A SOLIDÃO DOS ESQUECIDOS

Nada mexe mais com o ego de um político do que a possibilidade de ser lembrado, de ser eternizado. Nada assusta mais um político do que o ostracismo, os porões do esquecimento. A roda-viva da política continua girando e fez surgir em janeiro de 2013 milhares de ex-prefeitos.

Todo prefeito, quando apeado do poder, deveria ter direito a pelo menos dez sessões de análise. Talvez horas de divã fossem úteis para dimensionar o novo mundo que é destinado ao ex. É uma espécie de exílio em sua própria terra. Alguns marcham para o exílio em outros rincões.

A vida, antes um paraíso, volta ao tédio da normalidade. Retornar ao comum, ser um cidadão à paisana é doloroso para alguns. Quando prefeito, o sujeito era paparicado, convidado para bailes de formatura, apadrinhar casamentos de estranhos, jantares beneficentes, festa de debutantes.

A vida fora da corte é dura. Na corte há um séquito a acompanhar, a rir das piadas, a desejar saúde a cada espirro, a preparar café. Há quem dobra e grampeia o jornal antes de chegar às mãos oficiais. Há quem atende o celular e dá desculpas convincentes sobre reuniões imaginárias. Há um chofer que, de modo incrível, conhece todos os endereços existentes e a serem inventados em Goiânia e Brasília.

A vida na corte é facilitada. O telefone não pára de tocar. Pessoas importantes ligam e bajulam. A opinião do prefeito tem poder de veto sobre assuntos como literatura, teologia, engenharia hidráulica e física quântica.

Mas o tempo é implacável. Segue seu curso e impõe o corte. Após quatro anos, a torneira seca. O pasto, antes de vacas gordas, é revestido por couro e osso. O telefone, antes frenético, conhece o ócio. As viagens a Brasília e a Goiânia cessam. Os encontros com deputados, ministros e assessores importantes são resumidos a fotografias. Os convites para eventos desaparecerem. A relevância da opinião do prefeito sobre os mais banais assuntos evapora, como por mágica. A enorme comitiva não lhe permitia ver a própria sombra. Hoje, vê e se deprime com a própria sombra, opaca e sem grande energia.

Todos os jornais saudavam a nova obra. Os programas de rádio alardeavam o impacto do benefício na vida dos pobres. Padres e pastores disputavam quase que em duelo para levar o prefeito à Casa de Deus, em busca da benção oficial. Os poetas e trovadores buscavam inspiração divina para emocionar o prefeito, com recitais em inaugurações. A banda de música sempre se superava com um número novo. Mas agora é tempo de se calar. Não há mais música para seus ouvidos, não há mais poesia a acalentar seu coração, não há mais o óleo da unção derramado sobre sua cabeça. Quando o prefeito, não mais prefeito, acorda e se descobre que não é mais o ungido, seu mundo se desfaz em mil pedaços.

Há o momento da solidão. E ela não é criativa nem monástica. É a solidão de quem é apartado do poder. A solidão, que como terremoto, corta, aparta, amputa todas as benesses, tão grudadas ao ocupante da cadeira mágica da prefeitura. Só resta ao ex-prefeito, o abraço frio e sem glória da solidão.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 30/01/2013
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