SOMOS TUDO, TEMOS NADA
Há um verso de uma letra musical que me incomodou desde muito tempo, originando inclusive polêmicas calorosas com amigos, pela não concordância minha, com a morfologia do tal verso. A canção diz assim: “Eu não sou nada...” Mas hoje eu entendo que, mesmo o autor não tendo dado a conotação que abordarei no texto a seguir, quedo-me e aceito a colocação. Se eu não sou nada é porque sou tudo; se não somos nada, somos tudo. Que verdade vim a compreender agora!
O livro do Gênesis diz que Deus nos criou “à sua imagem e semelhança”. Somos imagem de Deus. É como se ele chegasse diante de um espelho, contemplasse a sua imagem, e visse nela cada um de nós. Imagem incorpórea, espiritual, com ares de eternidade e cheiro de infinitude. Não é que sejamos eternos (eterno somente Deus), mas já que Deus existe desde toda a eternidade, e nos sonhou, e o seu coração engravidou-se de nós, por Amor, Escolha e Eleição, desde todo o sempre, somos pelo menos em parte, parte desta eternização que nos leva ao júbilo de proclamar: somos tudo!
Por outro lado, a sua semelhança deixou marcas indeléveis em nossa alma, apontando-nos a vivência Comunitária. Ora, se a Trindade é a Comunidade Perfeita onde, pela ação infinita do Espírito Santo, ocorre o esvaziamento-preenchimento do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai, no “Amor em Ato”, somos chamados a vivenciar este Amor, visto que fomos criados por Amor e para Amar. E esta infinitude também nos revela: somos tudo!
E por mais paradoxal que seja, somos tudo, temos nada. Repete-se a história daquele jovem, filho de autoridades, que um dia foi parado numa “blitz” de trânsito e quando o policial pediu os seus documentos, esbravejou cheio de arrogância e prepotência: “meu pai é desembargador e minha mãe é doutora da Faculdade”. E arrancou.
Analisando os seus últimos ancestrais - os avós - perceberemos que foram apenas cooperadores de Deus na geração da vida, e nada mais. Toda a escalada profissional de seus pais foi fruto da inteligência doada por Deus. É claro que com os seus esforços pessoais tornaram-se vencedores; mas a inteligência que lhes proporcionou a vitória é presente de Deus. Reconhecemos: temos nada!
Implícitos no dom multiforme de Deus, encontram-se ainda a liberdade, a vontade, a capacidade de amar... Tudo é dom. Tudo é graça. Tudo é presente. Se percorrermos o seu caminho, lutarmos pelo cumprimento dos seus preceitos, e se estas sementes caírem em terra fértil, apenas multiplicaremos o que ele nos ofertou. A escolha, ou as escolhas são nossas. Porquanto, na realidade, somos tudo e nada temos, com uma única exceção: o pecado.
ALMacêdo