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O MENTOR DA CHACINA
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O MENTOR DA CHACINA
O angu do mais novel universitário que chacinou meia dúzia de seus próprios patrícios*, em Fortaleza, no ano de 2001, agora esteve quente e abundante, até a tampa, a sair pelas bordas do prato. Já residente nesta Capital, chama-se Luiz Miguel e porta cidadania lusitana. Para lhe não envergonhar as duas famílias que tem no nome, nem cito a graça completa do indigesto ser humano.
Acusado – e réu confesso – de ser o mentor da execução de seis empresários portugueses, o gajo foi sentenciado, em 2002, a cento e cinquenta anos de prisão e cumpre pena faz onze anos. No período em que está recluso, o monstro tem revelado péssimo comportamento, chegando a fomentar motins no presídio que o alberga. Diz-se que passou telefonemas, simulando sequestros e reivindicando extorsões e, em carta que fora interceptada pela polícia judiciária, dirigida a um irmão dele, em Portugal, encomendara passaporte. Intentava a fuga para o seu país de origem.
Tudo isso que falei, supra, é o que reza a polícia, reiteradas as informações pelas autoridades da casa de detenção e pelo Ministério Público. Pois onze anos depois da bárbara chacina, em uma barraca na turística Praia do Futuro, Luiz Miguel passa no exame do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e é classificado para cursar Geografia na Universidade Federal do Ceará (UFC).
De pronto a defesa do sentenciado requereu o benefício e, mais que de pronto, o Sr. Dr. Juiz atendeu-lhe a demanda. Tudo muito bem, a Lei é assim, uma boa mãe, à brasileira; dá direitos ao preso de ir estudar, quem sabe recuperar-se, reintegrando-se depois à sociedade. Acontece que é aí onde entram o angu, a novela, o bafafá da grita coletiva. A imprensa, em geral, senta a língua no episódio da concessão de direitos ao desalmado assassino. O povo em todas as rodas se manifesta contrário à ida do preso de crimes hediondos para ombrear, na Universidade, com dóceis e ledos adolescentes.
“Isso é um absurdo, o Dr. Juiz não podia aceitar uma coisa dessas!” – era a voz geral, em todos os recintos. E, pelas sábias e latinas letras do Código, a justiceira e imparcial decisão do magistrado o prisioneiro teria que ter uma escolta de dez – eu disse dez – policiais, sendo um oficial, a fim de comandar o honroso séquito do monstrinho ao curso de Geografia. Isto diariamente, para ida e volta, em carro oficial.
O despacho do senhor juiz ainda ordenava que, cada vez que o Luiz Miguel adentrasse na sala de aula, fosse feita uma varredura em todos os recantos mais recônditos da Universidade. Quer dizer, um aparato que não teria Sua Majestade, a Excelentíssima Senhora Rainha da Inglaterra. Aí o angu esquentou mais, esturricou, em vez de arrefecerem os vapores do prato. O senhor reitor da UFC meteu a colher no prato do angu e disse: “– Escolta policial dentro do campus universitário, não. Isto não pode. E temos a autonomia da instituição” – falou corado o digníssimo reitor.
A essas alturas, com o prato mais quente ainda, o angu fervia e a moçada, no campus, berrava possessa contra a decisão judicial. Era – como diz um conhecido homem de rádio e televisão – um “bafulê” dos diabos. Mas a defesa do réu deve ter caído na real. Talvez tenha cochichado no ouvido de seu constituinte que a coisa não ia prestar, não. Que ele desistisse de ir ser universitário, etc. e tal. E, por obra e graça do Divino Espírito Santo o homem cedeu. Desistiu da empreitada. Em carta ao meritíssimo, renunciou ao seu fabuloso sonho de tornar-se um escolar.
“– Aleluia, que bênção dos céus!” – gritaram as mães das carmelitanas jovens que, atualmente, enfeitam os nobres bancos da UFC. Doidices da legislação brasileira, gritos assanhados do coletivo, verdades e mentiras, à parte, uma reflexão apenas: marginais, na capital e no interior, estão explodindo caixas bancários, a jorro e de roldão. E há cidades, por aí, que têm apenas de três a cinco policiais em suas delegacias. Isto mesmo, não é potoca, não.
Mas um réu que se fingiu de agente de turismo e foi pessoalmente ao aeroporto apanhar seis empresários para, com outros quatro comparsas, lhes subtrair dinheiro e pertences, trucidando-os de maneira bárbara, a pauladas e a tiros, por um triz quase iria ter caravana de policiais para levá-lo e trazê-lo à Universidade.
Em tempo, e este registro é tocante e me emociona: um amigo bombeiro, o Paulo, que participou do resgate dos corpos dos seis empresários portugueses, chacinados e enterrados numa cova coletiva, no centro de uma barraca, na Praia do Futuro, me disse categoricamente: “– Com vinte anos no Corpo de Bombeiros, foi aquela ocorrência a coisa mais triste e bárbara que eu já vi”.
Os cadáveres – segundo o Paulo – estavam todos com areia nas bocas, nos narizes e nos pulmões, como a Perícia depois constatou o fato. O que significa: os patrícios do facínora foram enterrados vivos. Em renunciando a ir cursar Geografia, bom se reconheça isto, o sentenciado ao século e meio de cadeia praticou uma boa ação. Diria até que, mesmo não se redimindo, jamais, virou um humanista. E a Universidade agradece. Viva a nobreza do gesto do monstro!
Fort., 1º/10/2012.
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(*) As vítimas do próprio patrício (português, então aqui residente) foram os empresários: Joaquim Silva Mendes, 52; Antônio Correia Rodrigues; Vitor Manuel Martins, 53; Joaquim Fernandes Martins, 57; Joaquim Manuel Pestana da Costa, 49; e Manoel Joaquim Barros, 55.