MOTORISTAS E ÔNIBUS

- (personalidades na milícia da vida real)

Descobri mais uma pessoa que aprecia, como eu, o saudosismo. Gosta de lembrar coisas, fatos e pessoas do passado. Uma personalidade entusiasta e que tem, pelo menos neste aspecto um ponto comum comigo: o de recordar o passado e as coisas boas que a gente viveu nos idos da adolescência e juventude. Trata-se da Doutora Solange Abikahir, de Iúna. Advogada militante. Defensora Pública na cidade já mencionada, filha do saudoso e laborioso também advogado, que atendia nesta região, Doutor Nagem Abikahir - vétero amigo do meu pai. (Tenho também boas recordações dele, pois levei alguns processos para ele se manifestar, em sua residência, em Iúna, subindo escadas e aguardando-o na varanda-sacada, sempre com aquela paciência e boa vontade de descendente Libanês que era!).

Nas poucas horas que conversamos, enquanto preparava certo expediente de seu interesse, ela aguardava, debruçada na janela da escrivania cartorária, pude captar “cá, com meus ouvidos”, as suas delirantes narrativas, que fizeram parte de sua meninice e juventude, ocasiões em que, pode conhecer e se relacionar com diversas pessoas de Muniz Freire, pelas quais indagou-me. Aquele seu senso de humor sempre presente em suas falas e expressões a torna cativante e inteligente!

Lembrou ela de duas personalidades que militavam por essa Muniz Freire, como motoristas de ônibus: o senhor Odete e o senhor Ataíde. O primeiro, embora também fosse pessoa responsável e cumpridora de seus deveres, era mais sério. Já o senhor Ataíde, recordou a Solange, era uma personalidade que marcou mais por sua versatilidade no conversar, no contar casos e experiências por ele vividos nos embates das estradas poeirentas e barrentas que ele entrecortava com os ônibus da Real, no trajeto de Castelo - Muniz Freire – Iúna.

Não se esquece jamais dos períodos em que ela e sua irmã eram enviadas, por sua mamãe, até esta cidade para tratamento dentário, com o então protético (dentista prático), senhor Idílio Bozzi, cujo consultório era instalado nas imediações do atual Banco Sicoob. Recorda que sua mãe recomendava ao já mencionado motorista senhor Ataíde, na partida do ônibus, que “entregasse aquelas meninas” aos cuidados de sua irmã Odete Viana Soares, em Muniz Freire!

Esse veículo (imenso para a época), que conduzia passageiros desses municípios, era o elo de ligação diária dessas cidades interioranas do sul do Estado do Espírito Santo (hoje “entorno do caparaó”). Ainda continua sendo um elo, por estas plagas, neste século XXI, pois a linha da Empresa “Real” continua por aqui. Agora, com alguns ônibus mais modernos e bem melhores do que os das décadas de 1.940 e 1.950, que eram bicudos, geringonçados, cujas malas eram instaladas no seu teto do lado externo, onde os trocadores e motoristas tinham que subir numa escada também externa, para colher as malas e sacos dos passageiros – uma verdadeira “epopéia” na viagem que esses personagens da estrada realizavam para atender a todos e ainda por cima, aqueles estapafúrdios ônibus, eram denominados, nas mencionadas décadas, de “altos”. Quando despontava um na esquina, alguém dizia: “Lá vem o alto!”. Podiam contar certinho que era o ônibus que estava chegando!

Um outro motorista de quem também não esqueço, que tinha residência fixada em Anutiba, cuja família vim a conhecer em outubro de 1.987, quando passei a frequentar aquela Vila, pertencente ao município de Alegre-ES, foi o senhor ANTÔNIO BAUDSON, irmão do senhor Sebastião Filipe, Filipinho, Maria Baudson (“Maria Cacheada”) e outros (pessoas populares no Distrito Anutibense, que ainda vivem e residem naquela Vila!).

O senhor Antônio, que chegou a se aposentar como funcionário da Empresa “Real” fazia o seu trajeto de Muniz Freire a Alegre todos os dias, enfrentando buracos, poeiras e estradas barrentas, somando-se a todos esses óbices, a grande serra, na chegada de Anutiba, que se constitui ainda, um grande perigo do tráfego, naquela região, apesar do asfalto, devido ao seu grau de declive, muitas curvas e escavamentos laterais, causados pelas chuvas, que deixam tremendas crateras. Tudo isso, sem falar na antiga “Ponte da Santa Fé”, de madeira, estreita, perigosa e que não oferecia grandes condições de uso, que atualmente, com o advento do asfalto, foi substituída pela portentosa ponte de cimento ali existente. (Esta ponte localiza-se acerca de 400 metros do lugar denominado Departamento, onde reside um motorista, extremamente conhecido por estas plagas, atualmente aposentado e egresso da mencionada Empresa Real, senhor FRANCISCO FERNANDES FILHO - mais conhecido como Alemão, a quem também prestamos nossa humilde homenagem, em função de parte de sua vida dedicada às estradas e de largos serviços prestados às diversas classes sociais que ajudou transportar, por anos a fio, como “az” do volante, juntando louros, com os seus pares aqui também prestigiados e lembrados! Segundo este último, falando com muita seriedade “aquela época a gente trabalhava muito e com mais dificuldade que os motorista do presente!” Há que se fazer menção de outros motoristas, também aposentados, radicados no distrito de Piaçu (Muniz Freire-ES), o que é justo lembrar deles, a saber: senhores GÉSIO FRAGA e ONOFRE FIALHO PINHEIRO, que também honraram os uniformes da Real e sofreram também, à flor da pele, as intempéries que o ofício de motorista lhes trouxe!

Dos motoristas e dos ônibus aqui mencionados, nada tenho mais a narrar. Mas, da Doutora Solange, tenho a acrescentar que ela foi quem me motivou a escrever este artigo e espero que volte por aqui, para recordar o seu passado salutar, de espírito nostálgico como eu, para que a gente possa por em preto e branco, o que for útil e o que valha a pena revivescer, transformando em histórias os fatos, coisas, ocorrências e personalidades da labuta da vida real.

Muniz Freire, 30 de maio de 2.004

Fernandinho do forum