UM POUCO DO QUE VI NO TEMPO EM QUE VIVI NESTE MUNDO

Sei que ainda tenho muito que ver, muito ainda viverei, mas, como não sabemos quando deixaremos a vida, vou contar agora o que vi nestas pouco mais de quatro décadas que vivi.

Sei também que muita coisa há nos arquivos das polícias, dos serviços secretos, nos anais dos governos e nas bibliotecas, mas é muito conteúdo, muito extenso, cansativo e inacessível. Quero apenas fazer um breve resumo dos acontecimentos mais extraordinários que vi, os que tiveram palco durante o período que tive consciência de minha existência. Foram muitos acontecimentos extraordinários que vi, mas neste texto porei os mais extraordinários.

Nasci em 1965, mais precisamente, no final do ano, e já tinha se passado mais da metade do século XX, o século divisor da história da humanidade em nível de evolução científica e tecnológica. Nenhum século antes foi como esse e já estamos uma década adentro do século XXI e nada mais tão extraordinário aconteceu.

Quando nasci, tudo de mais magnífico no aspecto tecnológico já tinha acontecido, as grandes maravilhas da tecnologia já tinham sido inventadas, entre elas, a produção e armazenamento de energia elétrica, a invenção da vacina, os motores a vapor e a explosão, a câmara fotográfica, o carro autopropulsado, o telex, a lâmpada elétrica, o telefone, o automóvel, o fax, o rádio, o disco de áudio, a fita magnética, o gravador de som, a câmara filmadora, a televisão, o computador, a geladeira, os foguetes, as naves espaciais, os aviões, os submarinos, os satélites, o raio X, a bomba atômica, etc.. De quando nasci até o momento atual, as aparentes novas invenções foram apenas aprimoramento das invenções anteriores. Depois de a humanidade ter aprendido a usar as ondas de rádio, as antenas refletoras para a amplificação dessas ondas e os satélites para lançá-las a distancias transcontinentais e à lua, para transmitir voz e imagem através delas, utilizá-las para a telefonia e a transmissão de dados foi apenas adaptá-las, pois a utilidade continuou a mesma. O advento do telefone celular, do forno de micro-ondas, do controle remoto e do CD Player são os únicos grandes inventos após a década em que nasci, mas eles são aprimoramentos dos inventos anteriores.

Quando nasci, os navios a vela tinham dado lugar aos propulsados a vapor e ainda no século XVIII os motores a vapor já impulsionavam carros pesados e máquinas agrícolas, popularizando o trem, veículo sobre trilhos, hoje muito moderno e impulsionado por motores elétricos. Em 1965, porém, os motores a vapor já tinham sido substituídos pelos a explosão há mais de cinqüenta anos e, desde meio século antes, os carros tinham virado artigo de uso particular. A adaptação que tornou o motor a vapor em motor a explosão possibilitou reduzi-lo muito, permitindo utilizar-se a maior parte do carro para o transporte de pessoas e cargas em vez do motor. Assim, nessas pouco mais de seis décadas inventou-se e aprimorou-se o caminhão, que passou a transportar a maior parte dos produtos, dispensando o trabalho de bois, cavalos e homens. E, sobre a plataforma do caminhão, passou-se a construir o ônibus, para transporte coletivo de pessoas. E em quatro décadas o ônibus evoluiu do tosco queixo duro, caixa seca, para o veículo leito, equipado com direção hidráulica, caixa automática, suspensão a ar, freios ABS, ar condicionado, latrina, televisão, frigobar e conforto digno de mansões.

Antes de iniciar o século XX, porém, em meados do século XIX, os edifícios puderam ser construídos com mais de três andares, pois se inventou o freio de segurança para os elevadores. Por esse tempo, também se inventou o telegrafo, que enviava sinais por impulsos elétricos através de cabos, que antes ainda do raiar do século XX foram distribuídos através dos oceanos, formando uma rede mundial que possibilitou a comunicação instantânea entre todos os países por mais afastados que fossem. Logo veio também a lâmpada elétrica, deixando as casas e a paisagem urbana à noite como dia. Por esse mesmo tempo surgiu o telefone, que rapidamente suplantou o telégrafo, mas esse perdurou até pouco tempo atrás. E logo depois do telefone, os militares norte-americanos já começaram a utilizar o faz para a transmissão de imagens e em poucos anos já se enviavam fotografias ao redor do mundo através do telex.

