MEU PAI, MINHA MAIOR LIÇÃO DE VIDA...
Lembro de boas lições de vida de meu pai que já cumpriu 86 anos de idade e esperava viver pelo menos mais 10. Este artigo relata uma das maiores lições que recebi dele e que tem me servido até hoje e é uma homenagem que presto ao homem do qual herdei um personalidade generosa, altivez e determinação, além de outras boas coisas. As coisas que não foram boas, tenho procurado suprimir - meu próprio pai tem me ajudado nessa árdua tarefa.
Aconteceu quando eu tinha 15 anos e namorava uma menina linda que era objeto de cobiça de todos os rapazes da minha escola. O nome dela não importa; importa o fato dela ter sido a minha primeira namorada de verdade. Quando eu consegui o primeiro beijo dela, passei várias noites sem dormir, sonhando com ela em meus braços. Imaginava poder com ela construir uma família... ter filhos lindos, inteligentes como nós e muito divertidos. Sonhava mil coisas.
Trocávamos cartinhas e bilhetinhos apaixonados todos os dias. Uma empregada da casa dela se encarregava de levar e trazer a volumosa correspondência todos os fins de tarde quando passava em frente à minha casa para ir comprar pão na padaria do nosso bairro. Era nosso carteiro particular; nem precisávamos dos serviços dos Correios.
Todos os meus amigos morriam de inveja por que eu havia conquistado a garota mais inteligente, mais linda e especial da escola, quiçá do bairro ou de toda a cidade. Todos gostavam dela, mesmo as meninas, desejavam ser como ela: autoconfiante, espirituosa, comunicativa, sorridente, nunca se aborrecia com nada – mesmo quando a insultavam de “metidinha” ela sorria, jogava o cabelo para trás e dizia: “sou metidinha mas sou gostosa”. Era avançada para aquela época, diga-se de passagem. Mas o que importava? Todos os rapazes a queriam mas foi a mim que ela escolheu. Para mim não havia mais nenhuma mulher no mundo. Eu senti muito ciúme quando a via sorrindo para outros rapazes. Se pudesse ela sorriria só para mim. Não queria ver ninguém tocando-a... nem uma mosca eu queria que pousasse nela. Eu tinha um ciúme louco daquela mulher. Ela era meu ar, meu sol, minha lua, minha razão de viver. Morreria por ela se fosse preciso. Era isso o que eu pensava até um dia flagrá-la num parque da nossa cidade abraçada um cara que eu sequer conhecia. O céu desabou sobre a minha cabeça. Fui até ela e num acesso de fúria esmurrei o sujeito que mal teve tempo de correr. Empurrei a minha namorada com tanta força que ela bateu a o rosto num banco de cimento que a fez sangrar e desmaiar. Diante da situação fiquei desesperado, pois pensei que eu a tinha matado, mesmo sem querer. Eu fiquei transtornado. Tentei correr e me jogar debaixo de um carro... por pouco não fui atropelado. As pessoas que estavam em volta vieram correndo e me contiveram. Só não fui linchado por que lembraram que eu era filho do delegado da cidade. Levaram a moça par o pronto-socorro. Quando meu pai chegou ao local minutos depois (a delegacia de polícia ficava próximo á praça) indagou às pessoas sobre o que tinha acontecido ali e depois de ouvir tudo veio em minha direção – eu estava sentado no gramado com a cabeça entre as pernas chorando incontrolavelmente.
Meu pai não me olhou nos olhos. Mandou que eu entrasse no carro de polícia e seguimos para o alto da serra do Imborés que ficava a alguns quilômetros do centro da cidade. Eu estava morrendo de medo da reação do meu pai pois sabia que ele não tolerava violência a não ser em legítima defesa. Temia que ele não me perdoasse por aquela loucura que eu cometi. Mas esperava que ele entendesse que eu tinha ficado cego pelo ciúme e tinha perdido o autocontrole. Ficamos um bom tempo em silêncio olhando a paisagem da cidade lá embaixo. De repente vi que meu pai começou a banhar o rosto com lágrimas. Vi na moldura do seu rosto muito sofrimento. Eu era a causa desse sofrimento. Ele começou a falar com a voz embargada.
