Meninos de Rua
Resumo do artigo
Questões sobre o desenvolvimento de crianças em situação de rua
De: Claudio Simon Hutz e Sílvia Helena Koller
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Trata da contradição de algumas pesquisas que apontam que a situação de rua retarda o desenvolvimento da criança, enquanto outras dizem que não. Diante disto o CEP-RUA (Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua)/UFRGS vem desenvolvendo vários estudos sobre o desenvolvimento emocional, cognitivo e social destas crianças. Os resultados destes estudos têm revelado que crianças em situação de rua apresentam altos níveis de stress e de exposição a riscos pessoais e sociais. Porém, constatamos que elas desenvolvem habilidades para lidar com o stress e com os riscos, compensando suas dificuldades com estratégias que exigem competência e autonomia.
Chama a atenção para a falta de modelos teóricos e pesquisa empírica sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes que vivem em situação de pobreza. A grande maioria dos estudos normativos sobre o desenvolvimento psicológico tem sido feita com crianças e adolescentes brancos de classe média.
O desenvolvimento psicológico, devido às experiências adversas a que estas crianças estão expostas, como adições, violência e exploração. Paradoxalmente, a vida na rua pode possibilitar experiências que se adicionam e promovem o desenvolvimento.
Crianças de rua têm sido descritas como marginais, doentes, violentas, sujas e delinqüentes. Exemplo disto foi o exercício onde foram testadas crianças em situação de rua e crianças que freqüentavam uma escola particular. Solicitado às crianças que primeiro desenhassem primeiro a si mesmos e depois de uma criança do outro grupo. As categorias observadas nos desenhos foram: expressão facial, presença/ausência de sapatos, de mãos, e de roupas, aparência geral (sujo/limpo), postura, cenário, acessórios e objetos nas mãos. A comparação entre os desenhos revelou muitos aspectos estereotipados. As crianças de rua foram representadas pelas de escola como sujas, negras, mal vestidas e sem sapatos, com roupas rasgadas, carregando drogas nas mãos e pedindo esmolas em esquinas, às vezes sentados ou deitados. As crianças de escola foram representadas pelos de rua como bem-vestidas e calçadas, limpas, de pé e carregando sacos de dinheiro nas mãos. Quando desenham a si mesmos, as crianças de ambos os grupos fazem desenhos de figuras humanas alegres, vestidas, limpas, com sapatos, sem objetos nas mãos, de pé e de frente e com acessórios. Estes resultados revelam a discrepância entre como as crianças em situação de rua se vêem ou gostariam de ser vistos e como são vistas pelas crianças das escolas.
Crianças em situação de rua são seres humanos em desenvolvimento, que podem apresentar algumas características psicológicas sadias, apesar das dificuldades impostas por um ambiente hostil. E usam de estratégias para superar essas dificuldades estabelecendo relações de amizade que sejam protetivas, mesmo que instáveis e erráticas, mas que possibilitem alguns cuidados mútuos e reciprocidade.
Os dados revelaram que os meninos recebem menos ajuda, transgridem mais as regras sociais e avaliam sua situação como mais crítica do que as meninas. Esses achados reforçam a posição de que cada sexo encontra estratégias de ação diferentes quando se deparam com problemas da mesma natureza e estão expostos a situações de risco diferenciadas.
Desenvolvimento Cognitivo de crianças em situação de rua
Os vários estímulos que a rua apresenta, exigem que a criança esteja atenta e preparada para manter a sua integridade física e sua sobrevivência.
conforme concluem Koller e Hutz (1996, p.14), "o viver na rua não impede o desenvolvimento de valores e não gera deficiências morais específicas em crianças e adolescentes".
Em um Projeto de Oficina-Escola, no qual mantinha Oficinas de Matemática, observou-se que os adolescentes com baixa escolarização e história de rua, tinham mais facilidade de aprender aritmética se fossem utilizados estímulos como moedas e dinheiro em geral. Com esta estratégia tornava-se mais fácil ensinar somas e multiplicações para os adolescentes. Neste mesmo Projeto de Oficina-Escola, observou-se que os meninos aprendem com muita facilidade a trabalhar com computadores. A música, por sua vez, tem forte relação com sua criatividade. A perspectiva de participar de um festival de rap estimulou-os a aprender a escrever, para inscrever as letras de suas músicas, apresentar-se e ganhar os prêmios. A utilização destas estratégias no ensino têm se revelado muito úteis com estas crianças e adolescentes.
Desenvolvimento emocional de crianças em situação de rua
Comparados os índices de depressão entre crianças de rua e de nível sócio-econômico baixo. Os resultados deste estudo mostraram que não há diferença entre estes grupos, ou seja, crianças de rua não são mais deprimidas do que crianças pobres que continuam vivendo com suas famílias e freqüentando escolas.
Do ponto de vista emocional, a saída de casa pode representar o fracasso total do apego que um indivíduo tinha com as pessoas de sua família e desta para com ele.
verificou que um terço dos adolescentes de sua amostra saiu de casa porque não tolerava a ausência física do pai. Revelavam que desde que o pai se foi e eles se tornaram adolescentes, o nível de exigência e cobrança para com eles tornou-se intolerável. Relatavam, em geral, que a mãe passou a exigir que eles assumissem o sustento da família no lugar do pai, papel para o qual eles ainda não se sentiam competentes.
Alguns deles referiam que saíram de casa, porque consideravam mais fácil, na sua idade, tomar conta de si próprios sozinhos na rua, do que ter que cuidar de toda a família.
Outro caso, de um irmão mais novo do que o menino que estava na rua, que revelou estar sofrendo abuso sexual permanente de sua mãe e padrasto, enquanto que seu irmão revelara ter saído de casa por não tolerar ser vítima de abuso. Um outro menino que, após relatar as constantes tentativas de abuso sofridas, afirmou: "um dia tomei uma atitude de adulto e saí de casa". Esta frase ilustra a hipótese de que a saída de casa pode ser resultado de fortalecimento de um indivíduo resiliente, que prefere sair às ruas e buscar a sua própria sobrevivência do que se submeter aos abusos dentro de casa. Os irmãos que ficam podem ser mais vulneráveis do que eles. Na presença destes relatos.
Os achados destas pesquisas têm sido utilizados na promoção de programas de prevenção e intervenções na comunidade. Uma alternativa para a casa que garanta a sobrevivência e a segurança para os(as) meninos(as) que estão na rua deve ser encontrada, uma vez que a rua, apesar de desenvolver alguma sabedoria não é o lugar ideal para qualquer ser humano viver.
Desenvolvimento físico de crianças em situação de rua
Seria também fundamental investigar que processos ou variáveis psicológicas protegem algumas dessas crianças, permitindo ajustamento emocional e o desenvolvimento da competência social, apesar das circunstâncias extremamente desfavoráveis em que vivem.