NOVA RECEITA DE SUCESSO

Mulheres atarefadas adoram preparar pratos rápidos e fáceis. Que sejam saborosos, sem lhe roubarem o tempo. Sou uma delas. Por isso, na última semana aprendi uma nova receita. Fácil, rápida e econômica. A omelete “Para nossa alegria”. Após o almoço, vagava pelos canais televisivos com o controle remoto na mão. Uma chamada prendeu minha atenção e a curiosidade alcançou-me. Decidi acompanhar aquela matéria. Quis saber o que fazia a dupla “Para nossa alegria” ali naquele programa da TV Gazeta. (Dupla que postou um vídeo engraçado, para não dizer, ridículo na Internet, alcançando milhões de acessos e que acabara de gravar um cd). Pasmem! Eles preparavam uma omelete! A iguaria trazia entre os seus ingredientes, um item bem curioso, a farinha de mandioca. Por si só, uma novidade em receitas de omelete, como também o é, os tais cantores em nosso cenário musical. Assisti então a um verdadeiro show de esgares. Trejeitos se alternavam ao bater dos ovos, às colheradas de farinha. Piadinhas sem nexo, previamente decoradas, incrementadas com o chavão “Em nome de Jesus”, a se repetir a cada bobagem, não menos sem nexo da apresentadora, até a receita ficar pronta. Como era de praxe, a moça degustou o tão saboroso prato. Ação realizada com altivez. São os ossos do ofício. Tudo suportar em nome da audiência. Na sequência, a dupla apresentou um número musical. Repetiram meia dúzia de palavras em três ou quatro ritmos diferentes. Do mais lento ao mais acelerado, sempre coreografados por inúmeros trejeitos faciais do pobre moço, acompanhado da quase nenhuma segunda voz da mocinha, causando-me verdadeira consternação. E assim transcorreram-se vários minutos daquele programa televisivo brasileiro. Eu ali chocada com aquela apresentação, vendo dois jovens desprovidos de qualquer bagagem musical serem manipulados pela mídia, sem saberem nem qual era a música carro-chefe do cd. Canais e programas oportunistas, sempre à caça de “novos talentos”. Todos querendo uma fatia grossa desse pão da oportunidade. Nenhuma novidade nisto! A que ponto chegam empresários, gravadoras e programas para conseguir dinheiro e audiência, vendendo ilusão. Não sei se sentia pena ou asco. Esqueci totalmente a receita.

Coincidências ou não, justamente esta semana discutíamos em sala de aula a crônica “Vou ser cantor”, do escritor Laé de Souza. No texto um jovem dizia ao amigo que agora era cantor (mesmo não tendo o menor talento para tal). ”Ser cantor é coisa de cabeça, basta crer” - afirmava. O empresário dele o convencera também do seu talento como compositor, afinal o moço chamou a ex-namorada de “bichinha”, algo muito poético. Segundo o dirigente, só uma alma sensível era capaz disso. Nossa! No final, o amigo acabou se convencendo de que também poderia ser um. Uma crônica bem reflexiva. O programa me fez perceber o vasto material disponível aos cronistas para a produção de seus textos. Afinal, os personagens de Laé de Souza tem muita semelhança com os garotos “Para a nossa alegria” ou é mera coincidência? E o sucesso “estrondoso” da funkeira que gravou “Minha avó tá maluca”, também seria? Poderia citar muitos outros exemplos. Quantas “frutas e filés têm saído das prateleiras” para o show business? Primeiro expõe-se o produto (a bunda), depois a voz. Atitude certeira de quem conhece o gosto da plateia masculina desse país. Sabe que ela, em sua maioria, prefere ver a ouvir. Se não tivessem “o chamativo produto”, fariam sucesso? Certamente não. Outros estagiam em reality shows regados a álcool, vulgaridades e lágrimas. De lá para as revistas masculinas e novelas globais, um pulo. Sucesso garantido! Portanto, não é mais necessário ter estudo, talento, voz, esforço para se alcançar sucesso no cenário artístico brasileiro. Artístico mesmo? Tenho cá minhas dúvidas. A regra agora é: Faça qualquer coisa que desperte a sensualidade ou o riso. De preferência, filme e jogue na Rede. Quanto mais ridículo ou libidinoso, melhor. Haverá sempre um empresário inescrupuloso disposto a lançá-lo no mercado. Ele tem o poder de transformá-lo numa celebridade. A Internet faz isso instantaneamente. Acredite. É realidade! Para nossa alegria, faça rir. É de pão e circo que o povo gosta! Estou sendo muito irônica? Talvez. Mas muitos não desejam um sucesso fácil e o mais rápido possível? Daí a grande dificuldade enfrentada por nós, professores, em conscientizar o aluno da importância do estudo e da verdadeira arte. Sacrificar-se, dizem, para quê? Então, façam rir. Riam muito. Afinal rir é mais prazeroso do que pensar. O problema é que enquanto você ri, os inescrupulosos riem e abusam de você. E não há nenhuma graça nisso. O riso faz bem, mas pensar pode nos livrar de muitos malefícios e malfeitores. Pense.

Diante de tudo isso, a única coisa a me fazer rir é imaginar que daqui a alguns anos essa “besteirada” toda pode se tornar realmente característica marcante de um período artístico brasileiro, arquivado nos anais da música e da TV. Duvida? Então cantemos com Os Titãs: “A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte...”.

Comida saudável, diversão de qualidade e Arte com Arte, por favor!

Suzana Duraes
Enviado por Suzana Duraes em 10/06/2012
Código do texto: T3715954
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