Educação Comercial ou Comércio Educativo?
Dia desses, enquanto conversava com amigos leigos – entenda-se: fora da área educacional –, sobre as transformações por que deveria passar o Brasil, quer no campo social, quer no cultural, ouvi de um deles uma pergunta que me motivou a compor este artigo, reproduzo-a: “Por que o brasileiro aprende mais facilmente a língua inglesa do que a portuguesa?”. De pronto, não soube responder, mas a indagação em tom crítico roubou-me uma noite de sono quando devaneios e mirabolantes pensamentos fizeram as vezes de pesadelos lingüísticos.
Busquei respostas nas experiências pessoais como professor há 26 anos e como autor, há apenas dois, após peregrinar em busca de uma editora que aceitasse o desafio de lançar um velho professor, travestido de novo autor. Agradeço por isso.
Descobri alguns pontos que merecem reflexão: em primeiro lugar, para o brasileiro, o inglês é novidade, e novidades atraem os jovens, ávidos por descobertas e por alguns instantes de cultura, ainda que seja com o fim precípuo de traduzir, ao pé do ouvido da “gatinha” – muito mais poético que “cachorra” –, a letra que escorre da canção ao dançarem de rosto colado, mais pelo barulho enlouquecedor de uma agitada música eletrônica que pela lentidão das melodias e baladas de outrora. Em segundo lugar, porque não há atrativos no ensino da língua portuguesa.
Numa aula de inglês, como deseja o mercado; na de francês, preferência dos apaixonados saudosistas; na de espanhol, consoante exigência mais que natural para um latino-americano; há o lúdico a premiar o investimento: dança-se, canta-se, assiste-se a filmes sem legendas, repetem-se, à exaustão, palavras e frases, letras e fonemas a fim de se aprimorar vocabulário e oratória. Há gradação nesse aprendizado: to be, to have, to have, to be; tempos depois: the book is on the table, e a brincadeira começa por aí.
Enquanto isso, no aprendizado do nosso idioma, o mundo é estéril, descontextualizado. Não há danças, ou cantos, nem filmes, ou encantos. O professor respira pó de giz; os alunos banham-se de tédio. O mestre esforça-se para ensinar os verbos ser e haver; o aluno acha que “não tem nada a ver!”. O livro ainda está sobre a mesa; acima dele, a cabeça pesada e entediada do estudante comum. Por sua vez, a escola, a maioria delas, enaltece o esforço de ambos os grupos, oferecendo-lhes um nada de apoio. A justificativa é nenhuma, mas posso inferir algumas: “Escola é lugar de aprender, e não de lazer...”; “Professor é professor, e não ator...”; “A mensalidade é pequena, não permite maiores investimentos...”, e por aí segue o desfile de desculpas pela omissão e pelo descaso. O pior é saber que quando alguns lentes “rebeldes” ousam cantar, dançar, etc. os pobres e dignos artistas desses palcos ainda têm que ouvir de colegas menos privilegiados que “lugar de palhaço é no circo”. Ética, mais uma vez, é só uma palavra de efeito!
Se me permitem, vou discordar das inferências, como se recorrências fossem: o aluno prefere inglês a português porque aquele é mais divertido do que este, ao menos, como se verifica em suas animadas aulas; professor é ator na medida em que sobe ao palco e enfrenta um público que, via de regra, discorda de sua atuação, antes mesmo do primeiro ato ser iniciado; a mensalidade é o ponto. Salvo uma ou outra exceção, não se investe em tecnologia nas escolas brasileiras, e, por absoluta falta de criatividade na obtenção de recursos, culpa-se a baixa captação e a inadimplência para não oferecerem o melhor. Longe de representar um raciocínio lógico, esse tipo de falha gera uma falácia: as escolas cobram mensalidades baixas; investimentos precisam de mensalidades altas; logo, não há aprendizado de qualidade.
Como se vê, não há como negar que se trata de uma discussão meramente econômica: quem pode paga, quem não pode...
