VAMOS VENDER MACONHA?
A primeira vez que eu vi José Alberto Mujica Cordano ele já era presidente do meu querido Uruguai. Eu estava em Montevidéu participando de uma reunião, e como sempre faço, fico no mesmo hotel em Punta Carretas; e depois de passar pela recepção para esperar um carro, do lado de fora estavam algumas pessoas ao redor de um senhor de cabelos brancos; era ele, a lenda viva da resistência uruguaia que recentemente havia sido eleito Presidente da Nação; aquele que todos os uruguaios carinhosamente chamam de Pepe.
Foi emocionante ver um Presidente eleito no meio de pessoas tão simples; havia alguns mendigos que falavam com ele como se fossem ministros ou conselheiros de alto escalão. Num primeiro momento, juro que pensei que fosse uma pegadinha, mas não era. Em poucos instantes eu também estava falando com Sua Excelência, o Presidente do país; e de cara fiquei fã daquela figura extrovertida, falastrona, perspicaz e meticulosamente artífice. Nosso papo não durou mais do que alguns minutos após eu tê-lo feito refém de meu espanhol com sotaque; mas nossos encontros voltaram a ocorrer em outras duas ocasiões...!
Pepe foi eleito num momento crítico onde o Uruguai precisava de uma força nacionalista; o país necessitou expulsar velhas raposas e trocá-las por velhos esquerdistas acalorados; e a história dele foi a ideal para credenciá-lo neste processo. Se algum de meus leitores não souber, fica aí o apontamento: Mujica foi preso político e teve papel fundamental para a derrocada da ditadura, civil e militar, que assolou o país até 1985. Mujica permaneceu 14 anos preso e por pouco não morreu no cárcere, porque muitas foram às tentativas de fazê-lo silenciar.
Após isso ele tentou voltar à vida pública e em 2009 sagrou-se vencedor do pleito que o conduziu ao palácio que, aliás, ele jamais ocupou; e ainda o cedeu como abrigo para os pobres; e doa as pessoas carentes 90% dos seus proventos, que hoje é U$ 12,5 mil. “Este dinheiro me basta, e tem que bastar, porque há outros uruguaios que vivem com bem menos”, afirmou Mujica quando indagado sobre a oblata de seu salário...!
Eu ainda não sei bem se ele é maluco, visionário, populista; e agora com o tal pedido de estatização da maconha, se ele é maconheiro? Mujica conta hoje com 77 anos e o país que ele administra é cuidadosamente correto em quase tudo, inclusive no tema corrupção. Eu já fui inúmeras vezes lá e converso com as pessoas de Artigas a Montevidéu e de Treinta y Tres a Paysandú; 99% de meus amigos apoiam Pepe e sua administração; e até muitos dos militares das antigas rixas políticas sucumbiram aos encantos do cara; agora esta coisa de liberar a maconha e torná-la produto nacionalmente uruguaio? Periquito que pariu meu louro!
Esta história de debater formal e legalmente a possibilidade do Estado legalizar o controlar a venda e produção de maconha no país, o que tem como objetivo combater o tráfico de drogas, para mim é precoce e preocupante. Pelo projeto de lei uruguaia o Estado assumirá o controle e a regulação das atividades de importação, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição de maconha e seus derivados; projeto que faz do Uruguai um produtor e beneficiador da maconha como produto comercial.
Eu ainda acredito que o uso pessoal não pode se punir como crime e liberá-la aos que cultivam em casa para consumo próprio tende cada vez mais a se tornar banal; mas quando o Estado deseja produzir e legalizar todos os seus produtos, isso pode abrir uma porta muito perigosa para transformar o lugar que é pacato num inferno, inclusive para nós, que fazemos fronteira pelo Rio Grande do Sul.
Se o Uruguai puder produzir e comercializar legalmente a maconha, mesmo que haja restrições para que estrangeiros não possam comprar, como foi dito pelo Presidente, nada impede de que estrangeiros passem a aliciar os uruguaios, fazendo com que comprem legalmente e estoquem em casa para envio posterior ao restante do mundo. Em tese, para o restante do mundo, cada uruguaio será um traficante em potencial e isso fará com que muitas nações passem a dificultar a entrada destas pessoas por suas fronteiras.
