Legado: Alexandre, Jesus, Hitler
Irmãos, pais com filhos, marido e mulher, netos e avós, amigos , colegas, anônimos, povo, chefes de estado e de religião. Conflitos. Não, isso jamais aconteceria num mundo escrito por Amélie Poulain. A escolha de uma palavra, desconhecida pela maioria das pessoas, um significado, conhecido por todos e uma experiência, impossível desde os tempos mais remotos.
O que seria de Cristo se antes da sua chegada reinasse a paz? O que seria de Alexandre se todos os povos fossem somente habitantes de um mesmo planeta? Quem seria Adolf Hitler se o brilho dos olhos fosse mais importante que a cor da pele? Saberíamos discorrer sobre o Darwinismo social? Talvez o Prêmio nobel da paz não existisse, e Mandela assim como Gandhi seriam meros desconhecidos.
Certamente Cristo não seria O Salvador, não seria crucificado, morto nem sepultado, porém subiria aos céus e não julgaria vivos ou mortos. Um menino Jesus, que foi amado por seus pais e aprendeu a amar, casou, teve filhos, cuidou de todos, curou alguns, morreu.
Ninguém receberia o título de O Grande, nem mesmo Alexandre. As terras não teriam sido conquistadas, pois nada havia para conquistar, ninguém discordaria da fé, nem tão pouco da esperança e todo o interesse da humanidade estaria na caridade.
Um dos homens mais temidos do mundo jamais proferiria que “O homem que não tem sentido na história, é um homem que não tem ouvidos nem olhos”, pois Adolf Hitler não estaria em nenhuma linha do mais completo livro de historia. Livro que talvez nem existisse visto que seus maiores capítulos descrevem as reviravoltas do tempo devido os conflitos travados. Não, a historia não seria banida, nem tão pouca os historiadores, pois as pessoas acreditariam que uma historia sem derramamento de sangue também faz parte da nossa existência.
Como nosso pensamento, ponto de vista, é construído pelos muitos conceitos e opiniões que absorvemos durante nossa vida, possivelmente Richard Hofstadter nunca teria concluído o Darwinismo Social, teoria que define a superioridade humana como um status ligado ao poder aquisitivo, raça ou características físicas da moda.
Da mesmo forma que não premiamos as pessoas que não matam, não roubam ou não estupram, não iriamos premiar os que pregariam a paz.
Altruísmo, palavra motivadora da protagonista do filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain”, é desconhecida por grande parte das pessoas, no entanto, seu significado é apresentado a todos nos primeiros anos de escola. Pensar no próximo, realizar ações pessoais sem atrapalhar os planos de conhecidos e desconhecidos e até mesmo ajudar esses próximos e anônimos que nos rodeiam, a atingirem os seus objetivos. Amélie nos mostra que simples ações, como a de devolver objetos aparentemente sem valor, aos seus donos, causam uma explosão de felicidade e satisfação nos dois lados da história.
Então, se esses sentimentos e atitudes são tão bons, porque o mundo não é movido por eles? Eu jamais saberia responder a essa pergunta, porém através de Brás Cubas, o grande escritor brasileiro Machado de Assis solucionou esse problema quando disse: “...e fui descalçar as botas, que estavam apertadas. Uma vez aliviado, respirei à larga, e deitei-me a fio comprido, enquanto os pés, e todo eu atrás deles, entrávamos numa relativa bem-aventurança. Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da Terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata, ao sabor dos sapateiros e de Epicuro.” Dessa forma, Machado nos mostra que para atingirmos a felicidade, assim como a paz, precisamos primeiramente conhecermos a dor e o sofrimento, ao contrário, esses sentimentos tão bons não seriam percebidos ou sequer conhecidos.
Desse modo, percebemos que o planeta necessita ser feito de pessoas boas como Jesus e ruins como Hitler, visto que cada um deixa o seu legado para as próximas gerações. Pensando bem, a afirmativa do primeiro paragrafo que demonstra um mundo perfeito escrito por Amelie não é verdadeira, pois ela não existiria em um planeta onde ninguém poderia ser ajudado. Quando O Salvador veio a Terra espalhou a esperança de um mundo melhor e deixou a certeza para muitos de que existe uma força muito maior que a dos homens em algum lugar. Já O Grande, mostrou o poder da liderança quando realizou suas inúmeras conquistas, assim como mostrou o fracasso da ambição na queda do Império Romano. Hitler despertou em muitos o sentimento de que a cor da pele, a religião ou a nacionalidade não nos faz diferentes, e fez com que essas pessoas como Mandela e Gandhi tenham a certeza de que lutar por um mundo melhor e mais igual vale muito a pena.