Nossos filhos não são os nossos filhos
Nossos filhos não são os nossos filhos.
Paulo Salles
“Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá” (Salmos 127.3)
A meu ver, existem interpretações equivocadas quanto ao poema “Os filhos”, de Gibran Kahlil Giibran, principalmente quando ele usa a metáfora do arco e da flecha, onde nós, os pais seríamos os arcos e nossos filhos as flechas, que deveriam ser arremessadas para longe. Não entendo que o poeta quisesse dizer que os filhos devam ficar longe dos pais. A distância aqui, na minha compreensão, não se refere ao espaço, mas sim a liberdade e a autonomia que a determinada altura da vida os filhos precisam ter. Os filhos recebidos como herança de Deus, jamais deixarão de ser nossos. Só não é propriedade nossa e isso o poeta diz: “e embora vivam conosco, não nos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles tem seus próprios pensamentos”. Um outro dia ouvi o depoimento de um pai, pastor, que dizia querer seus filhos, quando casados, bem longe dele. Evitaria problemas de relacionamentos e os encontros temporários seriam mais afetuosos. Permito-me discordar. Jamais o amor de um pai para com o filho dependerá de circunstâncias ou distâncias. Nem do filho para com o pai. Repito: não vejo a questão como uma mera separação física condicionada a uma distância, mas sim a autonomia que os nossos filhos adquirem, assumindo suas próprias vidas. É assim que vejo minhas filhas: independentes. E isso sendo objeto do meu respeito e aceitação. Só não precisa estarem do outro lado do mundo.
Bastante interessante também o poema de Vinicius de Moraes, que ele ironicamente intitulou de “Poema Enjoadinho”, e que fala de filhos. Diz ele: “Filhos...Filhos? Melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-los?” Depois de uma série de questionamentos e da problemática própria da criação de filhos, ele conclui dizendo: “Que macieza nos seus cabelos, que cheiro morno na sua carne, que gosto doce na sua boca! Chupam gilete, bebem xampu, ateiam fogo no quarteirão. Porém, que coisa. Que coisa louca, que coisa linda, que os filhos são”. A preocupação dos pais faz parte na natureza paterna. Independe de que distância estejam. Se tivermos a consciência de que lhes transmitimos valores, notadamente os das Escrituras Sagradas, teremos a convicção de que saberão resolver seus próprios problemas.
A Bíblia trata dessas questões. O Salmista já dizia que “os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá. Como flechas nas mãos do guerreiro, são os filhos nascidos na juventude” (Salmos 127.3 e 4). Filho é dádiva de Deus, não é castigo. Não devem ser fruto do acaso ou da irresponsabilidade, mas do amor e do cuidado. Uma vez concebidos passamos a ter por eles afinidade e responsabilidades, inclusive quanto a sua formação moral e ética. O texto de Provérbios 22.6 afirma: “Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos anos não se desviará deles”. Já o texto de Isaías 54.13 diz: “Todos os seus filhos serão ensinados pelo Senhor, e grande será a paz de suas crianças”. O apóstolo Paulo nos aconselha a não irritarmos os nossos filhos, mas a criarmos segundo a instrução e o conselho do Senhor. (Efésios 6.4). O texto de Deuteronômio 6.7, registra o mandamento do Senhor de que devemos ensinar aos nossos filhos sobre o seu Senhorio. O livro de Provérbios registra o quanto os filhos podem ser objeto de alegria ou tristeza para os pais. Diz Provérbio 10.1: “ filho sábio dá alegria ao pai; o filho tolo da tristeza à mãe”. Provérbios 13.1 registra que o filho sábio ouve a instrução do pai. A Bíblia é clara quanto a independência dos filhos, quando afirma que os pais não responderão por eles. E não poderia ser diferente. O texto de 2º Reis 14.6, registra: “Os pais não morrerão no lugar dos filhos, nem os filhos no lugar dos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado”. O profeta Ezequiel reforça esse entendimento. (Ezequiel 18.1 a 4).
Amamos nossos filhos. Somos a eles apegados. Temos por eles carinho e cuidado. É natural que queiramos eles por perto. O próprio Cristo isso reconheceu quando comparou um pai qualquer ao Pai Celeste. Disse ele: ”Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mas o Pai de vocês que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem” (Mateus 7.11). Só não podemos é ter eles como propriedade. A hora da apartação não é um momento fácil. Tenho pedido a Deus sabedoria para encarar esse momento, principalmente por ocasião do casamento. Lembro-me de um casamento de uma filha de um amigo meu, onde a expressão dele ao levar a filha ao altar, revelava uma angustia, seguida de um pranto contido, enclausurado. Estava vermelho como um pimentão. Temi que tivesse um enfarte. Gesticulei para que se acalmasse, mas nem eu mesmo estava calmo. E olhe que a filha ia morar a alguns quarteirões de sua casa. Lembro-me de outro, em que a filha viajou em lua de mel para João Pessoa, e no dia seguinte ele botou o carro na estrada e foi ver como ela estava. Não penso em fazer o mesmo. Nossos filhos serão sempre os nossos filhos. Os criamos para o mundo, para a sociedade, é certo, mas os laços de afinidade jamais serão partidos pela distância ou pelas circunstâncias. De minha parte, confesso, preferiria tê-los por perto. Não para “xeretar”, intrometer, mas para mostrar que as amo e que elas poderão contar sempre comigo. E que Deus nos ajude.