O CARNICEIRO
O CARNICEIRO
Por Aderson Machado.
Em respeito ao amigo leitor, a princípio sugiro que não leia este texto quando estiver prestes a fazer as principais refeições do dia – almoço ou jantar -. Conselho de amigo.
Pois bem, quando eu era menino, havia, na minha vizinhança, um homem conhecido por Lozinho. Por sinal, quando ele casou, a festa do seu casamento aconteceu em um salão pertencente ao meu pai. Por essa época, eu tinha seis ou sete anos de idade. O noivo, por sua vez, se aproximava dos trinta anos, tinha uma boa saúde, e era um trabalhador incansável, destemido, além de ter uma compleição física invejável. Apesar de tomar umas-e-outras nos finais de semana, não era um homem truculento, brigão, ou coisa que o valha. Muito pelo contrário: era uma pessoa pacata, amável, dócil e, acima de tudo, respeitadora.
Enquanto serviçal, trabalhava a semana inteira nos serviços da roça, que não eram moleza. Era um trabalhador braçal, a bem da verdade.
Como homem, era um bom pai, bom esposo, gostava de conversar e ouvir histórias.
A propósito, Lozinho costumava ir à nossa casa, à noite, e ficava a conversar com os meus genitores, bem como com quem aparecesse lá em casa. Essas conversas se estendiam até por volta de 22 horas, porquanto os meus pais costumavam dormir cedo, e a gente os acompanhava. Durante esses papos, confesso que eu era apenas um ouvinte.
Feita esta preleção, agora vamos ao que interessa.
É que corria um zunzunzum dando conta de que Lozinho tinha o costume, aliás, o mau costume, de comer carne de animais que morriam de morte natural, ou seja, de doenças as mais diversas. Porém a gente relutava em acreditar nessa história, até por se tratar de um fato um tanto quanto absurdo.
Mas um dia esse mistério foi desvendado de uma vez por todas. Foi quando, em uma das noites em que ele foi ter à nossa casa, minha mãe comentou, lamentando, que havia morrido, pela manhã, um de seus perus, que, por sinal, estava bastante gordo.
Ouvindo esse relato, incontinenti, Lozinho foi logo perguntando: Dona Dezinha, aonde a senhora jogou o peru? Quando mãe lhe informou o local, imediatamente ele pegou de uma lanterna, e foi à procura do peru morto.
No dia seguinte, ao passar lá em casa, mãe perguntou-lhe: Lozinho, deu ainda para comer o peru? E ele: Dona Dezinha, nunca vi um peru tão gostoso! Comi ele todinho. E tem mais: quando morrer outra criação da senhora, não enterre nem jogue no mato. É só me avisar, que eu venho buscá-lo na mesma hora!
Acontece, porém, que a história do peru foi pinto em relação à outra que fiquei sabendo dias depois.
Com efeito, Assis Belmino, meu primo e vizinho de propriedade, tinha um porco que morrera de tétano, e já estava enterrado havia três dias. Ao tomar conhecimento do caso, Lozinho foi procurar Assis pra saber onde ele tinha enterrado o suíno. Ao saber, de imediato foi lá, desenterrou o animal, que já estava em estado de putrefação, e, pasme, Lozinho ainda aproveitou boa parte do porco. Comeu, e, mais uma vez, não teve nada. Sequer, uma dor de cabeça!
A bem da verdade, devo esclarecer que Lozinho comia esse tipo de carne devidamente cozinhada, como outra qualquer, e que não comia sozinho, pois a família toda também comia.
Já adolescente, e dando uma de repórter, tive a oportunidade de entrevistar Lozinho sobre esse estado de coisas. Uma das perguntas que fiz a ele foi a seguinte: Lozinho, já que você come animal apodrecido, praticamente você come todo tipo de animal, é verdade? Aí ele não se fez de rogado, e foi logo respondendo: Aderson, a bem da verdade, eu só não como dos ares, urubu, e do chão, cururu. O resto eu como tudo...
Não sei até quando Lozinho continuou com essa sua mania de comer animais que, com certeza, a vigilância sanitária não recomendaria.
Há muitos anos eu perdi o contato com o protagonista deste texto. Porém sou sabedor de que ele está vivo, e certamente gozando de alguma aposentadoria. Lamento saber que ele perdeu a esposa e o filho mais velho há alguns anos.