Um bom curso de inglês custa, mensalmente, algo em torno de meio salário-mínimo para cerca de duas horas/aulas semanais, o que, ao final de um mês, um pelo outro, chega-se à incrível soma de nove lúdicas e inesquecíveis aulas de alegria, descontração e “azaração”. Conclui-se que, ao final de sete anos de dedicação e conquistas, o cidadão terá desembolsado a bagatela equivalente a 35 salários-mínimos para o equivalente em horas de 630 aulas. Já na escola seriada, com mensalidade média de um salário-mínimo, o aluno, ou seu proponente, terá desembolsado, pelos mesmos sete anos, 136 salários-mínimos. Parece haver clara vantagem em se fazer um curso de inglês, entretanto, a grade de horário, no Brasil, é de cerca de 25 horas/aulas semanais, ou 112 horas/aulas/mês. Ao dividirmos a mensalidade (R$ 175) pelo número de aulas/mês (9), chega-se a R$ 19,44 no curso de inglês. Se fizermos o mesmo exercício na escola regular, teremos: R$ 350 ÷ 112 = R$ 3,12 por hora/aula. Portanto, ponto ao cético que não crê na capacidade de investimento na educação de base. Como mudar esse quadro aterrador? Criatividade é a resposta.
É preciso agir em parcerias: com o Estado, que se omite há tempos, preferindo alocar verbas para áreas mais interessantes do ponto de vista político-eleitoral; com a iniciativa privada, por meio de grandes conglomerados que poderiam ser convidados pelos Governos, nas três esferas que o compõem, a investirem em troca de incentivos fiscais, como se faz com a Cultura e, mais recentemente, com o Desporto Nacional. Sobretudo, que as escolas cumpram seu principal objetivo de educar, de formar cidadãos como prestadoras de serviço, o maior de todos, e não como fachadas comerciais para enriquecimento à custa da desinformação e do descaso.
Enquanto se espera por investimentos que acelerem o crescimento do poder aquisitivo do brasileiro, por um lado, alguns poucos cantam, a plenos pulmões “New York, New York”, por outro lado, a grande massa traduz “Niu Iorke, Niu Iorke”; no meio do caminho, o professor engole a seco e cospe giz.
Dia desses, enquanto conversava com amigos leigos – entenda-se: fora da área educacional –, sobre as transformações por que deveria passar o Brasil, quer no campo social, quer no cultural, ouvi de um deles uma pergunta que me motivou a compor este artigo, reproduzo-a: “Por que o brasileiro aprende mais facilmente a língua inglesa do que a portuguesa?”. De pronto, não soube responder, mas a indagação em tom crítico roubou-me uma noite de sono quando devaneios e mirabolantes pensamentos fizeram as vezes de pesadelos lingüísticos.
Busquei respostas nas experiências pessoais como professor há 26 anos e como autor, há apenas dois, após peregrinar em busca de uma editora que aceitasse o desafio de lançar um velho professor, travestido de novo autor. Agradeço por isso.
Descobri alguns pontos que merecem reflexão: em primeiro lugar, para o brasileiro, o inglês é novidade, e novidades atraem os jovens, ávidos por descobertas e por alguns instantes de cultura, ainda que seja com o fim precípuo de traduzir, ao pé do ouvido da “gatinha” – muito mais poético que “cachorra” –, a letra que escorre da canção ao dançarem de rosto colado, mais pelo barulho enlouquecedor de uma agitada música eletrônica que pela lentidão das melodias e baladas de outrora. Em segundo lugar, porque não há atrativos no ensino da língua portuguesa.
Numa aula de inglês, como deseja o mercado; na de francês, preferência dos apaixonados saudosistas; na de espanhol, consoante exigência mais que natural para um latino-americano; há o lúdico a premiar o investimento: dança-se, canta-se, assiste-se a filmes sem legendas, repetem-se, à exaustão, palavras e frases, letras e fonemas a fim de se aprimorar vocabulário e oratória. Há gradação nesse aprendizado: to be, to have, to have, to be; tempos depois: the book is on the table, e a brincadeira começa por aí.
