EDUCAÇÃO SEXUAL NO ENSINO BÁSICO

Este artigo não tem um caráter de queixa ou denuncia, mas tem como propósito saber se há professores que assiduamente lêem revistas educacionais, que tiveram experiências semelhantes, e que possam compartilhar conosco problemas e soluções, sobre a orientação sexual na escola básica.

Fala-se em educação sexual no ensino básico em várias escolas em todo país. Discute-se até se, o termo adequado é orientação ou educação. O próprio Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) emprega o termo orientação. (PCN’s, 1998, p. 293) “A orientação sexual na escola é um dos fatores que contribui para o conhecimento e valorização dos direitos sexuais e reprodutivos. Estes dizem respeito à possibilidade que homens e mulheres têm de tomarem decisões sobre sua fertilidade, saúde reprodutiva e criação de filhos, tendo acesso às informações e aos recursos necessários para implementar suas decisões”.

Seja qual for o nome em vigor nas diversas regiões do Brasil, o fato é que, um conteúdo abordado de forma multidisciplinar em unidades educacionais que não consta a “educação sexual” como disciplina na matriz curricular existe, ainda que de forma precária.

Constatamos em nossa prática pedagógica a dificuldade em transmitir os conteúdos, a partir da visão que a escola tem sobre sexualidade humana, principalmente quando ela é uma instituição confessional. A sexualidade é vista como pecaminosa, e o ensino ao abordar a higiene corporal como meio de prevenção para ISTs é considerado por alguns pais de alunos como conteúdo pornográfico. A “sacralização” da sexualidade é algo que tem embotado à qualidade, prejudicado a transmissão de forma natural, sem preconceitos, elaborada, conduzida por profissionais que muitas vezes não têm capacitação e estrutura emocional satisfatória.

Experimentamos recentemente a reação de um pequeno grupo de pais que um a um entrou em contato com a coordenação, quando trabalhamos na disciplina Filosofia, a sexualidade com o tema “Descobrindo a sexualidade”, onde enfocava o corpo humano, descobrindo a sexualidade e, prevenção. O SOE entrou com a parte de prevenção, usando recursos áudio-visual com data-show, folhetos, livros, etc.. Esses pais falaram que a prática docente da professora de filosofia era inadequada, chegando a chamar pornográfica, e ficaram indignados pela nossa ousadia.

Elaboramos uma apostilha que não pudemos imprimir e distribuir. Na primeira aula, procuramos saber de cada turma que assuntos eles gostariam de estudar e, na medida em que eles iam apontando os temas, fomos colocando em ordem de prioridades a partir de suas escolhas. Trabalhamos esses conteúdos no estilo perguntas e respostas. Como a abordagem não foi calcada na leitura direta em sala de aula de livros, como faz o professor de biologia, os pais acharam que isso não era didático, que nós não tínhamos qualificação para trabalhar a educação sexual, que culminou curiosamente, por esse motivo ou não, com a nossa saída da instituição. Solicitamos esclarecimentos à direção da escola, não quanto à demissão, mas quanto a questionamento da nossa competência, na qual transcrevo abaixo alguns trechos da carta.

Em que base pode-se definir como pornográfica a prática de ensino em educação sexual? Solicitamos esclarecimentos “quanto à definição e diferença entre pornografia e a prática de ensino em educação sexual”. Quais os critérios para se definir se um professor tem competência e capacidade para trabalhar o conteúdo em sala de aula?

Concordamos que é um assunto polêmico, que envolve questões de foro íntimo, mas a escola tem o dever de orientar os alunos e esclarecer suas dúvidas a esse respeito, pois a educação sexual que é transmitida pelos pais, muitas vezes é confusa, distorcida e omissa. Poucos são os pais que trabalham a sexualidade com os filhos numa visão clara, objetiva, dentro das necessidades de cada membro. Ainda assim, é dada pelos pais, de uma forma ou de outra, mesmo que nunca fale. Estará enfaticamente dizendo que ela suja e, etc. O trabalho da escola não sinaliza apenas para a prevenção de Aids, com os métodos contraceptivos, para evitar as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), mas, a descoberta do próprio corpo e da sexualidade. Essas são questões a serem abordadas em sala de aula.

