UM MUNDO DE CONTRASTES

UM MUNDO DE CONTRASTES

Dona Emília, como nos tempos antigos, exercia suas funções em Celina (Alegre-ES), como parteira dedicada, independente de contratos formais, apenas com entendimentos prévios e ajustes de dia, hora e local, para desempenhar seu melindroso mister (Melindroso já naquela época – hoje é, além de arriscado, ilegal).

Com essa função laboriosa ao longo dos anos, viabilizou o parimento de muitos bebês, que vieram e viram a luz do sol, após os primeiros manuseios de suas dadivosas mãos, que foram responsáveis pelo acondicionamento de inúmeras vidas e bem-estar de muitos nenês e de centenas de mamães parturientes. Servia sua sociedade e vizinhança e onde era chamada, por amor e necessidades dos mais carentes. Seu empenho era mais que profissional. Era solidário, pois era do tipo “realizar tudo com carinho e amor”, pois tinha consciência de que se esforçava nos embates da vida, em favor de vidas humanas.

Convivia ela com um vizinho que, como todo ser humano definhante, veio a falecer, tendo sido encontrado sem vida, de joelhos.

Com a morte daquele homem, veio o enregelamento cadavérico e, para caber no caixão, teve que ter as pernas forçadas até serem quebradas, a fim de voltarem ao normal ou em estado de estiramento para poder ser sepultado sem maiores problemas, em se tratando do espaço já destinado e escavado no cemitério, preparado de antemão pelo coveiro.

Uma personalidade – a Dona Emília, durante sua existência, com seu trabalho, proporcionava condições de nascimento as novas criaturas que vinham ao mundo, auxiliando nos partos e acudindo as gestantes, em cumprimento ao ditado: “Na terra de cego, quem tem um olho é rei”. Era a cultura da época, com a escassez dos médicos.

A outra personalidade – o vizinho de Dona Emília (o senhor “Teco”), morreu com dificuldades de sepultamento, conforme já descrito. Uma forma diferente do que vivia dona Emília. Um contraste, podemos assim avaliar, entre as personalidades citadas.

Nosso mundo é cheio de contrastes. Uns descem, outros sobem. Uns viajam, outros ficam. Uns compram, outros vendem. Uns riem, outros choram. Uns nascem, outros morrem. Uns valorizam a terra, outros valorizam papéis e documentos. Uns estão tristes, outros alegres. Uns não se mobilizam à noite, outros preferem a noite, para se locomover. Uns se sentem aterrorizados com o cair da tarde, outros preferem o anoitecer. Uns são da luz e outros das trevas. Uns preferem se movimentar o dia inteiro, outros optam pela inércia, ainda que na leitura ou numa concentração qualquer.

Melhor assim, pois a monotonia não nos enriquece a mente, nem as amizades, nem as teorias, nem os planos, nem nada! Já que os contrastes fazem parte deste mundo de diversidades e de vaidades!

Muniz Freire, 24 de outubro de 2.002

Fernandinho do forum