Depois da virada do século XIX para o XX, os carros foram diminuindo de tamanho e aprimorando-se a ponto de tornarem-se quase autônomos. As armas de guerra evoluíram muito, ampliando assustadoramente seu poder de destruição. Os meios de comunicação tomaram um vertiginoso curso de popularização, então tivemos as primeira e segunda grandes guerras mundiais, onde se utilizou muitos desses avanços, e o advento da ida do homem à lua com veículos propulsados com motores a jato.

Quando nasci, o mundo vivia uma recaída de modelo absolutista e totalitário de governo e no Brasil éramos governados por uma ditadura militar. Quando eu já tinha consciência das coisas, nos anos setenta, vi muitos cochichando nos cantos sobre política, ouvi nomes de personagens opressores e pessoas indo para a prisão e desaparecendo sem a menor explicação.

Cresci conhecendo governos militares e isso, aos nossos olhos, olhos de crianças e adolescentes dos anos setenta e oitenta, não era em nada anormal, até pareceu-me bem normal o racionamento de gasolina decretado pelo presidente João Batista Figueiredo na segunda metade da década de setenta. Fui descobri que aquele tipo de governo era anormal quando, em 1984, fui para o Exército e lá eles falavam de grupos subversivos entre nossos irmãos e de músicas que não podiam ser cantadas. Nesse tempo, porém, a ditadura estava cedendo a vez ao modelo de democracia que agora vivemos, mas por um pouco ainda tivemos que treinar táticas de controle de distúrbio, para conter nossos próprios conterrâneos e irmãos em caso de convulsão social por causa da morte repentina, em 1985, do presidente eleito pelo Colégio Eleitoral para o governo de transição, Tancredo Neves.

Em 1989, agora começando a formar uma consciência e posição social e política, vi cair o muro de Berlim, que se erigira em 1945 na divisão da Alemanha perdedora da guerra entre o capitalismo norte-americano e o comunismo soviético. Alguém disse naquele dia que o que víamos pela televisão era um evento histórico cuja importância não nos dávamos conta. Na verdade, era um divisor de águas, era o fim das tensões denominadas Guerra Fria entre as duas maiores potências do mundo. Para tanto, caíra a Cortina de Ferro, o comunismo se enfraquecera através das negociações entre o papa João Paulo II e Mikhail Gorbachev, presidente da então República Soviética, de cuja federação, dali para frente, vários pequenos países se desanexaram ao custo de muito sangue.

Muito antes ainda do fim desse ano, eu com vinte e dois anos ainda, descobri que tanques de guerra podem ser usados contra estudantes em manifestação, vendo o terror promovido pelo governo comunista chinês na famigerada Praça da Paz Celestial, em Pequim, onde eternizou-se uma cena que correu o mundo: um jovem estudante peitando um tanque de guerra apenas com seu corpo.

No ano seguinte o Brasil lavaria a alma e, depois de trinta anos, pela primeira vez o povo civil votaria em seu presidente. Para mim isso seria inédito, pois, não fossem as aulas de história na escola, nem saberia que alguma vez houvera eleição de presidente da República pelo voto direto do povo. Então, em meio a inflação de uns trinta por cento do governo de José Sarney (o vice de Tancredo Neves), a maioria do povo brasileiro elegeu o soberbo “Caçador de Marajá”, Fernando Collor de Melo, que inaugurou o governo antes da posse, confiscando o dinheiro da maioria da população e de empresas e levando a economia e muitas pessoas a uma ruína que nem depois de vinte anos muitos deles teriam ainda se recuperado.

Eu veria o declínio vertiginoso dos salários e minha carreira meteórica de publicitário se tornaria uma doce lembrança e uma realidade bem menos sonho. Ao mesmo tempo, o computador ganhou Windows, Vídeo color e mouse, além de memória mais ampla, tornando-se a ferramenta fácil que se populariza cada dia mais, banalizando, por um tempo, o mercado publicitário, que se encheu de especialistas em combinações de clip-art, fontes de letra e cores. Nos primeiros anos de sua popularização, o computador foi venerado quase como Deus, chegando ao ponto de até pessoas instruídas o terem por mais avançado que o ser humano. Por incrível que pareça, por bom tempo essa geração tecnologicamente evoluída comprou a pesados preços a virtude de um trabalho ser elaborado por computador, enquanto eu explicava que somente quem fez o trabalho no computador é que levou vantagem, pois fez com mais facilidade e lhe custou mesmo, mas a qualidade final continuou sendo a mesma.

