FERNANDO LUGO: IMPEACHMENT OU GOLPE?

De todas as democracias jovens que conheço, nenhuma outra inspirou tanto cuidado quanto a paraguaia! Desde a fundação da Asociación Nacional Republicana, mais conhecida como Partido Colorado, em 1887 que o país não vivia dias tão turbulentos e com forte tendência de golpe...

Os “vermelhos” do Colorado paraguaio jamais conseguiram digerir a administração do Bispo Fernando Lugo; aliás, a eleição que conduziu ao Poder o ex-clérigo católico sempre foi considerada pelos colorados como sendo um duro golpe ao seu próprio Poder; faculdade que eles adquiriram por mais de um século, sendo que também, quase consecutivo.

Exceto entre 1904 e 1946, desde a fundação do partido que eles não sabiam o que era perder uma eleição. Ainda há que ficar registrado que entre 1947 e 1963 o partido vermelho era o único permitido na nação guarani. Também o que precisa ficar registrado e que poucos sabem, o Partido Colorado é o mesmo do ditador Alfredo Stroessner que ficou por 35 anos mandando no país.

Depois de Stroessner o Colorado começou a perder espaço perante a opinião popular; e sua contrafeita ruína aconteceria em 2008, com a histórica eleição de Lugo. A vitória do Bispo Fernando Lugo parecia; pelo menos aos olhos dos inocentes, que seria mais uma reviravolta Sul Americana; nossos vizinhos estavam numa onda de mudança onde os tradicionais davam espaço aos amadores; mas não era bem isso que eles, os partidários colorados entenderam.

Voltando a 2007, durante uma de minhas viagens ao Departamento de Alto Paraná, estive com o Deputado paraguaio Eugenio Rojas em seu escritório; e foi naquela época que fiquei sabendo pela primeira vez de um nome curioso: Movimiento Tekojoja. O termo “Tekojoja” que em guarany significa “viver entre iguais” era o prenuncio de que “chumbo grosso” viria pelos campos paraguaios.

A grande estrela do movimento camposino era o falastrão e desconhecido, para mim; Fernando Armindo Lugo Méndez. Nosso papo sobre política durou uma tarde inteira e foi depois disso que passei a estudar melhor a figura de Lugo. Confesso que jamais acreditei que ele fosse consagrado vitorioso em seu pleito, mas o inacreditável ocorreu e quando o conheci pessoalmente, logo descobri o motivo de sua sedução perante o povão sofrido paraguaio.

No dia 21 de abril de 2008, aqui mesmo nas Crônicas do Imperador, publiquei “ABRIL VERMELHO - ALERTA NA AMÉRICA DO SUL”, contando a história de Lugo e sua relação com os saqueadores latinos. http://www.irregular.com.br/cronicas/abril-vermelho-alerta-na-america-do-sul-120

As idéias de Lugo sempre foram revolucionárias; quem o elegeu foi o povo mais miserável de seu país, cuja promessa de campanha era de no mínimo matar a fome deles, porque Lugo sempre se apresentou como humilde e do povo; e eu não duvido que o seja, mas Lugo esqueceu de um fator importante e quando lembrou disso, já era tarde.

Havia entre Lugo e seu Poder constituído o Partido Colorado, que mesmo derrotado possuia 11 em cada 10 raposas do país; o partido que sempre teve controle absoluto da polícia e das forças armadas.

Logo após a eleição de Lugo eu voltei ao seu país para cumprimentar meu amigo Eugênio Rojas, recem eleito deputado pelo mesmo Movimiento Tekojoja. Depois da visita informal, fui convidado a almoçar com alguns militares paraguaios num posto avançado do exército; e foi neste almoço, também informal, que ouvi de alguns militares que Lugo permaneceria no Poder até quando “eles” quisessem. Confesso que tive a impressão de que aqueles militares estavam apenas sendo fanfarrões, mas um deles me informou que o Colorado já havia tentado matá-lo e isso somente não ocorreu, porque até mesmo as velhas raposas coloradas não imaginavam que Fernando Lugo fosse sagrar-se vencedor...

