= Velho Rajota =

Na década de setenta, morávamos, eu e a minha família, em Patos de Minas.

Meu pai escrevia artigos em vários jornais do país, inclusive jornais local. Raimundo Jose Tavares, (Rajota) como ele era conhecido. Trabalhava a anos no IBGE onde veio a se aposentar.

Era ele um autodidata, escrevia crônicas, artigos, poesias e tudo que vinha em sua cabeça. Fora professor de português, frances e latim. Como seu filho e amigo, eu era (e sou) o seu fã, alias eu e toda a nossa família. Certa vez, ele foi procurado por um senhor, simples da zona rural, que fez a ele o seu desabafo. Disse ele: _O senhor que é o “Rajota”? _ Sim senhor; -respondeu pai. _Em que posso ser-lhe útil? _Me disseram que o senhor escreve, com grande credibilidade, no jornal, é certo? _ Modestamente. _ Bom, o meu caso é o seguinte, levei a minha filha, uma criancinha, ao hospital, não sei se por desamor ou desinteresse, deixaram ela sem atendimento e ela sofreu muito. (Não sei dizer ao certo se ela veio a morrer acho que sim). _Meu pai ficou indignado, tratou logo de escrever um artigo onde narrava aquele repugnante fato. Acabou de escrever, usando de toda a verdade que ele ouvira, pediu para aquele pai, com razão, revoltado, para que aprovasse e se fosse exato aquela narrativa, que assinasse junto a ele, assim repartiriam a responsabilidade. Ele leu, aprovou e assinou. No dia seguinte o artigo já era tema de repudio da sociedade. Os médicos se revoltaram, fizeram uma reunião extraordinária, e decidiram, unanimemente, a escrever uma carta para o meu velho e corajoso pai, ameaçando-o de morte. Nesta época trabalhávamos juntos, eu estava desenvolvendo um trabalho de pesquisa para o IBGE (PENAD). Era hora de almoço quando chegamos em casa, minha mãe estava nervosa e assustada. Ela sem pensar, foi logo falando: _Veja onde você foi mexer, olha a carta que os médicos mandaram, já te disse para não ficar remexendo nestas coisa, e agora o que faremos? _ Meu pai calmamente, abriu a carta e a degustou, deu uma enorme gargalhada e disse: _Que isto velha, não precisa se apavorar, cão que ladra não morde. _ Nesta carta estava uma ameaça de morte caso ele não se retratasse. Acho que nunca vi meu pai tão feliz! Parecia que havia ganhado um presente. Usando de sua enorme inteligência, pegou a carta, transcreveu-a na integra na edição seguinte, em baixo fez um breve comentário: _ Fiquei muito triste por ter recebido esta carta, pois quem a escreveu foram médicos, doutores de grande estudo, fiquei deveras triste, por receber uma carta com tantos erros de português.

Meu velho pai veio a falecer em 1999, ao setenta e três anos vitima de um infarto.

Quantas saudades deste velho integro desprovido de medo que sempre valorizou a verdade.

Tonhoavares

ANTÔNIO TAVARES
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 24/06/2012
Código do texto: T3742090