Passados, porém, vinte e um anos dessa epopéia, a coisa mais comum e sem valor é fazer-se trabalhos em computador. Hoje ele já é como celular e celulite, quase todo mundo tem.

A eleição de Collor, porém, fora contra a vontade dos eleitores mais esclarecidos. Ele fora o mais jovem prefeito eleito de uma cidade brasileira e quando muito jovem ainda foi governador do Estado de Alagoas, onde teve coragem de enfrentar políticos que enriqueciam a base do roubo descarado dos cofres públicos e abuso da população. Esses corruptos eram apropriadamente chamados de marajás, pois assim mesmo se portavam. Inclusive, num tempo ligeiramente anterior, um desses marajás teve a indecência de desfilar como tal, vestido a caráter e montado em um elefante.

Passamos o ano de 1991 sob esse regime quase (ou completamente) autoritário do soberbo Fernando Collor, amargando, senão a maior, mas uma das maiores recessões e desemprego que o Brasil já viu. Em meu jornal de humor, O Polenteiro, que publicava em Caxias do Sul, fiz algumas publicações de charges, ilustrações e artigos de humor em rechaço a esse regime. Entre eles, o anúncio “Engula Cocô Collor” em imitação ao logotipo da Coca Cola, com o slogam “Para o povo continuar tomando no copinho”.

Nesse tempo estouraram muitos escândalos e a corrupção começou aparecer sem máscaras no próprio governo. O Ministério da Economia era ocupado por Zélia Cardoso de Mello, sob qual instrução Collor fizera o confisco e quebra brasileira. Subitamente, ela viu-se envolvida num caso amoroso com Bernardo Cabral, então Ministro da Justiça, que era casado, no mesmo tempo em que a popularidade do governo de Collor começava a cair e já se viam anúncios de entidades nos jornais falando da retirada de um governo quando o povo não está satisfeito.

Postumamente, a ex-ministra Zélia foi acusada de favorecer o esquema PC, caso envolvendo Paulo Cesar Farias, que fora tesoureiro da campanha eleitoral de Collor e Itamar Franco, seu vice. Entretanto, pôs o cargo de ministra a disposição quando do escândalo com Cabral. Um dos maiores micos que ela pagou, porém, foi no jantar em recepção ao Príncipe e a Princesa de Gales, Charles e Diana, em abril do ano de 1991, quando a ministra Zélia apareceu de casaco de pele numa noite quente de início de outono.

Nesse clima de escândalos e corrupções, o caso PC veio à tona por denúncia do próprio irmão do presidente Fernando Collor, Pedro Collor, que em 1994 morreu com câncer no cérebro. O caso PC evoluiu, comovendo a parcela da população já sedenta por ver-se livre de Collor muito antes de sua eleição. Ele, porém, presumia que sua popularidade fosse ainda grande, especialmente entre os jovens, principalmente na Região Nordeste brasileiro, pelo que convocou uma manifestação dos “caras Pintadas”, que tinham se manifestado em favor das reivindicações sociais ao final dos anos oitenta com os rostos pintados em verde e amarelo. Diante das acusações de corrupção, Collor invocou esse movimento como prova de sua popularidade e credibilidade, mas os estudantes compareceram vestindo camisetas pretas e faixas grafadas com a frase “Fora Collor!”.

No final de 1992 ele renunciou ao mandato para preservar os direitos políticos, mas o Congresso Nacional realizou o julgamento resultando no primeiro Impeachment de presidente na América Latina.

Retornando aos dias de 1991, numa madrugada de sábado para domingo, o Super Cine (programa de filme da Rede Globo no final da noite de sábado) foi interrompido para transmissão do pronunciamento do excelentíssimo presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte,George Buch, que, entre outras coisas, disse que, tendo falhado todos os recursos diplomáticos, foi obrigado a deflagrar a que foi chamada de Guerra do Golfo (ou Operação Tempestade no Deserto) contra o, próspero e pretensioso império, Iraque de Saddan Russem, que atrevera-se a invadir e encampar o Kuait , um dos maiores produtores de petróleo e fornecedor dos Estados Unidos, situado ao sul do Iraque, no delta dos rios Tigre e Eufrates, no litoral do Golfo Pérsico, no Oriente Médio.

