumas vezes terríveis, aos quais são condenados certos Espíritos durante o período da erraticidade; eles respondem de uma parte pela enormidade da falta, de outra pela justiça de Deus. Isto é dito bastante para dispensar e dar detalhes que encontrará, aliás, no estudo das evocações. Retornando às reencarnações, delas compreenderás a necessidade por uma comparação vulgar, mas impressionante de verdade. Depois de um ano de estudos, que ocorre ao jovem colegial? Se progredir, passa para uma classe superior; se permaneceu imóvel na sua ignorância, ele recomeça a sua classe. Vai mais longe; supõe faltas graves: ele é expulso; pode errar de colégio em colégio; pode ser expulso da Universidade, e pode ir da casa de educação para a casa de correção. Tal é a imagem fiel da sorte dos Espíritos, e nada satisfaz mais completamente a razão. Quer se escavar mais profundamente a doutrina? Ver-se-á o quanto, nestas idéias, a justiça de Deus parece mais perfeita e mais conforme às grandes verdades que dominam a nossa inteligência. No conjunto, como nos detalhes, há alguma coisa de tão surpreendente que o Espírito nelas iniciado pela primeira vez está como iluminado. E as censuras murmuradas contra a Providência, e as maldições contra a dor, e o escândalo do vício feliz em face da virtude que sofre, e a morte prematura da criança; e, numa mesma família, encantadoras qualidades dando, por assim dizer, a mão a uma perversidade precoce; e as enfermidades que datam do berço; e a diversidade infinita dos destinos, seja entre os indivíduos, seja entre os povos, problemas não resolvidos até este dia, enigmas que fizeram duvidar da bondade e quase da existência de Deus, tudo isso se explica ao mesmo tempo. Um puro raio de luz se estende sobre o horizonte da filosofia nova, e no seu quadro imenso, se agrupam harmoniosamente todas as condições da existência humana. As dificuldades se nivelam, os problemas se resolvem, e os mistérios impenetráveis até este dia se resumem e se explicam nesta única palavra: reencarnação. (...) O que é a vida humana? O tempo durante o qual o Espírito permanece unido a um corpo. Os filósofos cristãos, no dia marcado por Deus, não terão nenhuma dificuldade de dizer que a vida é múltipla. Isso não acrescenta e nem muda nada em vossos deveres. A moral cristã permanece de pé, e a lembrança da Missão de Jesus plana sempre sobre a Humanidade. A religião nada tem a temer desse ensinamento, e não está longe o dia em que os seus ministros abrirão os olhos à luz; reconhecerão, enfim, na revelação nova, os recursos que, do fundo das suas basílicas, eles imploram do céu. Crêem que a sociedade vai perecer; ela vai ser salva. (...)”
Estude-se a mensagem ponto a ponto, reflita-se sobre seu conteúdo e uma vez mais a lógica desse princípio basilar do Espiritismo: a pluralidade das existências. Como Lei Divina a conduzir os caminhos da evolução.
*edição IDE, tradução de Salvador Gentile