A FEBRE DA BANDEIRA
Por
Frassino Machado
Foi preciso que chegasse a Portugal um honrado cidadão brasileiro – Filipe Scolari, de seu nome, especialista distinto na arte de bem jogar futebol e, por isso mesmo, campeão do mundo em título – para que se assistisse a uma enorme e espontânea onda de patriotismo como já há várias décadas se não via no nosso país. Não há de momento avenida, rua, viela, praça, largo ou praceta onde se não descubra a esvoaçar ao vento aqui e além a bandeira da Nação. E nas varandas, nas sacadas, nas janelas e telhados, raros são os locais que não ostentam orgulhosamente ao vento a materializada alma da Nação Portuguesa. E não há estrada ou passadiço por onde, minuto a minuto, não circulem automóveis com a mesma bandeira a esvoaçar. E as pessoas ? Até elas, muitas delas, mostram pendente no seu peito com vaidade o nacional crachá.
Pensamos que desde o histórico vinte e cinco de Abril se não viam arvoradas ou expostas tantas bandeiras nacionais. Nem mesmo durante a épica Expo 98 – de repercussões universalistas – se assistiu a este fenómeno tão singular quanto espantosamente significativo !
Que razão estará na origem desta tão espontânea manifestação patriótica ? Apenas futebol ? Só porque se está realizando neste país o Campeonato Europeu de Futebol 2004 ? Será só por isso ? Mas todos sabemos que o futebol, caracteristicamente considerado, no fundo, não tem uma dimensão tão pluralizante no seio da sociedade como parece transparecer à primeira vista. Na generalidade, as classes juvenis e de meia idade, e outras franjas minoritárias, é que se entusiasmam com mais espontaneidade nos grandes momentos top do desporto rei. Da mesma forma há uma maior tendência para que seja o sexo forte o mais entusiasta nesta causa... Mas, então , qual será a verdadeira razão pela qual todos, novos e velhos, se estão entusiasmando ?
A verdadeira razão desta autêntica bandeiromania está, quanto a nós precisamente numa já velha « fome de Pátria ». Nunca como durante o vinte e cinco de Abril de 1974, mais uma vez o afirmamos convictamente, um tão forte abalo social, como este, surgiu por todo o território. E o espanto que há em tudo isto é que este movimento não foi impulsionado – à maneira da política – por activistas escolhidos para esse efeito. Não. Não houve necessidade de grandes iniciativas, de verbas envolvidas, de negócios oportunos, nada. Alguém falou, lembrando a força imparável dos movimentos colectivos para uma causa nacional e o fenómeno aconteceu, numa emergência espontânea sem precedentes !
Mesmo que a selecção portuguesa não consiga atingir a glória dos eleitos, isto é, um lugar no pódio, pelo menos – já que tem condições minimamente suficientes para o conseguir – a alma da Nação está mais que agitada e sensibilizada, não só para apoiar a Equipa de todos nós, dentro e fora dos Estádios, mas para descobrir energia quanto baste no sentido de fazer valer a sua auto-estima ( bela lição para todo o mundo político ! ) e de descobrir forças anímicas capazes de levar os portugueses na direcção da conquista de novos feitos e horizontes.
Contem ou não os resultados, goste-se ou não das exibições futebolísticas dos nossos participantes, Scolari, o grande Filipão, já ganhou uma saborosa batalha! Os portugueses ficar-lhe-ão eternamente gratos por, com toda a naturalidade, lhes fazer sentir que há valores, para além do Futebol e do Desporto em geral que, na sua profundidade, representam verdadeiramente uma dimensão motivadora que não conhece fronteiras.
Lisboa, 16 de Junho de 2004