Enquanto isso, no aprendizado do nosso idioma, o mundo é estéril, descontextualizado. Não há danças, ou cantos, nem filmes, ou encantos. O professor respira pó de giz; os alunos banham-se de tédio. O mestre esforça-se para ensinar os verbos ser e haver; o aluno acha que “não tem nada a ver!”. O livro ainda está sobre a mesa; acima dele, a cabeça pesada e entediada do estudante comum. Por sua vez, a escola, a maioria delas, enaltece o esforço de ambos os grupos, oferecendo-lhes um nada de apoio. A justificativa é nenhuma, mas posso inferir algumas: “Escola é lugar de aprender, e não de lazer...”; “Professor é professor, e não ator...”; “A mensalidade é pequena, não permite maiores investimentos...”, e por aí segue o desfile de desculpas pela omissão e pelo descaso. O pior é saber que quando alguns lentes “rebeldes” ousam cantar, dançar, etc. os pobres e dignos artistas desses palcos ainda têm que ouvir de colegas menos privilegiados que “lugar de palhaço é no circo”. Ética, mais uma vez, é só uma palavra de efeito!
Se me permitem, vou discordar das inferências, como se recorrências fossem: o aluno prefere inglês a português porque aquele é mais divertido do que este, ao menos, como se verifica em suas animadas aulas; professor é ator na medida em que sobe ao palco e enfrenta um público que, via de regra, discorda de sua atuação, antes mesmo do primeiro ato ser iniciado; a mensalidade é o ponto. Salvo uma ou outra exceção, não se investe em tecnologia nas escolas brasileiras, e, por absoluta falta de criatividade na obtenção de recursos, culpa-se a baixa captação e a inadimplência para não oferecerem o melhor. Longe de representar um raciocínio lógico, esse tipo de falha gera uma falácia: as escolas cobram mensalidades baixas; investimentos precisam de mensalidades altas; logo, não há aprendizado de qualidade.
Como se vê, não há como negar que se trata de uma discussão meramente econômica: quem pode paga, quem não pode...
Um bom curso de inglês custa, mensalmente, algo em torno de meio salário-mínimo para cerca de duas horas/aulas semanais, o que, ao final de um mês, um pelo outro, chega-se à incrível soma de nove lúdicas e inesquecíveis aulas de alegria, descontração e “azaração”. Conclui-se que, ao final de sete anos de dedicação e conquistas, o cidadão terá desembolsado a bagatela equivalente a 35 salários-mínimos para o equivalente em horas de 630 aulas. Já na escola seriada, com mensalidade média de um salário-mínimo, o aluno, ou seu proponente, terá desembolsado, pelos mesmos sete anos, 136 salários-mínimos. Parece haver clara vantagem em se fazer um curso de inglês, entretanto, a grade de horário, no Brasil, é de cerca de 25 horas/aulas semanais, ou 112 horas/aulas/mês. Ao dividirmos a mensalidade (R$ 175) pelo número de aulas/mês (9), chega-se a R$ 19,44 no curso de inglês. Se fizermos o mesmo exercício na escola regular, teremos: R$ 350 ÷ 112 = R$ 3,12 por hora/aula. Portanto, ponto ao cético que não crê na capacidade de investimento na educação de base. Como mudar esse quadro aterrador? Criatividade é a resposta.
É preciso agir em parcerias: com o Estado, que se omite há tempos, preferindo alocar verbas para áreas mais interessantes do ponto de vista político-eleitoral; com a iniciativa privada, por meio de grandes conglomerados que poderiam ser convidados pelos Governos, nas três esferas que o compõem, a investirem em troca de incentivos fiscais, como se faz com a Cultura e, mais recentemente, com o Desporto Nacional. Sobretudo, que as escolas cumpram seu principal objetivo de educar, de formar cidadãos como prestadoras de serviço, o maior de todos, e não como fachadas comerciais para enriquecimento à custa da desinformação e do descaso.
Enquanto se espera por investimentos que acelerem o crescimento do poder aquisitivo do brasileiro, por um lado, alguns poucos cantam, a plenos pulmões “New York, New York”, por outro lado, a grande massa traduz “Niu Iorke, Niu Iorke”; no meio do caminho, o professor engole a seco e cospe giz.