CONFORTO É LUXO OU NECESSIDADE?
Uma pessoa da minha família chamou a atenção a um fato: “Antigamente os reis e os ricos viviam com menos conforto que os favelados dos nossos dias.” Isso nos leva ao questionamento de distinguir entre conforto e bem estar ou então sobre desconforto e sofrimento. Até onde os tempos antigos eram mais saudáveis e melhores?
Há duzentos anos não havia automóveis, não havia ventiladores elétricos, máquinas de lavar, nem comunicação por rádio ou telefone. A pessoa tinha que ter uma dose de resistência para cavalgar durante o dia inteiro ou então aboletar-se em carroças ou charretes lentas, cujo rendimento dependia da capacidade e do humor do animal que a puxava. Nas noites frias, era esse mesmo animal que ajudava a aquecer o viajante. Aliás, percorrer uma distância de cinqüenta quilômetros num único dia era façanha para poucos.
As carnes tinham que ser frescas ou então conservadas em sal. Somente as famílias mais aquinhoadas possuíam ferro de engomar a carvão, extremo luxo que as outras nem sentiam necessidade. A água era transportada em baldes, a comida aquecida em fogões à lenha. Banho em regiões frias era um luxo que a maioria dispensava. Por isso, a pessoa que resistia nos primeiros anos de vida, estava preparada a viver longamente, a não ser que alguma guerrinha ou outra disputa lhe tirasse a vida. A agressividade fazia parte da virilidade e pedidos de desculpas eram sinal de fraqueza ou covardia. Os profissionais de saúde, raros e caros eram apenas procurados em situações extremas. A expectativa média de vida não chegava aos 40 anos.
Hoje, um assalariado chega a sua casa, a ilumina com um toque, abre a torneira onde escorre a água, na geladeira tem água gelada, uma variedade de comida seguramente conservada, um fogão que acende também com um toque e um chuveiro para tirar as sujeiras do trabalho do dia. Depois, liga a televisão e fica inteirado de tudo que acontece pelo mundo. Na maioria das vezes, tem uma máquina de lavar que “cuida” de suas roupas. A pia, o ralo e o vaso sanitário escorrem suas imundícies para longe, onde o cheiro jamais retorna.
As façanhas que hoje são corriqueiras, em outros tempos eram proezas que nem todos alcançavam por mais posses que tivessem. Hoje, a quase totalidade das pessoas nas grandes cidades tem apenas uma vaga idéia que sua comida é plantada, que passa por um processo de industrialização, pela vigilância sanitária até chegar ensacada e pronta. Se não fosse por filmes e documentários nem saberiam que seu em “presunto” um dia foi uma ave com penas, morta sem dó para sustentar o conforto dos humanos. E ainda se sentem no direito de reclamar de preços de produtos cujo processo produtivo lhes é totalmente desconhecido.
Talvez faça parte campanhas contra a poluição, mas não se lembra que o ônibus fumarento, porém limpo que o apanha perto de casa substituiu carruagens desconfortáveis, puxada por cavalos fedorentos que não pediam licença para urinar ou defecar em qualquer parte da cidade antiga.
Talvez, por um sentimento de culpa por fazer tão pouco que o homem se enfurna cada vez mais em academias, onde corre sem sair do lugar, levanta pesos e sua para cansar o corpo, uma vez que a mente parece permanentemente cansada. Se o conforto nos deixa mais felizes é outra discussão. Porém, que os tempos antigos ficam melhores nos filmes e romances é unanimidade entre todos.