Da guerra resultou um embargo econômico tão pesado que ao final de doze anos o Iraque figurava entre as nações mais pobres do mundo.

Eu vi aproximar-se o ano 2000 e a velha expectativa do fim do mundo ser substituída pelo Bug do Milênio. Antes de 2000, porém, o fim do mundo profetizado por Nostradamus para 11 de Agosto de 1999, se consumou para muitas pessoas sugestionáveis que tiraram a própria vida por medo da morte naquele dia de luz elíptica amarelada. O ano 2000 chegou e, apesar do estado de alerta dos programadores de computador e sistemas computadorizados em todo mundo, o Bug do Milênio não aconteceu e os calendários dos computadores seguiram a contagem ascendente sem perder qualquer dado até hoje.

Na retrospectiva do milênio da Rede Globo, disse que no início do século XX se pensava que o carro seria a saída para humanidade, mas agora (então), cem anos depois, já se vira que ele era a maior das ruínas, pois nos pusera em colapso urbano e ecológico. Apesar disso, daquele tempo para cá o número de carros na rua mais que triplicou, o numero de mortes por acidentes saiu do controle e a poluição por escapamento de automóvel subiu a níveis estratosféricos, ampliando em muito o efeito estufa e produzindo muito mais desequilíbrio climático, inundações, deslizamentos, vendavais e tempestades de granizo.

Em 11 de setembro de 2001, dois anos e um mês depois de 11 de agosto de 1999, uma grande calamidade se abateu sobre Nova Iorque, quando dois aviões de passageiros foram arremessados por terroristas árabes contra as torres gêmeas do World Trade Center, provocando a queda de vários edifícios e a morte de milhares de pessoas, entre eles muitos dos que tinham ido para acudir o desastre. Além desses alvos, o atentado contra o Pentágono e a queda de um quarto avião de passageiros no mesmo dia ensejaram a invasão do Afeganistão em busca da organização Alcaeda e combate ao governo Talibã, que dominava com violento autoritarismo aquele país e fora apontado como responsável pelo atentado nos Estados Unidos da América juntamente com a organização terrorista do milionário Bin Laden.

No calor dessa batalha, como a desculpa da pobreza do povo iraquiano e do abuso de governo de Saddan, autorizado por provas forçadas, como fotos de caminhões baús fechados transportando mísseis de longo alcance que não podiam ser vistos nas fotos, em março de 2003, o então presidente George W. Buch, filho do primeiro Buch, retomou a Guerra do Golfo, então renomeada de II ou III Guerra do Golfo ou Guerra do Iraque, avançando na investida até levar a corte internacional e executar em sentença de morte por enforcamento ao presidente Saddan Russem, em 30 de dezembro de 2006, que, a despeito das profecias do livro de Isaías sobre a perpetuidade da ruína e desolação da Babilônia, já desencavara grande parte do sítio daquela grande metrópole do passado, tendo reconstruído muito de seus muros magníficos, a porta de Istar e o palácio de Nabucodonosor, ambicionando proclamar-se a si mesmo novo tirano soberano daquela cidade do extinto império.

Após o 11 de setembro muita coisa mudou nas relações entre a maioria dos países, muitas embaixadas dos EUA foram fechadas em todo mundo, inclusive no Brasil, os sistemas de concessão de vistos se tornaram muito rígidos e intransigentes e os meios de controle de passageiros e bagagens nos aeroportos ultrapassam os níveis constrangedores.

De mais, tirando algumas quedas de grandes aviões lotados de passageiros, a escalada da corrupção, o crescimento dos assaltos a mão armada e a insegurança, o abuso doméstico, o desrespeito dos filhos aos pais e professores, bem como a escalada das mortes no trânsito, o descontrole acelerado das forças da natureza, alguma ameaça ou pequena guerra aqui e ali, tudo segue em relativa tranqüilidade e aguardamos para o final de 2012 o não cumprimento de mais uma profecia do fim do mundo, agora prognosticada pela extinta civilização maia.

Wilson do Amaral