A LÍNGUA PORTUGUESA E A CIDADANIA
Evangelista Mota Nascimento, professor, palestrante, pesquisador e membro fundador do Centro de Cultura Popular Engenheiro Bernardo Sayão e da Academia Açailandense de Letras. Cadeira 9; Patrono: Raimundo Ferreira Mota.
Apesar de não ser professor de língua portuguesa, devo dizer que há muitas interpretações para o termo cidadania, conforme a ótica adotada pelo autor deste artigo.
Historicamente, na Grécia Antiga, o cidadão integrava-se à polis, isto é, incluía-se entre aqueles que a dirigiam. Os metecos e os escravos não eram cidadãos.
Só os nascidos em Roma eram considerados cidadãos. Os demais povos, apesar de possuidores também de cultura própria, eram bárbaros, aos quais ironicamente estava destinado, no futuro, o domínio do império, estilhaçando o que fora conquistado pelas armas. No século XVIII, o conceito de cidadania foi introduzido pelos revolucionários franceses de 1789, inspirados pelas teses iluministas. Todos aqueles que se opunham aos privilégios da aristocracia eram cidadãos e gozavam, pelo menos teoricamente, dos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade.
Mais ou menos consolidados os princípios da Revolução, as atenções voltaram-se para a educação: o ensino obrigatório, o aperfeiçoamento das escolas normais e a adesão, às vezes forçada, dos professores aos ideais republicanos, deram novo sentido à palavra cidadania. Esta passava, necessariamente, pelos bancos escolares, dando coesão ao país, ameaçada por forças externas.
Há exemplos históricos de imposição da língua do conquistador para derrubar o orgulho nativo do conquistado, sem que o fato revertesse sempre em aquisição da cidadania do mais forte. O conquistado ficava reduzido à oralidade e acabava por perder sua autenticidade, sem adquirir outra.
A classe dita culta mostra-se displicente em relação à língua nacional e a indigência vocabular tomou conta da juventude e dos não tão jovens assim, quase como se aqueles se orgulhassem da sua própria ignorância e estes quisessem voltar no tempo.
Novas formas de regência verbal são adotadas desde que um ex-candidato a um alto cargo as introduziu com galhardia. Também, por influência do economês, todos oportunizam, absolutizam, otimizam, a nível disto e daquilo e colocam perguntas e dúvidas, enquanto alunos...
Os próprios jornais, que deveriam ser um modelo de correção por causa da sua circulação, não constituem exceção. Aliás, do ponto de vista vernacular estão errando como nunca.
Até há pouco, a chamada matéria Comunicação e Expressão abrigou todo e qualquer conhecimento, menos o da Língua Portuguesa em seu sentido estrito.
Para que estudar verbos irregulares, se é mais fácil dizer interviu ou manteu ou, ainda, descobrir outras utilidades para o, aliás, e o inclusive? E o triste houveram?
É de lamentar que os cursos de Comunicação Social discutam Mc Luhan, Umberto Eco, Derrida, Adorno, Sapir e outros papas da Comunicação, da Semiótica e da Filosofia e os comunicólogos sejam socorridos pelo idiota da objetividade, como chamava Nelson Rodrigues ao copidesque.
Alguns brasileiros tanto não suportam seu idioma que os cursos de Pedagogia e de Direito se omitem no estudo da Língua Portuguesa. Esses cursos, mais que os outros, deveriam ser os primeiros a cultivá-la, senão por sentido cívico, por força do seu dever e da sua função junto à sociedade. A partir de 1998, espera-se que as coisas melhorem, com a introdução de Códigos e Linguagens em nossos currículos.
Hoje, no Brasil, há boutiques e não lojas; multiplicam-se os nomes fantasia em inglês e francês, como Design, Fast Man, Déjà Vu, Crazy Machine, Company. As lojas para a classe alta ostentam o seu pedigree em palavras estrangeiras e preços altos. As fachadas dos prédios sofisticados não se contentam com uma numeração honesta e conforme as posturas municipais. É preciso que elas se distingam de outras por inspirações estrangeiras.
A dublagem de filmes, por exemplo, por displicência do roteirista, é um acúmulo de frases sem sentido e sem conexão com o que se vê na tela, além de dubladores com dicção péssima, reproduzindo uma linguagem incorreta.
É claro que seria mais agradável para quem entende inglês ou francês ouvir a voz original de Richard Burton, Ingrid Bergman ou Simone Signoret, mas a dublagem corresponde a uma necessidade social, não só em relação ao mercado de trabalho, mas também à possibilidade de proporcionar entretenimento a um maior número de pessoas.
Por outro lado, acreditamos que houve em nosso país um fenômeno social que, exagerando um pouco, fez mais pelo Brasil em termos de cidadania do que a escola.
Estamos nos referindo ao futebol, que, por ocasião do seu aparecimento, aqui, exigia que todos os jogadores falassem em inglês, ou, como dizia Mário Filho, gritassem em inglês.
Cabia ao capitão do time possuir o maior repertório e usar, se necessário, o man on you. As 11 posições do time eram as da terminologia original, e o árbitro, o referee.
Os puristas da língua propunham o termo balípodo para substituir football, mas o povo se encarregou de democratizá-lo. Aos poucos, o match foi substituído por jogo, ground por campo e as posições transformaram-se em centro, lateral, goleiro, zagueiro, etc. Tudo isso sem a intervenção da língua culta.
As posições convencionais, entendidas por todos, contribuíram, como acontece ainda, para que uma aglomeração de pessoas se transformasse, temporariamente, em multidão, acionada pelos mesmos objetivos.
Os chamados anglicismos estão, entre nós, nacionalizados e incorporados ao dicionário por transformação semântica ou morfológica: bife, clube, bonde, dólar, deletar, iate, teste, não agridem mais a língua nacional.
Também não se pode ignorar a experiência tecnológica e científica, as relações comerciais, políticas e diplomáticas, que não prescindem de expressões como blue ship, spread, primerate, bit, software e muitas outras. Essas expressões pioneiras, expressivas e sintéticas, sem similares ainda em nossa língua, não chegam a arranhá-la porque constituem um jargão especializado que não interessa à população em geral, mais preocupada com o salário e os preços do arroz e do feijão...