- Meu filho, o que você fez hoje é imperdoável. Fosse o que fosse você não tinha o direito de agredir moral e fisicamente ao rapaz e à sua namorada. O que aconteceu com seu sentimento por ela? Acabou de uma hora para outra? Ela deixou de ter valor para você mesmo que ela tenha escolhido outro rapaz?
- Eu não sei... eu perdi a cabeça quando a vi abraçada tão intimamente ao rapaz. Ela estava me traindo, meu pai... isso é um crime? Ela é uma falsa? Dizia que amava a mim e a mais ninguém?
- Eu entendo, filho... mas o seu descontrole pode lhe custar muito caro. Você agrediu ao rapaz e a ela. É para isso que serviu você aprender Judô e ser faixa marrom do karatê? Onde está a aprendizagem sobre o equilíbrio, autocontrole e tudo mais? Você pode ter matado a moça ou causado uma séria lesão no rosto dela.
- Eu não queria machucá-la. Ela bateu a cabeça no banco de cimento...
- E ela agora está no hospital por sua causa. Acha que valeu a pena?
- Eu sei, meu pai... mas ela mereceu. Foi ela que provocou. Eu só tinha amor por ela, só queria que ela fosse minha futura esposa. A gente tinha muitos planos. Ela destruiu tudo?
- Mas ainda assim, você reconhece que ainda gosta dela?
- Eu não sei mais. Não sei mais nada, estou confuso. Eu a amava muito até uma hora atrás. Mas depois do que ela me fez, acho que nunca mais olharei na cara dela.
- Ou ela não olhará mais para você. E pior, provavelmente ela nunca mais irá amar a alguém, como talvez ama a você.
- O senhor não sabe o que está dizendo... ela não me ama, estava me enganando – me fazendo de otário. Isso sim.
- Filho, eu não vou lhe castigar mais do que você irá se punir pelo resto da sua vida. Não sei o que vai acontecer quando você a encontrar outra vez. Nem sei se isso vai acontecer. Mas dentro de cinco ou dez anos, quando você refletir sobre esse incidente, vai rir da sua atitude e com certeza se arrepender muito pelo ato tresloucado. Na verdade, se você realmente a ama, vai continuar amando-a mesmo que ela se case com outro homem. Se o que você tinha é um desejo de posse, então já acabou.
- O senhor nunca sentiu ciúme de minha mãe?
- Sim, quando era mais jovem, sentia muito. Mas depois descobri que isso fazia sua mãe se sentir muito infeliz. Ela se sentia culpada de qualquer coisa. Vivia preocupada com tudo que pudesse me despertar ciúme. Se sentia como uma prisioneira, vigiada todo o tempo.
- E o que que senhor fez? Deixou de gostar dela? Deixou de sentir ciúme?
- Não, eu não deixei de sentir ciúme, mas apenas procurei demonstrar mais amor. Amo tanto a sua mãe que mesmo que se um dia ela dissesse que estava apaixonada por outro homem, eu iria tentar conquistá-la e provar a ela, que ninguém iria amá-la mais do que eu. Eu lutaria por ela, faria o que fiz...
- O que o senhor fez?
- Dei liberdade a ela para ser quem ela quisesse. Que só ficasse ao meu lado por amor, por que havia me escolhido. Deixei de ver em cada gesto dela uma provocação. Deixei que ela tivesse amigos do sexo masculino e que eles também fossem meus amigos. Dei liberdade para que ela fosse sozinha ao cinema ou com quem desejasse. Nunca perguntei a ela onde estivera ou com quem estivera. Foi isso que fez sua mãe continuar apaixonada por mim até hoje. Eu dei a ela o que nenhum outro homem seria capaz de dar: plena liberdade.
- Mas o senhor não teve medo de perde-la? Dela ser conquistada por outro homem?
- Sim, tive por um tempo.. mas cada vez que eu sentia esse receio eu pensava no que a deixaria mais feliz. Então enchia sua mãe de agrados, carinhos e amor. Quem é o ser humano que rejeita isso, meu filho? Em vez de querer que ela estivesse ao meu lado e só ao meu lado, eu me tornava melhor que qualquer outro homem dando a ela o que ela tanto desejava. Os seres humanso querem se sentir livres. E só se prendem ao que seu coração desejar. Jamais por imposição.