Como afirma Paulo Freire em seu livro Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa (2004, p. 38-40) que “educar é uma atividade de risco, que envolve uma reflexão crítica, capacidade de avaliar o próprio conhecimento, sua segurança em transmiti-lo e de avaliar a influência socializadora que a escola possui. O professor deve também ensinar a pensar certo, sendo a prática educativa em si um testemunho rigoroso de decência e pureza”. Nesse ponto, questiono em que bases puderam acusar a minha prática educativa de pornográfica, por alunos com interpretações dúbias e por seus pais?

O papel da família é educar, e isso inclue educação sexual. A escola cabe a orientação sexual como meio de complementar, mas ao contrário, a escola tem assumido o papel de educar e orientar pela ausência ou pela educação deficiente dada pelos pais. Rosely Sayao em seu livro A educação sexual nossa de cada dia. Série Idéias n. 28, São Paulo: FDE, 1997. p. 269-281 afirma: “E quem são, afinal os responsáveis por uma educação sexual que permita uma visão consciente da sexualidade (...) claro que os primeiros e principais responsáveis são os pais (...) E quem são os adultos que, pelo menos em tese, deveriam aliar-se aos pais nessa difícil tarefa de educar? Os professores, claro!

Certa aluna perguntou-nos sobre como é ter uma relação sexual. Respondemos que está é uma atribuição dos pais e não dos professores, que ela deveria perguntar ao seu pai e a sua mãe. Outros questionamentos igualmente importantes foram feitos, um deles é a antiga pergunta quanto a virgindade e o preconceito. Nossa resposta foi a de que o valor de uma moça não está em sua virgindade, no himem, uma membrana que a natureza fez para ser rompido posteriormente.

O educador que trabalha a sexualidade humana em sala de aula precisa, antes de tudo, ser alguém resolvido quanto a sua sexualidade, e ser alguém ajustado o suficiente para responder com clareza, e ter o cuidado para não influenciar o alunado a partir das suas experiências pessoais, sem preconceito, numa linguagem clara, objetiva e dentro de uma conduta moral e espiritual, sem no entanto, dogmatiza-la, enquadra-la dentro de um contexto religioso, ainda que concorde que, a religião é um dos freios da humanidade, o outro é próprio processo civilizatório. Quando falamos em conduta moral e espiritual estão implicitas a formação religiosa do educador e seu nível de compreensão e experiência.

Novamente Rosely Sayao afirma: "Conhecer os próprios limites, reconhecer a complexidade do tema e exercer seu papel com dignidade: é dessa maneira que o professor pode contribuir para que os alunos possam saber que o sexo é natural, que pode dar prazer, mas que, para que isso aconteça é preciso maturidade e responsabilidade. E que isso não nasce junto com o tesão, mas se aprende." Quando deixei de ser cristã ou de agir com integridade no exercício do magistério, por estar ensinando orientação sexual?

A educação sexual não pode ser trabalhada de forma afunilada, com um programa pronto pelo MEC, e difundido em todo país, sem uma visão da estruturas socioeconomicas de cada região. Mas, ela precisa ser contextualizada, respeitando os parâmetros de conduta de cada grupo social, sem no entanto, omitir-se de trabalhar a sexualidade numa tentativa de eliminar a discriminação e o preconceito. Levando o aluno a uma compreensão das diversidades e ensinando-os a respeitar os individuos a despeito de suas preferências sexuais, e etc.

A disciplina Filosofia, assim com Sociologia, Ética, etc., em sua atual conjuntura educacional contempla conteudos com ética, cidadania, orientação sexual, além de conteúdo estritamente filosóficos e sociológicos mas, dentro da compreensão do alunado. Trabalhar a sexualidade humana na escola é uma questão de prevenção, de segurança, incluindo o uso de contraceptivos, de higiene corporal, além da prevenção contra as ISTs, AIDs e uso de drogas, etc.

Dessa forma, concluo que trabalhar o tema, quer seja com tema transversal ou como disciplina no contexto escolar, precisa de uma prévia capacitação, que envolve a direção, a coordenação, os professores em primeiro lugar. Em seguida, trabalhar os conteúdos com os pais dos alunos para que eles estejam cientes do que será transmitidos em sala de aula. Proponho ainda, que os alunos cujos pais não se sentirem a vontada para que seus filhos receberam orientação sexual na escola, seja por ideologia, crença, etc., não sejam obrigados a participar das aulas, conferindo-lhes uma pesquisa ou outra disciplina em que compesem as faltas.

Se houver professores nesse site que tenham experenciado tais situações, por favor entrem em contato conosco.

Cristina Nóbrega

05/02/2007