Em defesa do amor
Em defesa do amor
Paulo Salles
“Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu; ele descansa entre os lírios” (Cântico dos Cânticos 6.3).
Todos conhecemos as três palavras gregas que identificam o amor na língua portuguesa. Ágape, que seria o amor em toda a sua dimensão, sendo a sua maior representação, o amor de Deus para com os homens. Filéos, que seria o amor filial, encontrados nas relações entre pais e filhos e entre os demais seres humanos, representada pelo que poderíamos chamar de amizade. E por fim, a palavra Eros, identificado como amor entre um homem e uma mulher, hoje de uma forma mais deturpada, entre dois homens ou duas mulheres, e que estaria relacionada com uma atração emocional, psicológica e física. Daí surgiram as palavra aportuguesadas erótico, erotismo, etc. Cuidaremos nessa reflexão do amor “Eros”, esclarecendo de principio, que amor é uma coisa e casamento é outra. Amor é uma coisa e sexo é outra, nada impedindo que andem juntos.
Cabe de antemão afirmar que o amor não salva ninguém. Nem mesmo o amor Ágape de Deus para com os homens, conforme registrado em João 3.16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. Com fundamentação Bíblica, alguns afirmam que o sacrifício de Cristo na cruz do calvário, também não é suficiente para salvar o homem, e nem mesmo crer em Cristo seria suficiente para a salvação da alma. Os demônios também creriam e jamais seriam, pela sua própria natureza, salvos. É preciso que o homem faça a sua parte, “complementando” a sua salvação. E o que seria essa parte? O arrependimento, a submissão, a obediência, a santificação, e até as boas obras. Como já disse, não é o propósito dessa reflexão adentrar nesses aspectos. O foco é o amor Eros. Esse, à exemplo do amor Filéos, também não salva ninguém.
Entre as inúmeras definições de amor, há uma que diz que “amar é fazer bem ao outro, mesmo que isso não lhe seja conveniente”. Seria o amor entrega, sem reciprocidade. O amar sem ser amado. Vejo-o com uma certa utopia. É de se supor que Deus amou assim. Mas para Ele tudo é possível. Outros afirmam que amar é um mandamento, um imperativo, e, assim sendo, não existiria a condição de não amar. Também tenho dificuldades de vê-lo assim. Há ainda outros que enxergam o amor não como um sentimento, mas como uma atitude. É verdade que o amor requer ação, prática, mas vejo isso precedido do sentimento de amar e tomo como fundamento o texto do apóstolo Paulo na 1ª carta aos Coríntios, capítulo 13, onde encontro as seguintes citações: “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos; ainda que eu tenha o dom de profecias e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento; ainda que eu tenha uma fé capaz de mover montanhas; ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá”. O amor como motivação maior para a realização de todas as coisas. O amor sentimento levado à ação. O amor é um sentimento que leva a atitudes, sim.
Os pensadores, os poetas, os românticos e os demais mortais enquanto vivos, vivenciaram situações amorosas envolvendo pessoas do outro sexo, ou não. Quem nunca se apaixonou? Quem não viveu frustradas relações amorosas? Quantos viveram amores impossíveis, proibidos? E quantos ainda não viveram o amor em sua mais completa dimensão e realização. Para isso só tem um jeito: amar e ser amado. O resto é ilusão. Como afirmei anteriormente, muitos confundem amor com casamento e uma coisa não tem nada a ver com a outra. A Bíblia fala muito em casamento e divórcio, mas muito pouco sobre o amor enquanto relação entre um homem e uma mulher. O amor como um sentimento que une dois seres que, por se amarem, constroem conjuntamente uma vida “até que a morte os separe”. Casados ou não. O apóstolo Paulo, que diga-se de passagem não era um especialista no assunto, porquanto não era casado nem há registro de que tenha tido algum relacionamento amoroso, tratou a questão mais pelo lado espiritual, com a autoridade que lhe foi delegada por Deus, quando disse: “Mulheres, sujeitem-se cada uma a seu marido, como ao Senhor. Maridos, ame cada um a sua mulher, assim como Cristo amou a igreja” (Efésios 5.22 e 24).
