The Walking Dead e a filosofia de Sêneca

Quem leu o quadrinho de “The Walking Dead” certamente não deixou passar despercebido o seguinte comentário de Rick Grimmes: “We are the walking dead!” - “nós somos os mortos vivos!”. Em determinado momento, após Rick acordar de 26 horas de “apagão”, ele está desacreditado. Tido pelos outros como louco, Rick, na prisão, se dirige a todos e, com um discurso belíssimo, afirma que, diferente do que todos pensam, os mortos vivos não são mais aqueles que eles dão tiro na cabeça e matam: são eles mesmos. É interessante perceber que, dentro da fala do policial, nos damos conta que agora a grande maioria de habitantes do planeta são zumbies e que eles, seres humanos, são as pessoas que vagam, sem sentido, em busca apenas de sobrevivência, sem se importar com nada que não seja ferramenta para essa sobrevivência (segurança, etc).

Ao lermos esse trecho de “The Walking Dead”, certamente o que nos vem à cabeça é a primeira parte do aforismo de Hipócrates: “Vita brevis, ars longa” - “A vida é curta, a arte é longa”. Apesar de ser o dono desse aforismo, quem o tornou famoso foi o filósofo latino Sêneca, que fez um livro com o seguinte título: “Sobre a Brevidade da Vida”. Longe do que possa parecer, Sêneca não concorda com essa afirmação. Apesar de não sabermos se Sêneca se referia ao poeta Homero ou a Virgílio (em seu livro ele se refere ao “grande poeta”), o filósofo latino faz a seguinte citação poética: “Pequena é a parte da vida que vivemos”. E ele mesmo completa: “Pois todo o restante não é vida, mas tempo.” Em outra passagem de seu livro, Sêneca afirma: “Por que nos queixamos da Natureza? Ela mostrou-se benevolente: a vida, se souberes utilizá-la, é longa. Mas uma avareza insaciável apossa-se de um; de outro, uma laboriosa dedicação a atividades inúteis. Um embriaga-se de vinho; outro, entorpece-se na inatividade”.

Certamente não vivemos no mundo de “The Walking Dead”, mas Robert Kirkman, escritor da série em quadrinhos, nos leva a refletir sobre o valor que damos a nossa vida, e o tempo em que empregamos em cada situação da mesma. Em um mundo onde não existe outra ânsia, que não a sobrevivência, nos questionamos sobre a razão da nossa existência, ou sobre o valor que deve ser dado a cada coisa, ou algo do gênero? Não. Isso é impossível, pois ninguém, no conto de Kirkman, sabe se estará vivo na noite seguinte - e todas as energias são focadas em apenas um instinto humano básico: sobrevivência.

Em um mundo onde não existem zumbies que tentam nos matar; onde nossa ânsia vai além de sobreviver – pois buscamos nos divertir, trabalhar, construir uma família, etc, podemos nos questionar: Nós somos os mortos vivos? E, certamente, após uma profunda reflexão, podemos pensar que talvez sim, pois, retomando Sêneca, todo o restante da vida, em que não verdadeiramente vivemos, não pode ser considerado vida, mas só tempo. E quem vive apenas a passar o tempo, certamente vivo não o é, mas “Walking Dead”, ou morto vivo, em bom português.