O suposto jornalismo
Há alguns anos, numa época em que vivíamos, dizem, uma ditadura, a chamada imprensa livre era um sonho.
Nessa época, não se publicavam os fatos na íntegra, publicava-se aquilo tido como verdadeiro, ou permitido, que seja, e os excessos eram responsabilizados. A reprimenda não era pouca.
Mas então o tempo passou, ventos “democráticos” voltaram a soprar e a imprensa se fez livre de novo. Editou-se uma nova carta constitucional assegurando-se liberdade de imprensa e, em 2009, o Supremo Tribunal Federal revogou definitivamente a lei Nº 5.250/67, a chamada Lei de Imprensa. Então lá se foram por água abaixo os “excessos” antidemocráticos contra o direito de manifestação, de informação.
Ninguém haverá de contestar o papel fundamental que a atividade de imprensa deve desempenhar num país livre. Também não o discuto. O fato é que, com a revogação da lei supracitada, também se apagou a legitimidade do Direito de Resposta, que tinha tamanho e forma impressos na letra da lei.
Ao relermos aquele texto, encontraremos em seu corpo:
“Art . 30. O direito de resposta consiste:
I - na publicação da resposta ou retificação do ofendido, no mesmo jornal ou periódico, no mesmo lugar, em caracteres tipográficos idênticos ao escrito que lhe deu causa, e em edição e dia normais;
II - na transmissão da resposta ou retificação escrita do ofendido, na mesma emissora e no mesmo programa e horário em que foi divulgada a transmissão que lhe deu causa; ou
III - a transmissão da resposta ou da retificação do ofendido, pela agência de notícias, a todos os meios de informação e divulgação a que foi transmitida a notícia que lhe deu causa. (...)”
Pois bem, hoje em dia, o direito de resposta é sepulto ou, no mínimo, agoniza, vegeta. Os jornais publicam o que bem entendem sob o manto da liberdade de imprensa. Questionados em contrário, para se aliviarem do rótulo de déspotas da informação, oferecem o pseudodireito de resposta. Estardalhaçam em primeira página e esmiúçam em longas matérias, nos cadernos internos, mas a resposta do ofendido, se existir, ocorrerá nos cantos inferiores, nas orelhas das páginas, no rodapé. Alimentam os leitores de sapiência rasa e formam opinião, a sua opinião. Esses “jornalistas”, microdeuses da própria vaidade, que se consideram eruditos, verdadeiros literatos, nada mais são do que frustrados da própria nascença. Pensam-se ideólogos de um mundo perfeito, mas não passam de arautos do contra.
Esses moços, essas moças, mal pagos e generalistas, vivem à caça do furo perfeito, da matéria do ano, dos prêmios e tal. Mas, nessa busca insana, danem-se os passantes, danem-se as vítimas de sua pena, dane-se a verdade, a ética.
Formados por antigos professores que ainda enxergam nos agentes do Estado, sobretudo nos militares, os torturadores, os opressores, os ditadores do seu tempo, esses militantes da informação (deles) se valem de seu poder de divulgação para professarem suas crenças e frustrações.
O noticiário policial, com raríssimas e honrosas exceções, é geralmente o espaço dos clínicos-gerais do jornalismo, aqueles que não migraram para os cadernos especiais.
Alguns escrevem de modo sofrível na forma, mas outros são bons e dominam muito bem a superfície linguística do texto. O problema maior mesmo é o sentimento que move esse segmento, o desejo de conduzir o povão para a direção esperada. E assim se valem de todo o artifício na construção das mensagens que procuram passar. Se querem opinar, ora, aprendam a escrever e migrem para as colunas, que são o espaço apropriado para jornalismo opinativo. Deixem o noticiário para os fatos.
Observemos a cobertura das ocorrências policiais. Marginais com extensa ficha criminal são chamados de civis. Homicidas de policiais são supostos autores de crimes. Confrontos armados com quadrilhas são chamados de supostas trocas de tiro. Menores infratores roubando, se mortos em revide, são apenas jovens mortos pela polícia...
Se disséssemos que algo é possível, isso poderia ser fato ou não, por simples questão hipotética. Entretanto, quando dizemos que algo é suposto, a acepção do possível também existe, mas a força semântica que mais se aplica a esse adjetivo é de que se trata de algo fictício, falso. Ou seja, discretamente, sorrateiramente, vão enfiando na goela do pobre leitor a ideia de que a polícia, sempre, forja, fabrica resultados.
Em coro com esses profissionais, encontramos o povo dos direitos humanos (aqueles profissionais, os de carteirinha, para quem humanos são sempre os que roubam e matam outros humanos). E assim vai-se construindo o Brasil que se diz democrático, um Estado Democrático de Direito.
Enquanto isso, brasileiros, verdadeiros democratas, apartidários como eu, cumpramos nossa missão de vociferar contra a ditadura da mídia, contra os políticos que “trabalham” de terça a quinta, contra a quadrilha do Mensalão, contra os que emburrecem o cidadão para arrancar-lhe o voto na próxima eleição em troca de bolsa-esmola.