Há quem afirme que só se ama uma única vez. Não estou tão certo disso. Talvez alguém tenha sido realmente especial e será sempre lembrado. Mas o que vimos e sentimos, é que podemos amar verdadeiramente mais de uma vez. O que não existe é o amor por duas criaturas ao mesmo tempo. Isso é confusão, falta de discernimento. Nesse universo de tantos relacionamentos, muitos expressaram as suas frustrações e as suas realizações. Um escritor americano, Andrew Shaffer, escreveu um livro sobre as desventuras amorosas de 37 pensadores famosos, grandes filósofos que fracassaram no amor, numa demonstração de que, nessa matéria, ninguém é suficientemente entendido. Escolhi as manifestações de alguns: Sócrates: “Seja de que maneira for, case-se. Se conseguir uma boa esposa, vai ser feliz; se conseguir uma péssima, vai se tornar filósofo”. Aristóteles: “Pois o amor demonstra sua força, fazendo com que o tolo se torne sábio, e o sábio se torne tolo”. Rousseau: “O que é o amor em si, a não ser uma ilusão? Se víssemos quem amamos como é, não haveria mais amor na terra”. Nietzsche: “Ah! Mulheres. Tornam os pontos altos, mais altos, e os baixos mais frequentes”. Diderot: “Dizem que o amor rouba daqueles que possuem a sagacidade, e a entrega àqueles que não a possuem”. Kant: “A união sexual é o uso recíproco que um ser humano faz dos órgãos sexuais e da capacidade do outro”. Von Goethe: “Amor é algo ideal, casamento é algo real; a confusão entre real e ideal nunca sai impune”. Schopenhauer: “O amor é apenas o desejo das espécies de sobreviverem, a necessidade de propagar as espécies”. Tolstói: O amor não existe. O que existe e a necessidade física de relação sexual e a necessidade racional de uma companhia ao longo da vida”. Simone de Beauvoir: “Conseguir um marido é uma arte; mantê-lo é um trabalho árduo”. Não se apeguem a esses (maus) exemplos. São exceções. De um modo geral o amor constrói, edifica, alimenta e dá prazer. Não sou adepto da afirmação do poeta Milton Nascimento quando diz “que todo amor é sagrado”. A Bíblia nos ensina que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Nesse caso não pode ser sagrado. Amar e desejar a mulher do próximo também não é algo salutar. Comete-se o pecado do adultério. Também não estou de acordo com aqueles que dizem que o amor tudo justifica. Não é por aí. Gosto dos textos do poeta Khalil Gibran sobre o amor e o matrimônio. Sobre o amor ele diz: “Quando o amor chamar, aceitem seu chamado, mesmo que o caminho seja duro, difícil. Quando o amor disser algo, acreditem, mesmo que sua voz destrua seus sonhos. Porque o amor glorifica e crucifica. E não tentem dirigir o seu curso: porque se o amor achar que são dignos, ele os dirigirá até onde devem chegar”. E sobre o matrimônio: “Vocês nasceram juntos, e juntos estarão mesmo quando as asas brancas da morte terminem com seus dias – porque continuarão unidos na memória silenciosa de Deus. Mas que haja espaço entre os dois. Que o vento dos céus possa passar entre seus corpos. Amem, mas não transformem o amor em atadura. Que um encha o copo do outro, mas que jamais bebam do mesmo copo. Cantem e dancem, estejam alegres, mas cada um mantenha suas independências; as cordas de um alaúde estão sozinhas, embora vibrem com a mesma música. Entreguem o seu coração, mas não para que o seu companheiro o possua – porque só a mão da vida pode conter corações inteiros. Estejam juntos, mas não demasiados juntos – porque pilares de um templo estão separados. O carvalho não cresce à sombra do cipreste, e o cipreste não consegue crescer à sombra do carvalho”. Para os amantes, lembraria a frase de Menotti Del Picchia: “Esta vida é um punhal de dois gumes fatais: não amar é sofrer; amar é sofrer mais”. Ou seja, há sempre um risco em amar, mas vale a pena correr esse risco. Por isso amem. Muito e intensamente. De preferência a quem estiver disponível ao seu amor. Receptivo a ele. Amar e ser amado, eis o ideal. Mas se não for possível, ame assim mesmo. Será melhor que amor nenhum. Receba o amor de quem lhe ama, mesmo que não corresponda. Melhor que amor nenhum. Agora, se o encontro é perfeito, faça como os amantes do Cântico dos Cânticos: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu”. Isso é bom demais. Como pretenso poeta, escrevi muitos poemas sobre o amor. Peço permissão para transcrever um deles, que consta do meu último livro, “Pérolas do Ocaso”: “Laço”: “Mais que um sentimento, mais que uma paixão, mais que uma entrega. Sem nenhuma cobrança, sem nenhuma explicação, o amor é um laço que nos enlaça”. Nunca trate o amor com o desprezo e a indiferença que muitos o fazem, nem mesmo com os tantos preconceitos que encontramos.