A Conversa E A Cultura
Sabe-se que Sócrates, Buda, Jesus e Confúcio nada nos deixaram por escrito. Tudo o que nos chegou são versões, interpretações.
Eles devem ter sido exímios conversadores, mágicos artistas da arte de contar histórias. No entanto, a oralidade nem sempre é fiel ao pensamento original do autor que, de boca em boca, pode ser modificado, por não haver o testemunho firmado, materializado num veículo sólido, consistente.
Por outro lado, impressiona-nos que palavras vertidas há séculos ressoem ainda em tantos ouvidos, nas mais diversas línguas e interpretações. O fato ressalta a idéia da força da palavra, do pensamento capaz de sobreviver ao tempo, aos séculos, à longa noite da eternidade. O pensamento sobrevive à voz, ao corpo, ao cérebro, à mente de onde proveio. Isto nos demonstra que poderemos sobreviver como pensamento – estratégia divina que nos permite respirar eternidade em nosso físico existir – se formos capazes de tal criação.
Platão forjou Sócrates como personagem que adquiriu vida própria e sobreviveu numa realidade eloqüente, numa aura de verdade maior do que Platão, seu discípulo e criador. Seria Sócrates um mero personagem gestado na genial mente de seu criador?
O mistério do personagem é o do autor, pois eles se confundem nas dobras do tempo.
Existe uma formosa palavra na língua espanhola que precisamos reproduzir: vástago, próxima de herdeiro, sucessor, porém mais precisa. O personagem é sempre um vástago do autor que vive nele, e está sempre a nos dizer algo, até da possibilidade de sua inexistência como ser real, como Sócrates, Buda, Jesus e Confúcio, que nos deixaram a lição da conversação e da importância da palavra e do pensamento, como personagens que foram e continuam a nos falar, cumprindo com o papel que algum autor lhes encomendou.
A questão do personagem e do autor deveria nos preocupar. Não deveríamos criar um personagem que nos sobrevivesse? Não seríamos personagens à procura de um autor?
É possível que a eterna conversa nos traga as respostas que não temos. E que na companhia de nossos amigos e interlocutores descubramos que a nossa fala e os nossos pensamentos possam ser o nosso passaporte para a eternidade.
Nagib Anderáos Neto
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