Sobre amor e paixão

No amor há sempre uma relação entre sua origem intencional e o seu desfecho final. O amor sempre é configurado através de uma mediação linguística de uma intencionalidade que aponta para além de sua literalidade, ou seja, a união dos corpos. Daí, o caráter simbólico e mesmo parabólico da palavra amor. Os amantes fundamentalistas, então perguntariam se o amor é a mesma coisa que a paixão.

Com o progresso da investigação científica, aprendemos que amor e paixão são exatamente desejos, falta, instinto reprimido. Para a psicanálise, o amor realizado tende a trazer paz. Já a paixão é fogo e sofrimento, se quisermos sofrer por paixão o problema é nosso. No entanto, o senso comum, livre das pesquisas psicanalíticas admite as narrativas mitológicas sobre amor e paixão sem interpretá-las, seguem-nas, instintivamente, tornando nossa discussão mais apaixonada.

A palavra amor para os gregos tinha três sentidos: Eros, Ágape e Filos. O significado de cada termo é injustificado uma vez que a coisa está imbricada. Outra palavra grega que merece nossa atenção é o termo patos que deu origem a palavra paixão, que pode significar tanto sofrimento, quanto desejo. Rigorosamente, se amor e paixão são palavras diferentes, elas são uma resposta humana aos apelos e propostas de sentimentos parecidos, embora dispares.

Por ser assim: a palavra amor nos interstícios das palavras humanas, sempre inadequadas e insuficientes para expressar a grandeza de seus significados, pode e, de fato, contém imprecisões, incorreções morais, prescrições anacrônicas, frieza, tibieza, covardia. Tais e outras impropriedades não se devem ao amor, mas ao jeito dificultoso e lerdo de como nós, os homens e as mulheres, vamos, no curso de nossa vida, compreendendo a força desse sentimento e dando a ele, nos condicionamentos de nossa consciência possível, ora o nome de amor, ora o nome de paixão.

O amor é um prédio cheio de tijolos. Nele se encontram os ciúmes, as possessões, os medos, as faltas, mas também o perdão, a atração, o prazer, a paz, a carência, o contentamento, mas não o sofrimento. Sofrimento é paixão que é uma pitada de erotismo e um tanto de eventos sangrentos.

Ao estarmos apaixonados comportamo-nos como um doente que para se salvar sofre até mesmo com o remédio de suas moléstias. Os remédios não são vários, existem, mas são piores e tão cruéis quando a doença. O registro do coração apaixonado deixa no corpo e na alma uma vantagem e outra desvantagem: A paixão continua a existir mesmo depois da morte da pessoa amada (essa é a vantagem). Mas, com o tempo, a dor não se apaga (essa é a desvantagem). Com isso, a paixão refere-se ao sofrimento e o amor à realização da alegria.

O amor é vivido no corpo, a paixão na alma, mas ambos não têm essência. Só têm presença. Estão sempre vivos. Quando os ouvimos ficamos possuídos, rimos, choramos, sofremos. O amor é um dom. A paixão um castigo. Mas o problema é que o amor ama nossas vidas, já a paixão a destrói. O amor entende, perdoa, conhece. A paixão tem mais dificuldades em assumir sua cegueira, suas enfermidades. Se soubéssemos com mais exatidão a ameaça que pesa sobre os dilemas do amor e da paixão, isso só mais nos entristeceria e a tristeza é a coisa mais inútil do mundo. De toda maneira, o amor e a paixão oscilam juntos entre o temor e a esperança: o temor de perder e a esperança de ter a pessoa desejada. Mas as palavras, assim como os silêncios, não separam amor de paixão. Nossas vidas os separam. Nossa morte não os une. Assim é: e já é belo que nossas vidas tenham podido amar e apaixonar neste nosso tempo.

Verdadeiramente, este é o lugar em que o amor aprecia falar aos homens e às mulheres, na freqüente misteriosa e silente linguagem: de coração para coração. Na vida e na busca sincera de encontrarmos um amor, geralmente não o encontramos, isso porque é ele quem nos escolhe. E disso sou testemunha fidedigna e preciosa.

Bara
Enviado por Bara em 20/01/2013
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