Para produzir em escala industrial e saciar o alto consumo dos hermanos uruguaios, Mujica precisa comprar semente de qualidade; e isso ocorrerá de qual modo? Será que farão algum tratado de livre comércio com o Paraguai? Ou importarão legalmente de Pernambuco? Quem irá trabalhar nas fábricas serão funcionários públicos? E por fim, onde estes produtos serão vendidos?
Eu já fico imaginando chegando ao belíssimo aeroporto de Carrasco e vendo um outdoor enorme com a frase: “Use maconha Chanceller, a fininha que satisfaz” ou ainda “Marlboro Canabis; venha para onde está o sabor”.
Quem defende a liberação da maconha pode me chamar de careta, mas o modelo de liberação das drogas não deu certo nem num país de primeiro mundo como a Holanda, imaginem no Uruguai, país de gente simples e pacata; o único lugar da América que ainda se consegue andar nas ruas até altas horas da madrugada sem ser importunado, nem mesmo pela ordeira polícia? Se esta história der certo vai ser um Deus nos acuda; os voos para Montevidéu serão mais disputados o ano inteiro do que o Rio de Janeiro em época de carnaval.
Tenho por Pepe a maior admiração e o mais sincero apreço público; quero muito que ele fique mais um mandato a frente deste país que sinto ser também um pouco meu lugar depois do Brasil. País onde eu levo minha filha e não me preocupo se ela sai à rua para brincar, seja em Montevidéu, seja em Colonia Del Sacramento, Punta del Diablo, Rio Branco ou Pando, mas no dia em que a maconha for liberada comercialmente e o Estado passar a produzi-la, não vou querer voltar lá por tão cedo!
Para quem consome a erva, é claro que o Estado precisa encontrar uma solução; não só o Uruguai, mas o restante do mundo precisa urgente evidenciar uma flexibilização legal aos que cultivam e corroboram o consumo pessoal. Sabemos, inclusive, que pessoas Soro Positivo do HIV, praticamente necessitam fumar maconha para poderem comer algo, uma vez que sem o efeito da droga eles vomitam desenfreadamente tudo que comem, mas reitero ser precipitado o Estado querer assumir o papel do traficante.
Um de meus maiores medos com relação à maconha são os outros produtos que ela pode produzir. Sabe-se que do cânhamo se extrai tecidos e se pode produzir até sapatos, mas também se sabe que dela se pode produzir haxixe, kief e óleo de haxixe, três derivados que são usados como drogas ainda mais potentes, que viciam e matam tanto quanto a cocaína.
Desde 2002 no balneário de La Pedrera, distante 228 km de Montevidéu, a delegacia de polícia local coexiste com uma loja pegada que já virou ponto turístico por vender acessórios para o consumo da maconha; e até camisetas com mensagens sobre o consumo da droga; portanto a história de legalizar “o cigarrinho do capeta” vem desde antes de Mujica...
A luz no fim do túnel é a sensatez de Mujica, que também afirma que caso a maioria do povo se manifeste contrario ao projeto, ele promete desistir da ideia; da mesma forma que itera que somente está querendo abolir o narcotráfico, que segundo o Presidente, movimenta cerca de 40 milhões de dólares por ano somente com o consumo.
Meu amistoso José Mujica, que agora é pintado na internet como rastafári e maconheiro, com certeza irá sofrer um pouco nas mãos da política internacional, porque também querem taxá-lo como traficante. Eu gostei mais de sua versão rastafári e confesso que gostaria de vê-lo vestido com uma camiseta verde, amarelo e vermelho; usando um chapéu com trancinhas caídas e pulando ao som do Olodum na benção de terça-feira do Pelourinho. Se o Governador Wagner não lhe fizer algum convite, tenha certeza que o farei pessoalmente em setembro.
Para mim, esta história de estatizar a maconha no Uruguai ainda vai dar o que falar...!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires