Merde d'Artiste

A Arte Contemporânea como um todo já é incrível. A exatidão dos contornos do Neoclassicismo, o chiaroscuro relembrando o Renascimento das técnicas de Da Vinci - além da expressão de emoções - das obras do Romantismo, além de Courbet e Millet do Realismo. As pinceladas abstratas do Impressionismo marcadas pelos efeitos de luz de Monet, a movimentação parisiense de Renoir ou ainda as bailarinas de Degas. O Expressionismo, ilustrado principalmente pelos mestres Van Gogh e Munch, num dinamismo improvisado de cores vibrantes. E assim eu poderia continuar falando, e viriam em mente o Fovismo, Cubismo, Futurismo, Concretismo, ou ainda as mais recentes, como a Pop Art, Op Art, Arte Naïf e o Graffiti, mas o motivo principal por eu ter citado a Arte Contemporânea é a minha paixão pelo Surrealismo e o Dadaísmo. Não que eu não morra de amores também pelo Impressionismo e Expressionismo, é que quero tratar não só dos desenhos e pinturas dos dois movimentos anteriormente citados mas também outras expressões artísticas presentes.

O Dadaísmo foi um movimento artístico de negação. Fundado no Cabaret Voltaire em Zurique, em plena Primeira Guerra Mundial, procurava mostrar perplexidade diante da destruição (aparentemente sem sentido) que é a guerra, e da incapacidade da religião, ciência e filosofia em relação aos problemas da época. O grupo foi liderado por Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp, e o nome dada surgiu de um dicionário alemão-francês, escolhida aleatoriamente, já marcando o non-sense típico do movimento.

Opunham-se a tudo, apropriando-se da estratégia de chocar e escandalizar. Usavam da frase anarquista de Bakunin (a mesma admirada por mim logo na primeira vez que a li, aos 13): "A paixão pela destruição também é uma paixão criativa".

A desimportância com a técnica, a negação da negação da negação, o auê dessa arte dadá conseguiu o que queria: impressionar. Adoro a ideia típica dadá de poema aleatório e dos tão inovadores ready-mades, os dois principais meios de expressão deste movimento. A criatividade do ready-made, termo criado por Marcel Duchamp em 1913, é incrível, pois vem da ideia de associar objetos do cotidiano com a arte. Retirar um objeto de seu habitual espaço para, sem modificações, expô-lo como pronto. Para Duchamp a arte não devia ser retiniana, agradável e bela ao olhar, mas sim uma arte mais cerebral.

As obras influenciadas pelo dadaísmo que mais me marcam são A Fonte e A Roda de Bicicleta de Duchamp - ambas servindo de decoração na parede do meu quarto -, a célebre obra conceitual Merde d'Artiste, de Piero Manzoni (consiste em 90 latas em que o artista defecou, enumerou e vendeu a preços altos) e, também de Manzoni, a exposição de vários ovos cozidos com as suas digitais impressas, que foi devorada pelos espectadores em 70 minutos.

E do fim do Dadaísmo nos anos 20, surge o Surrealismo. Criado e liderado principalmente pelo escritor André Breton, enfatiza o papel do inconsciente na criação artística, fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Freud. Seus principais representantes foram Luis Buñuel, Marx Ernst, René Magritte e Salvador Dalí.

Luis Buñuel foi o cineasta espanhol que dirigiu o célebre curta Un Chien Andalou juntamente de Dalí, pessoa de muita influência para Buñuel. René Magritte é o criador de obras bastante conhecidas, que estão em qualquer lugar que trata da cultura retrô, quase um clichê, mas cheias de significado, imortalizadas pelo Ceci n'est pas une pipe, Le fils de l'homme e Ceci n'est pas une pomme. A ideia desses ceci n'est pas (isto não é), é a de alertar que o desenho em si é apenas um desenho, que o desenho não é nem pode ser um cachimbo (pipe) ou uma maçã (pomme).

Faltou falar diretamente do meu favorito, Salvador Dalí, que mesmo com as tentativas de André Breton para dissociá-lo do Surrealismo mostra-se como o maior Surrealista (enfatizado até pelo próprio Dalí, que afirmava SER o Surrealismo, e que essa era a sua principal diferença entre os outros). Retratou figuras oníricas de excelente qualidade plástica, estima-se que tenha produzido mais de 1500 pinturas, além de ter produzido incríveis esculturas, como Rinoceronte vestido con puntillas, objetos bizarros como Telefone Lagosta e Sofá-lábios de Mae West, ter colaborado com a Walt Disney e até mesmo ter produzido jóias.

Agora depois de ter exposto um pouco de fatos e relevâncias de ambos os períodos fica mais fácil explicar minha afinidade com a expressão artística inovadora, chocante e muitas vezes escandalizadora desses dois movimentos artísticos. Creio que o maior motivo para meu interesse esteja no fato da quebra de padrões de uma arte que vinha a muito tempo sendo retiniana, expondo um ser humano idealizado, paisagens idealizadas. Com os ready-mades a arte pareceu deixar de ser uma bolha reclusa para então englobar o dia-a-dia, e os objetos aleatórios encontrados em nosso cotidiano passaram a poder ser também considerados arte. Já as obras surrealistas deram ao apreciador a liberdade de interpretá-la, não apenas apreciá-la, e também proporcionaram sensações ao retratarem cenas impossíveis geralmente ligadas ao sonho.

A meu ver, ambos os períodos proporcionaram à produção artística subsequente uma abertura de possibilidades, servindo de inspiração para todos os novos artistas que puderam expandir horizontes e alavancar sua criatividade.