“COMO SE EU ESTIVESSE LÁ”
No final de 1986, eu então com 14 anos, a “galera do Rock” que eu frequentava não estava me fazendo bem. Era muita brincadeira de mau gosto, muita cerveja (Eu nunca gostei de álcool), muita zoação humilhante, mexia-se muito com as pessoas na rua, arrumava-se muita briga e, por conta disso, sábados e domingos que deveriam ser de alegria acabavam se tornando finais de semana de dor de cabeça, esporro e castigo dos pais. Enfim, aquilo não tinha nada a ver comigo. Sempre fui um cara muito brincalhão, zoador, mas tem certas coisas que, mesmo com catorze anos, eu nunca admiti. Portanto, decidi mudar de galera, e até sair sozinho talvez fosse melhor.
No sábado seguinte a ter parado de sair com a tal galera do Rock, encontrei com dois amigos que cresceram junto comigo, vizinhos de rua, mas que depois dos 10 anos nunca mais tínhamos conversado e trocando uma idéia maneira,descobrimos várias afinidades. Pronto, estava formada uma nova galera. Era tudo que eu queria, porque, venhamos e convenhamos, sair sozinho para a balada, aos catorze anos, ou pior, em qualquer idade, é um porre.
Assim, já naquele sábado marcamos uma balada e no domingo também. Interessante que naquela época não haviam muitas opções de divertimento, com boa música, preço barato e “florido” de mulheres. Na verdade, as periferias das cidades sobreviviam de divertimento proporcionado pelos famosos “Bailes” de sábado e domingo. Estes aconteciam geralmente em ginásios de clubes ou de colégios, e custavam muito pouco, coisa de R$ 1,00 a R$ 2,00 nos valores atuais, arrebatando muitas vezes mais de 5.000 jovens que iam curtir um som, trocar uma ideia maneira e pegar umas minas. O tipo de som variava muito, havia aqueles bailes que em uma noite rolava desde música eletrônica (balanço no palavreado da época, as famosas melôs), música lenta (para dançar com as minas) e até rock nacional e internacional para encerrar todo o evento. Eram noites agradáveis, de curtição e paz. A preocupação era dançar, curtir, conversar, azarar, pegar umas minas e voltar para casa na maior alegria, já desejando que chegasse o próximo final de semana para, novamente, ter tudo aquilo de novo.
Bem, receita perfeita para as minhas pretenções, assim passei a frequentar o famoso baile do “colégio Fluminense de Eden”, em São João de Meriti, sem faltar um dia. Foram momentos de muita alegria, divertimento total e grandes amizades. Estes meus dois amigos se revelaram, de fato, amigos de verdade, que dividiam tudo: grana, conversa, cigarro, angústias, tristezas e alegrias, aliás, na maior parte do tempo, estavam sempre muito alegres. Juntos nunca arrumamos uma briga ou até nos desentendemos entre si, e mais, saímos sempre juntos para todo lado, zoando muito, mas tudo dentro da zona de respeito ao próximo e, acima de tudo, respeito à nossa amizade, que até posso dizer que era coisa de irmão de sangue. Tenho muitas saudades do amigo Edson (apelido:Turu) e do saudoso Ubiracy (apelido: Dum). Foram praticamente 2 anos de muito divertimento; um dos períodos mais felizes da minha vida.
Um outro aspecto dessa minha revolta com o rock é que acabei por descobrir um novo som, um novo estilo de música que acabei por me apaixonar até os dias de hoje. O famoso Balanço, na verdade, era o MIAMI BASS, variante do RAP AMERICANO cantado e dançado basicamente pelos negros da Flórida, especificamente em Miami. O que os babacas daquela galera de rock me sacaneavam, dizendo que eu tinha passado a ouvir e dançar “Tucu Tucu”, na verdade era um estilo musical que conseguia fazer 10.000 pessoas dançarem e se divertirem por mais de 3 horas sem parar um minuto. Estes babacas nunca entenderam de alegria e desconfio que até hoje conservam a nuvem negra que eram suas vidas aos 15 anos, tendo hoje 40. Eu fui feliz e, na verdade, sempre que me lembro daquela época, é impossível não sorrir e ter todas aquelas sensações vivas de mais de 25 anos atrás.
Calma, calma... o Marcelo Smith continua roqueiro completo. Na verdade, nem naquele período eu deixei de ouvir Beatles, Ozzy, Iron, Rush e Van Halen. Eu só tive uma pequena “revolta”, coisa de moleque rebelde adolescente, que desde aqueles tempos a única e exclusiva preocupação era ser feliz. E eu acho que consegui, pois com 40 anos, 25 anos depois disso tudo que escrevi, quando ouço estes sons, o sorriso de menino volta para o rosto como se eu estivesse revivendo aqueles momentos.
O que eu não sabia e só descobri mais tarde é que o MIAMI BASS é a origem pura do “funk lixo carioca”. Infelizmente, uma música que era muito legal, que tinha arte, se transformou, por razões meramente financeiras e comerciais, neste troço, coisa ruim, sem cultura, sem sentido, sem porra nenhuma a nos acrescentar. Enfim, a coisa mudou para fazer pessoas sem cérebro cantarem um som sem objetivo, sem nada, vazio. É LAMENTÁVEL, como diz o meu querido pai H.P...