Após a posse de Lugo houve uma espécie de consórcio para formar uma aliança revolucionária do lado de baixo do Equador; um movimento liderado, pelo menos em discursos pelo maluco da Venezuela, Hugo Chávez. No grupo imaginário um bloco protetor queria blindar algumas destas figuras latinas e Lugo estava entre estes.

A grande chave depois da eleição de Lugo é que NADA ACONTECEU DE EXTRAORDINÁRIO no Paraguai. A polícia permaneceu corrupta; a justiça é pior do que em muitos países fundamentalistas islâmicos; descobriu-se que o Bispo Lugo era pai de um punhado de filhos; e a fome do povo permaneceu tão egrégia que aqueles que elegeram Lugo, da mesma forma que gritou para sua ascensão, permitiram derrubá-lo!

Há quem diga que Lugo jamais teve apoio concreto, principalmente financeiro, de outros líderes sul-americanos, exceto de Lula, que reviu o acordo financeiro de Itaipu em prol do colega recém-eleito. Da última vez em que estive em Assunção, um alto funcionário do Governo Lugo me confidenciou que Chávez, Cristina, Évo e Correa malmente enviaram-lhe migalhas, fato que fez o ex-presidente paraguaio distanciar-se destes e procurar mais abrigo no Brasil.

Outro nome de alta patente das forças armadas do Paraguai me disse no início deste ano que o Partido Colorado voltaria ao poder muito mais forte do que sempre foi; e mais uma vez eu não acreditei. Sempre achei que os derrotados estavam com dores de cotovelo, porque permitiram e de certa forma ajudaram um clérigo polêmico, que já havia sido rotulado como perigoso, ganhasse uma eleição importante.

Antes da derrota em seu impeachment suspeito, Lugo ainda descobriu que era portador de um câncer, mas nem isso conseguiu aposentar a aptidão maquiavélica dos congressistas paraguaios. As notícias que chegam de Assunção é que menos de 48 horas a Câmara se reuniu para solicitar a destituição e no dia seguinte o Senado chancelou a queda de Fernando Lugo do Poder.

A acusação: apoio do Presidente à manifestação de jovens de esquerda no Comando de Engenharia das Forças Armadas, em 2009; obrigar militares a se submeter às ordens de sem-terra; falta de competência para combater atos de violência no país; ações dos guerrilheiros do EPP (Exército do Povo Paraguaio), responsável pelo confronto entre policiais e camponeses há alguns dias, que culminou na morte de 17 pessoas; e violação das leis paraguaias ao ratificar Protocolo de Ushuaia 2, que prevê intervenção externa caso a democracia esteja em perigo.

Lugo até tentou se defender informando que tudo isso que lhe foi atribuído é perseguição política; que a condução do julgamento político foi feito de forma ilegal e injusto e não existem provas que ele incorreu em má atuação de suas funções. Não adiantou; até seus aliados votaram a favor de sua queda e Lugo teve que sair pelas portas dos fundos do Palácio de Los López em Assunção.

Para alguns poucos, o processo de julgamento político de Lugo foi apenas um exame permitido pela constituição daquele país, mas para quem conhece um pouco mais de política sabe: teve tudo de Golpe de Estado. Quem assume em seu lugar é seu vice, agora Presidente Luis Federico Franco Gómez; um cirurgião que sempre alardeou ser amigo de Lugo, mas que nada fez para ajudar o amigo e que colocou seu nome na história imunda do país como o 53º Presidente legítimo e suspeito...

Assim como o uísque, o Paraguai deu mais uma prova de que sua democracia e seu parlamento é “Hecho em Paraguay”; e para mim, além de não valer nada, pode ser prejudicial à saúde política do Continente e a saúde humana daquele povo humilhado. Uma crise que não tem data para se encerrar e que deixa nossa fronteira ainda mais vulnerável...!

Não se sabe ainda qual o destino de Fernando Lugo. Não se fala (ainda) em punição judicial para ele, mas a Costa Rica já se adiantou em oferecer asilo político ao ex-presidente que nada declarou onde irá permanecer de agora por diante; um dos destinos mais prováveis é que ele venha morar no Brasil, já que no Paraguai, sem proteção, sua vida corre sérios riscos e ninguém mais garante por ela a partir de agora...

Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog Crônicas do Imperador - www.irregular.com.br

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Enviado por CHaMP Brasil em 23/06/2012
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