O namoro na perspectiva da antropologia cristã
Mara Rosa, 2004
Creio que outros vão escrever mais diretamente sobre o “namoro cristão”; quero fazer uma rápida abordagem do tema no plano humano, decorrente de uma visão positiva da filosofia cristã, cujo centro da atenção é a pessoa humana e seu caminho para a felicidade.
Faz parte da lógica consumista do capitalismo moderno apresentar a vitrine fetichista do comércio formal e informal, de maneira mais ousada nos shopping’s centers, como espaço do descartável. Os produtos, embora bonitos e requintados, em grande parte são descartáveis. Fabricados para serem consumidos rapidamente, devem ser substituídos por novos exemplares que a cada momento são inseridos nas prateleiras reais e virtuais do mercado, obedecendo à lógica do muito consumir. A cada ano surge uma infinidade de modelos novos de celulares e outros bens na área da eletrônica que povoam o imaginário dos humanos consumistas.
Essa perversidade que engalfinha milhões de dólares a cada dia está impregnando cada vez mais o inconsciente coletivo da humanidade, sobretudo no Ocidente: berço esplendido do consumismo. Trata-se da lógica do descartável: usa-se enquanto lhe agrada e faz bem, depois joga-se fora e busca-se outra opção que lhe satisfaça melhor aos instintos.
Tal realidade se materializa em mentalidade, em pensamento. Isso passa a reger o mundo humano e interfere drástica e profundamente na concepção de pessoa, de Deus, da natureza e da sociedade. Lamentavelmente a pessoa humana também está sendo colocada na vitrine, como objeto de consumo.
A mentalidade de prevalência do prático, acredito, tem favorecido uma mentalidade utilitarista e hedonista das coisas e passado dessas para as pessoas. Estamos vendo saltar aos nossos olhos as conseqüências desta mentalidade. Da mesma maneira que as pessoas trocam de aparelho celular a cada modelo novo que chega às lojas, muitos(as) estão trocando de relacionamentos afetivos a cada impulso dos sentidos em direção às possibilidades de novas aventuras e novas expectativas de prazer.
Tanto no namoro quanto no casamento percebe-se tal desastre humano. A raiz do problema não está basicamente na perda dos valores morais. É mais profundo. É uma questão de mentalidade. A concepção de pessoa humana está se nivelando com a concepção que temos das coisas e do seu conseqüente uso.
O namoro que brota entre dois jovens de sexos opostos é sempre acompanhado da mentalidade que ambos trazem consigo. Quando estes possuem uma concepção humana frágil, inegavelmente o relacionamento será igualmente frágil e possibilitará o aprofundamento das negatividades de alguns aspectos já decadentes.
A fase do namoro, ideal e moralmente objetivo, é um período excepcional para o conhecimento de duas pessoas, geralmente jovens, de sexo oposto. O namoro é um período na vida dos namorados que lhes permite se conhecerem melhor. Isso é fundamental para o alicerce de uma nova família que se quer sólida.
A prática do namoro evoluiu muito nas últimas quatro décadas. Não foi uma evolução ruim. Afinal, não dá para pensar o namoro nos moldes das primeiras décadas do século passado. Com a abertura dos últimos tempos e a igualdade de direitos estabelecida entre o homem e a mulher, bem como a quebra do tabu que circundava a questão sexual, abriu-se as portas para uma nova prática do romance amoroso entre os namorados. O erro não está na abertura, mas no mau uso da liberdade, face à mentalidade do descartável que está tomando conta da sociedade.
O estilo do namoro antigo tem muito em comum com o namoro dos nossos tempos: a falta de conhecimento um do outro. O namoro antigo não permitia nenhuma espécie de contato físico; a conversa entre os dois não existia, o estar só era impossível, etc – não se conheciam. O namoro moderno e avançado permite tudo: o sexo livre, o aborto, a depravação, etc – também não se conhecem como pessoas.
O final do filme todos nós conhecemos: corações machucados, magoados e infernizados com a síndrome da dependência sexual e outros males. A sociedade ainda é machista; por isso o Pe. Zezinho tem razão quando compôs a música “Laranja Lima” e nos diz que no namoro errado é a mulher quem sofre mais. Deve ser muito triste a ressaca do pós-namoro pagão, quando a consciência advertir que a jovem foi usada ou que usou o outro simplesmente por prazer, tendo se acobertado, para tanto, na falsidade e na mentira.
Estamos vivendo um mundo carente de valores. Além da mentalidade do descartável que favorece o hedonismo utilitarista no namoro (para muitos o trivial “ficar”), temos a elaboração de um ambiente cultural de morte que se expressa na música mundana, no teatro e no cinema também mundanos que apregoam os contravalores como sendo determinantes para a felicidade. Aí está o engano, pois se trata de uma mentalidade distorcida da pessoa humana. É a crise antropológica (a pessoa humana não se interroga sobre o seu fim). É a evidente falta de consciência do que é a realidade da pessoa humana e o que é realmente a felicidade para a qual a pessoa humana foi criada.
O que fazer para viver o namoro coerente e de maneira cristã? Olhar para Jesus Cristo, o modelo antropológico perfeito. Olhar para o testemunho de tantos casais que vivem o namoro correto e santamente. Não tenho dúvidas, os casais de namorados que viveram santamente o seu namoro viverão santamente o seu casamento. Afinal, a conquista da felicidade não se dá sem sacrifício, renúncia e entrega consciente. Onde há o amor não há a dor. “Felizes os puros de coração porque verão a Deus” (Mt. 5, 8).
Prezados jovens cristãos, sejam vocês o alicerce da construção da “civilização do amor” (Paulo VI) e da concretização de uma vida feliz a partir da santidade e do respeito à pessoa do outro. Deus os abençoe.
Pe. Adair José Guimarães