- Entendi meu pai... mas eu não tenho a sua idade... não tenho a sua experiência. Como poderei ser assim?
- Eu sei que leva um tempo. Mas se você compreender que se desejar ter pássaros ou borboleta em seu jardim, deve plantar flores, então saberá que para conquistar o coração de uma mulher, precisa se fazer desejável. Descubra o que ela gosta, descubra o que a deixa feliz e dê isso sem esperar nada em troca. Ela irá devolver todo esse carinho a amor a você, sem precisar você pedir.
Ficamos um bom tempo em silêncio. Meu coração ainda estava cheio de mágoa, raiva e um sentimento de traição me preenchia. Meu pai afagou minha cabeça e continuou.
- Não deixe que a raiva, a ira, o ciúme, a vingança tomem conta de seu coração. Se fizer isso não conseguirá amar ninguém nem será amado de verdade. Não queira que ninguém aja sempre do modo como você espera. Amar não é isso. Não queira tomar conta da vida, dos atos, dos gestos, das palavras das pessoas que você ama. Deixe que elas doem o que quiserem e tiverem para doar. Mas, se você desejar que uma pessoa ame exclusivamente a você, com certeza vai sofrer muito e nunca, nunca, será amado plenamente por ninguém.
- O senhor está falando como se fosse fácil. Sabe que não é...
- Sim, não é fácil, mas é o único caminho para a maturidade emocional. Se um dia você escolher uma mulher para amar, ame-a de verdade, faça o que sentir vontade de fazer e dê a ela a liberdade de amar você, do jeito que ela quiser ou souber. Se ela não souber, ensine-a com amor, com carinho. Se ela disser que não ama você, que não lhe quer mais e não lhe der mais atenção, então siga seu caminho, encontre outra pessoa. Mas seja como for, ame e deixe-se amar, não imponha regras, não imponha comportamentos. Isso não funciona. Procure sempre ver o valor da outra pessoa. Se você ama alguém que merece seu amor, então faça o que puder para conquista-la. Acho que foi assim que conseguir a melhor mulher do mundo ao meu lado... sua mãe, que me deu de presente você e seu irmão.
Abracei meu pai e pedi para ele me levar para ver minha ex-namorada – eu precisava pedir perdão a ela pelo que fiz. Também iria pedir perdão ao rapaz pois sequer eu sabia quem ele era. Ela não estava mais no pronto-socorro. Tinha recebido três pontos na testa e curativo. Nada havia se quebrado, felizmente. Soube também no hospital que o rapaz havia sofrido escoriações no rosto e nos braços, mas estava bem.
Os pais da moça não queriam chamá-la para falar comigo. Mas eu implorei tanto que eles a chamaram. Quando eu a vi, senti outra vez um enorme carinho por ela. Era a mulher que eu amava. O curativo horrível no lado direito do rosto e os olhos vermelhos provavelmente de tanto chorar não conseguiram ofuscar a beleza daquela menina. Tive vontade de me jogar aos pés dela pedir perdão... mas era melodramático demais... ela provavelmente nem acreditaria que era sincero o meu gesto.
Ela me olhou de cima a baixo e disse apenas algumas poucas frases que nunca irei esquecer enquanto viver.
- Mathias... eu amava muito você... o rapaz que você me viu abraçando hoje é meu primo que cresceu comigo e eu o não via há muitos anos... Por favor vá embora... eu nunca mais quero ver você, nunca mais... nunca mais!! Está ouvindo Mathias?
Eu nunca mais vi ou ouvi falar daquele menina que tanto amei. Se ela estiver lendo por acaso esta crônica, quero uma vez mais pedir-lhe perdão pois nem isso eu fui capaz de fazer naquele dia. Nem isso. Eu nunca soube se ela me perdoou. Provavelmente ela o fez algum dia. Mas é certo que jamais esqueceu da marca profunda que eu deixei em sua alma, muito além da pequena cicatriz deixada em seu rostinho lindo. Por favor... "......." perdoe-me, eu não sabia o que estava fazendo a você. Perdoe-me...
Esta uma das grandes lições que meu pai me deu até os dias de hoje.
Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor (*)
Site: http://www.somenteparamulheres.com.br/